São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2001

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Grupo do governador cearense diz ser vítima de traições na legenda

Tasso ameaça formar uma dissidência dentro do PSDB

ANDRÉ SINGER
ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZA

"Posso até fazer uma dissidência interna, mas sair do PSDB, não saio", disse ontem à Folha Tasso Jereissati. Um governador do Ceará com aspecto cansado e preocupado avaliava no Palácio do Cambeba, em Fortaleza, as repercussões - graves, a seu ver- do que ocorreu em Brasília na quarta. Também no palácio, os senadores Lúcio Alcântara e Luiz Pontes, ambos do PSDB cearense.
Apesar de toda a irritação pelo que é visto no Cambeba como um conjunto de traições aplicadas ao grupo cearense na capital da República, o governador é enfático em afirmar que não há hipótese de abandonar o PSDB.
"Esse partido tem o meu sangue e pelo menos uma safena minha", disse o governador cearense, referindo-se às operações coronárias a que se submeteu depois de ingressar na política.
A Folha apurou que a série de "traições" a Tasso incluem a ruptura unilateral de um acordo com vistas a adiar para depois do Carnaval a escolha do deputado Jutahy Magalhães (BA) como líder da bancada do PSDB na Câmara. A protelação era vista por Tasso como fundamental para não afrontar ainda mais o já derrotado senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), de quem o deputado baiano é inimigo pessoal.
Houve um acerto entre os principais caciques tucanos para postergar a eleição do líder da bancada. A certa altura, porém, Tasso percebeu que agia sozinho. Os demais envolvidos na combinação não faziam nada.
O governador decidiu, então, liberar os deputados do Ceará para que acompanhassem os demais parlamentares. A escolha de Jutahy foi anunciada poucas horas depois da renovação das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e deve ser confirmada na próxima terça-feira.
O gesto do PSDB é visto como a gota d'água para empurrar ACM a uma posição de quase ruptura com o governo. E havia no Cambeba um clima de que esse afastamento pode não ser reversível.
A mágoa mais profunda, no entanto, dizia respeito à sequência de acordos não cumpridos. Além da indicação precipitada de Jutahy, houve a exclusão do senador Lúcio Alcântara de um dos postos de poder na direção do Senado (a vice-presidência ou a primeira secretaria), percebida como um ataque à socapa depois de o senador ter, por influência de Tasso, decidido não concorrer à presidência daquela Casa.
"Dei uma demonstração de espírito partidário, já que uma candidatura minha significaria a implosão do PSDB", diz Alcântara.
Cogitado como uma possível "terceira via" do PFL entre os senadores Jader Barbalho (PMDB-PA) e Jefferson Péres (PDT-AM), Lúcio Alcântara poderia ter, de acordo com assessores, rachado o PSDB e obtido apoios no PMDB e até na oposição.
A consequência, porém, teria sido comprometer a eleição de Aécio Neves (PSDB-MG) para a presidência da Câmara, que dependia dos votos do PMDB. "Houve muita pressão dentro do Senado para que eu fosse candidato. Não fui para preservar o partido e o troco foi de uma desconsideração total", afirma Alcântara.

Liderança no Senado
Para completar o quadro de punhaladas, a bancada do PSDB no Senado reconduziu à liderança o senador Sérgio Machado (PSDB-CE), o único dos três representantes cearenses que está afastado de Tasso. Nesse tópico, havia também um acordo, o de aguardar para decidir a eleição do líder mais tarde, de modo a haver espaço para negociação.
Mas, assim que Jader tomou posse, o nome de Machado foi anunciado. Conclusão: sem avisar os dois senadores ligados a Tasso (foram os únicos a não votar), os demais tucanos resolveram fechar a escolha do líder enquanto se processava a eleição de Jader. Teria sido uma espécie de golpe.
Mesmo diante da verdadeira noite de São Bartolomeu -o célebre massacre dos huguenotes franceses reunidos em Paris em 1572- que caiu sobre as hostes de Tasso na quarta-feira quente de Brasília, o Cambeba evita citar quem seriam os mandantes.
"Ninguém sabe se é falta de articulação ou é uma articulação tão bem feita que nós não entendemos e fomos feitos de bobos", diz Alcântara.
Na hipótese de um complô maquiavélico, os dois mais prováveis algozes -que ninguém ousa mencionar no palácio cearense- são o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro da Saúde, José Serra, hoje o mais forte presidenciável tucano. O fato é que a derrota de ACM em tese tira uma pedra do sapato de FHC e diminui a força da candidatura presidencial de Tasso, a quem o cacique baiano apóia. Além disso, isolar Tasso e seu grupo dentro do PSDB é uma manobra que o enfraquece ainda mais.
"Essas eleições no Congresso, com todas as denúncias, acordos e traições que envolveram, mancham a todos os políticos, inclusive nós do PSDB", afirma Tasso. Para ele, o PSDB precisa reencontrar o discurso da ética, em torno do qual nasceu e que hoje está em vias de ser capturado pelo PT. "A força do governo é que a figura de Fernando Henrique nunca foi contaminada por problemas éticos. Ele precisa manter isso", acrescenta Alcântara.
Tasso acha que o PSDB perdeu o rumo. "Acho que o partido precisa retomar o caminho da ética, que foi a marca que lhe possibilitou chegar ao poder", conclui o governador. Com essa bandeira, a idéia de formar uma dissidência interna não parecia nada distante ontem do Cambeba.


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