São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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NO PLANALTO

Asmodeu livra universidade católica do pecado filantrópico

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Igreja é santa. Mas infinitas são as ardilezas de Satanás. O gênio das trevas imiscuiu-se, veja você, pelas frestas de balanços da PUC-MG. Profanou-os. Pias rubricas converteram-se em dados da carochinha.
Embora espúria, a conversão produziu resultado imaculado. Livrou a universidade católica de um pecado que, no mundo da filantropia, é capital: o desapreço aos cristãos pobres.
Reza a legislação que, para ser considerada filantrópica, esquivando-se do pagamento de impostos, uma universidade deve aplicar pelo menos 20% de sua receita em ações direcionadas à malta -a concessão de bolsas de estudo, por exemplo.
As sagradas escriturações da PUC-MG ostentavam percentuais de benemerência que oscilavam de 4,5% a 7,6%. O que levou o INSS a propor que fosse negada à escola a renovação do certificado de filantropia.
Na pele de coadjutor divino, o Pai da Mentira burilou as contas. Súbito, passaram a exibir taxas de gratuidade de até 26,5%. E o CNAS, conselho da Previdência que gerencia a filantropia no país, revalidou o certificado da universidade.
Em 28 de julho de 2000, o INSS enviou ao ministro da Previdência recurso contra a decisão. O Beiçudo conspirou para que o ofício saltasse de mão em mão, qual batata quente, até estacionar, ainda fumegante, na palma do ministro Roberto Brant, mineiro como a PUC sob questionamento.
Em vias de deixar o ministério para pedir votos nas ruas da mesma Belo Horizonte onde se encontra assentada a universidade, Brant é um declarado simpatizante da PUC. Dom Serafim Fernandes de Araújo, presidente da universidade, dispõe de linha direta com o ministro.
A encrenca começou a dar as caras em 13 de fevereiro do ano da graça de 1998. Nesse dia, a PUC-MG ingressou com um pedido de renovação do certificado filantrópico no CNAS. Ajuntou balanços de 1996, 1995 e 1994.
Em 18 de novembro de 1998, a equipe técnica do conselho opinou pelo indeferimento do pedido. Argumentou-se: em 1994, com um faturamento de R$ 34,5 milhões, a PUC-MG aplicou 7,6% em benemerência; em 1995, com receita de R$ 66,4 milhões, destinou 4,5% aos pobres; em 1996, ano em que faturou R$ 103,3 milhões, a cota de filantropia foi de 7,1%.
Conhecido pela benevolência com que trata entidades que tenham atrás de si o vulto de uma batina, Gilson Assis Dayrell emitiu, em 19 de março de 1999, despacho manuscrito que abriu caminho para as artimanhas do Tinhoso.
Gilson Dayrell é funcionário do Ministério do Trabalho. Presidia o CNAS à época. Poderia ter levado ao conselho o parecer que conduzia a PUC-MG ao cadafalso. Mas achou melhor pedir à entidade que apresentasse as "contas de gratuidade", como se elas já não estivessem expressas nos balanços.
A universidade releu os próprios números. Em 19 de maio de 1999, levou a Brasília o resultado do trabalho. Deus, como se sabe, existe. Mas os novos balanços da PUC-MG são a prova de que Ele não dá expediente integral.
Computaram-se aplicações em filantropia ainda inferiores aos 20% exigidos: 17% em 1994, 15% em 1995 e 14% em 1996. Parecer técnico do CNAS, de 23 de junho de 1999, recomendou, uma vez mais, o indeferimento do certificado.
Por obra e graça do Demo, redigiu-se no conselho, em 3 de dezembro de 1999, um ofício que constata que a PUC-MG "enviou documentos que estão contraditórios nos cálculos de gratuidade". Em vez de levar a numeralha a julgamento, optou-se por devolvê-la de novo, "para que a entidade proceda à perícia contábil e refaça os balanços de 1994, 1995 e 1996, republicando-os e explicitando a gratuidade concedida nos mesmos".
Assina o documento a irmã Maria Tereza Diniz, que representa no CNAS a sacrossanta CNBB. Rubrica-o também Luiza Maria Nogueira, técnica que respondia pela coordenação de normas do conselho.
Deu-se, então, o milagre da multiplicação filantrópica. De posse dos novos dados, Luiza Nogueira produziu, em 27 de junho de 2000, um parecer redentor. A PUC-MG demonstrara, finalmente, investimentos em filantropia de 26,5% em 1994, 20,15% em 1995 e 20,12% em 1996.
No mesmo dia 27 de junho, Luiza Nogueira recomendou, em outro ofício, o deferimento. O certificado filantrópico foi expedido, "ad referendum" do conselho, em 20 de julho de 2000. Assina-o Marco Aurélio Santullo, que presidiu o CNAS até meados de 2001, como sucessor de Gilson Dayrell.
Dayrell ainda integra o conselho. Procurado, informou-se que saíra em viagem. A irmã Maria Tereza não respondeu a recado deixado em sua secretária eletrônica. Santullo diz que assinou o certificado porque os técnicos recomendaram. A técnica Luíza, que deixou o CNAS em maio de 2001, afirma que a equipe do conselho "não entende de balanço". Apenas verifica os gastos em gratuidade.
Napoleão Alves Coelho, contador da PUC-MG, diz: "Não houve mudança de balanços. Apenas evidenciamos as gratuidades em notas explicativas que não afetaram o resultado global nem a estrutura patrimonial".
No recurso que esquenta a mão do ministro Roberto Brant, o INSS relaciona dados que colecionou em visita à escrituração da escola relativa ao período de 1991 a 1998. Além dos "arranjos contábeis", verificou que dinheiro da PUC-MG pagou contas "de diversas pessoas jurídicas".
Beneficiaram-se principalmente a Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte e a Radio City, pertencente à Igreja. "Tudo dentro da lei", diz o contador Napoleão.
Custearam-se também despesas de uma fazenda estranha ao patrimônio da universidade. Napoleão alega que o local é usado por alunos do curso de veterinária. Porém, a relação de bolsas de estudo remetida ao CNAS não faz menção à cátedra de veterinária.
O vaivém de balanços demonstra que, a exemplo do Todo-Poderoso, Asmodeu escreve certo por linhas tortas.



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