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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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JUDICIÁRIO EM DEBATE

Governo pretende "fatiar" projeto já votado pela Câmara para acelerar criação de controle externo

Reforma da Justiça vira prioridade de Lula

SILVANA DE FREITAS
EM SÃO PAULO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegeu a reforma do Judiciário como nova prioridade política. O governo federal quer que o Senado "fatie" essa proposta de emenda constitucional para que sejam aprovados, o mais rapidamente possível, os pontos que considera essenciais, como a criação do Conselho Nacional de Justiça, o órgão de controle externo.
O secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault, lista cinco itens fundamentais dessa proposta: criação do conselho, federalização dos crimes contra direitos humanos, quarentena, uniformização dos critérios de concursos para juiz no país e autonomia das defensorias públicas.
Inicialmente, o governo desprezou o projeto em tramitação no Senado, já aprovado pela Câmara a partir do relatório da deputada federal Zulaiê Cobra (PSDB-SP). Ao assumir o Ministério da Justiça, Márcio Thomaz Bastos comentou: "Vamos começar do zero", disse ele em 16 de fevereiro. "A proposta do Congresso tem muito pouco de aproveitável."
O governo, porém, logo desistiu dessa idéia por causa da dificuldade de começar do zero a tramitação de uma nova emenda constitucional, que exige 60% dos votos (três quintos) em dois turnos em cada Casa. A estratégia atual é aproveitar os pontos positivos no texto já aprovado pela Câmara.

Controle externo
O controle externo, que seria exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, é tratado como prioridade nš 1, porque a expectativa é que ele assegure mais "transparência" ao Judiciário. No dia 18 de maio, o ministro já enfatizava a necessidade de sua adoção: "Nós não vamos fazer uma reforma contra o Poder Judiciário, mas de dentro do Judiciário. Pretendo convencê-los de que o controle externo é uma precondição para que tenhamos um Judiciário democratizado e oxigenado".
Segundo Renault, o modelo previsto não é o ideal, mas é satisfatório. Seria preferível criar logo o conselho, tal como está previsto no projeto, do que lutar por uma maior participação de representantes da sociedade civil, como quer o PT. É que essa ampliação no número de cidadãos teria forte oposição de parte do Judiciário.
Pela proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, o conselho terá 15 membros: nove juízes, dois advogados, dois membros do Ministério Público e dois cidadãos, indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Ele deverá centralizar o controle de atividades administrativas e a execução orçamentária, mas não poderá fiscalizar as decisões judiciais.
A federalização dos crimes contra direitos humanos representa a transferência, da Justiça estadual para a Federal, da competência de julgar crimes dessa natureza, como massacres contra os trabalhadores sem terra. Os juízes estaduais sentem-se desprestigiados com essa mudança.
A quarentena representa a adoção de um prazo, de três anos, em que o juiz aposentado ficará proibido de atuar como advogado no tribunal que integrou. Essa é uma prática muito comum. A uniformização dos critérios para os concursos de juiz eliminaria distorções hoje existentes, e a autonomia das defensorias públicas desvincularia do Executivo essas carreiras, de profissionais que prestam assistência judiciária gratuita.

Súmula vinculante
O governo diverge, entretanto, da adoção da súmula vinculante, mecanismo pelo qual os juízes das instâncias inferiores ficariam em tese obrigados a seguir a orientação do STF. A proposta de emenda a prevê com o objetivo de reduzir o volume de recursos nos tribunais superiores, e a cúpula do Judiciário (principalmente parte dos ministros do Supremo) defende sua adoção. Em sentido oposto, o governo, os advogados e muitos juízes da primeira instância a rejeitam, dizendo que ela irá limitar a jurisprudência às orientações da cúpula do Judiciário, ou seja, "engessará" o direito.
Renault afirma que a reforma constitucional é apenas um dos caminhos para melhorar o funcionamento do Judiciário. Para ele, a população só sentirá os efeitos de outra reforma, na legislação processual, que simplificaria o sistema de recursos para tornar a Justiça mais rápida. Outra frente de trabalho do governo é a modernização do Judiciário. O governo defende a captação de recursos do setor privado para financiamento de projetos que incentivem a eficiência, mas a idéia enfrenta resistência no Judiciário.


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