São Paulo, terça-feira, 17 de janeiro de 2006

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LINHA CRUZADA

Advogado contesta informações da companhia sobre a atuação dele

Mangabeira contesta Brasil Telecom

DA REDAÇÃO

O advogado, cientista social e filósofo Roberto Mangabeira Unger chamou de "difamatórias" as informações divulgadas pela Brasil Telecom sobre a atuação dele como consultor e como "trustee" da empresa. Em nota, Mangabeira afirmou que tem a intenção de responsabilizar pessoalmente os ex-administradores da Brasil Telecom "por suas transgressões".
Reportagem publicada anteontem pela Folha afirmou que a Brasil Telecom vai entrar na Justiça contra ex-administradores da empresa (grupo Opportunity) questionando a atuação de Mangabeira, que recebeu cerca de US$ 2 milhões pelas funções de consultor e "trustee", além de ter pagas despesas com viagens e o aluguel de um apartamento no Rio de Janeiro. Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pelo advogado:

 

"A Folha de S.Paulo de 15 de janeiro traz informações difamatórias a respeito de minhas atividades profissionais como antigo consultor da Brasil Telecom e como "trustee" da Brasil Telecom Trust. Estou notificando os atuais dirigentes daquela empresa para adverti-los da minha intenção de responsabilizá-los pessoalmente por suas transgressões. Como atuo na vida pública do país e como a difusão dessas informações parece seguir um plano político sujo, presto esclarecimentos aos leitores do jornal.
É muito estranho que alegações sobre remuneração profissional paga por uma empresa estritamente privada a um cidadão sejam ocasião de estardalhaço e instrumento de ataque. Antes de terminar a leitura dessa nota, os leitores compreenderão por que acontece isso.
1) Além de ser professor universitário (na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos), trabalho profissionalmente como consultor de empresas internacionais -para surpresa de meus adversários nas elites brasileiras, que me têm na conta de habitante das estrelas.
Fui por vários anos consultor jurídico e estratégico da Brasil Telecom e para ela fiz trabalhos de longo fôlego em benefício de seus milhões de acionistas. Negociei remuneração, incluindo viagens e hospedagem, de acordo com padrões internacionais. Recebi honorários que, em termos proporcionais de tempo, eram menores do que a média do que recebem, por seu trabalho profissional, meus ex-alunos e ex-assistentes. Se me perguntarem por que aceitei receber menos do que eles, a resposta é simples: quis e quero atuar em meu país. Como em qualquer lugar do mundo, paga-se hospedagem ao consultor internacional. A empresa preferiu hospedar-me em apartamento que alugava a hospedar-me em hotel. Fazer caso disso é simplesmente ridículo.
2) Aceitei ser responsável pela defesa de certos direitos de indenização da Brasil Telecom -contra a Telecom Italia e contra certos fundos de pensão. Esses direitos foram conferidos a uma entidade constituída fora do Brasil (um "trust"), de acordo com prática também generalizada no mundo. A razão para conferir tais direitos a entidade constituída fora do Brasil foi isolar as disputas sobre esses direitos da gestão da Brasil Telecom e dos entendimentos e desentendimentos entre seus acionistas controladores a respeito de outros assuntos. A Comissão de Valores Mobiliários não só confirmou a validade do "trust" como também exigiu que eu, como único "trustee" (isto é, como pessoa responsável por essa entidade), fosse tornado inamovível. Era a condição para assegurar minha independência.
O "trust" precisa contratar advogados, peritos financeiros, contadores e outros especialistas para cumprir sua tarefa. É para remunerá-los -e só para isso- que o "trust" foi dotado de fundos pela Brasil Telecom. As informações difundidas confundem, deliberada e maliciosamente, minha remuneração como "trustee" com o dinheiro que a companhia depositou na conta do "trust" para que ele pudesse fazer seu trabalho. Nem um centavo do "trust" pode beneficiar ou beneficiou o "trustee". Cada centavo gasto está devidamente contabilizado.
3) Como "trustee" não renunciei a nenhum dos direitos da Brasil Telecom que me foram confiados. Pautei-me por rigor ético, mesmo quando tive de ser inconveniente. Indaga-se por que eu não me teria manifestado a respeito da decisão dos antigos dirigentes da Brasil Telecom de renunciar a uma ação que a empresa havia ajuizado contra a Telecom Italia no Rio de Janeiro. Muito me agradaria dizer aos leitores da Folha de S.Paulo por que não me manifestei. Não o posso fazer aqui, publicamente, sem prejudicar interesses da empresa e de seus acionistas. Os atuais dirigentes da Brasil Telecom, entretanto, não perdem por esperar: está tudo explicado na notificação que receberão nos próximos dias.
4) Agora, leitor, chego ao âmago da questão. Nossa democracia vive sob a sombra do dinheiro. Troca-se dinheiro por poder e poder por dinheiro. A vida empresarial no Brasil é, por isso mesmo, um inferno: os que se relacionam bem prevalecem sobre os que trabalham bem. O Brasil não terá futuro se não acabar com isso.
Os fundos de pensão estão no centro da corrupção na política brasileira. O governo Lula descobriu os fundos de pensão. Em vez de demolir o núcleo de corrupção ali já existente, decidiu usá-lo para ir além. Perceberam os novos governantes a oportunidade de assumir, em proveito de sua própria perpetuação no poder, o controle político do dinheiro imenso reunido naqueles fundos.
As pensões que os fundos de pensão pagam a seus associados pouco têm a ver com os resultados de seus investimentos; são garantidas pelo governo. Estão, por isso, seus administradores livres para manobrar no terreno obscuro entre a política e os negócios. Alguns desses dirigentes são sérios e honestos. Outros especializam-se em fazer investimentos ruinosos em troca de financiamento eleitoral para seus patronos políticos e até de suborno pessoal para si. Ajudam a organizar o abraço entre o poder e o dinheiro no Brasil.
Eu sou inimigo mortal desse sistema. Quero vê-lo destruído. Quero ver os responsáveis na cadeia.
Há no Brasil gente que luta para destruir esse sistema. E há gente que, por conta de suas responsabilidades profissionais, teve de observá-lo de perto. Eu talvez seja um dos únicos brasileiros que reúne esses dois atributos. O conhecimento redobra minha inconformidade, minha indignação, minha determinação. É uma das motivações da iniciativa política em que me engajei para mudar o rumo do país.
Apressem-se, senhores mafiosos: só lhes restam 11 meses e meio.
Roberto Mangabeira Unger"


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