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NO PLANALTO
Asmodeu livra universidade católica do pecado filantrópico
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Igreja é santa. Mas infinitas são as ardilezas de Satanás. O gênio das trevas imiscuiu-se, veja você, pelas frestas de balanços da PUC-MG. Profanou-os.
Pias rubricas converteram-se em
dados da carochinha.
Embora espúria, a conversão
produziu resultado imaculado.
Livrou a universidade católica de
um pecado que, no mundo da filantropia, é capital: o desapreço
aos cristãos pobres.
Reza a legislação que, para ser
considerada filantrópica, esquivando-se do pagamento de impostos, uma universidade deve
aplicar pelo menos 20% de sua receita em ações direcionadas à
malta -a concessão de bolsas de
estudo, por exemplo.
As sagradas escriturações da
PUC-MG ostentavam percentuais de benemerência que oscilavam de 4,5% a 7,6%. O que levou
o INSS a propor que fosse negada
à escola a renovação do certificado de filantropia.
Na pele de coadjutor divino, o
Pai da Mentira burilou as contas.
Súbito, passaram a exibir taxas
de gratuidade de até 26,5%. E o
CNAS, conselho da Previdência
que gerencia a filantropia no
país, revalidou o certificado da
universidade.
Em 28 de julho de 2000, o INSS
enviou ao ministro da Previdência recurso contra a decisão. O
Beiçudo conspirou para que o ofício saltasse de mão em mão, qual
batata quente, até estacionar,
ainda fumegante, na palma do
ministro Roberto Brant, mineiro
como a PUC sob questionamento.
Em vias de deixar o ministério
para pedir votos nas ruas da mesma Belo Horizonte onde se encontra assentada a universidade,
Brant é um declarado simpatizante da PUC. Dom Serafim Fernandes de Araújo, presidente da
universidade, dispõe de linha direta com o ministro.
A encrenca começou a dar as
caras em 13 de fevereiro do ano
da graça de 1998. Nesse dia, a
PUC-MG ingressou com um pedido de renovação do certificado filantrópico no CNAS. Ajuntou balanços de 1996, 1995 e 1994.
Em 18 de novembro de 1998, a
equipe técnica do conselho opinou pelo indeferimento do pedido. Argumentou-se: em 1994, com
um faturamento de R$ 34,5 milhões, a PUC-MG aplicou 7,6%
em benemerência; em 1995, com
receita de R$ 66,4 milhões, destinou 4,5% aos pobres; em 1996,
ano em que faturou R$ 103,3 milhões, a cota de filantropia foi de
7,1%.
Conhecido pela benevolência
com que trata entidades que tenham atrás de si o vulto de uma
batina, Gilson Assis Dayrell emitiu, em 19 de março de 1999, despacho manuscrito que abriu caminho para as artimanhas do Tinhoso.
Gilson Dayrell é funcionário do
Ministério do Trabalho. Presidia
o CNAS à época. Poderia ter levado ao conselho o parecer que conduzia a PUC-MG ao cadafalso.
Mas achou melhor pedir à entidade que apresentasse as "contas
de gratuidade", como se elas já
não estivessem expressas nos balanços.
A universidade releu os próprios números. Em 19 de maio de
1999, levou a Brasília o resultado
do trabalho. Deus, como se sabe,
existe. Mas os novos balanços da
PUC-MG são a prova de que Ele
não dá expediente integral.
Computaram-se aplicações em
filantropia ainda inferiores aos
20% exigidos: 17% em 1994, 15%
em 1995 e 14% em 1996. Parecer
técnico do CNAS, de 23 de junho
de 1999, recomendou, uma vez
mais, o indeferimento do certificado.
Por obra e graça do Demo, redigiu-se no conselho, em 3 de dezembro de 1999, um ofício que
constata que a PUC-MG "enviou
documentos que estão contraditórios nos cálculos de gratuidade". Em vez de levar a numeralha
a julgamento, optou-se por devolvê-la de novo, "para que a entidade proceda à perícia contábil e refaça os balanços de 1994, 1995 e
1996, republicando-os e explicitando a gratuidade concedida
nos mesmos".
Assina o documento a irmã
Maria Tereza Diniz, que representa no CNAS a sacrossanta
CNBB. Rubrica-o também Luiza
Maria Nogueira, técnica que respondia pela coordenação de normas do conselho.
Deu-se, então, o milagre da
multiplicação filantrópica. De
posse dos novos dados, Luiza Nogueira produziu, em 27 de junho
de 2000, um parecer redentor. A
PUC-MG demonstrara, finalmente, investimentos em filantropia de 26,5% em 1994, 20,15% em
1995 e 20,12% em 1996.
No mesmo dia 27 de junho, Luiza Nogueira recomendou, em outro ofício, o deferimento. O certificado filantrópico foi expedido,
"ad referendum" do conselho, em
20 de julho de 2000. Assina-o
Marco Aurélio Santullo, que presidiu o CNAS até meados de 2001,
como sucessor de Gilson Dayrell.
Dayrell ainda integra o conselho. Procurado, informou-se que
saíra em viagem. A irmã Maria
Tereza não respondeu a recado
deixado em sua secretária eletrônica. Santullo diz que assinou o
certificado porque os técnicos recomendaram. A técnica Luíza,
que deixou o CNAS em maio de
2001, afirma que a equipe do conselho "não entende de balanço".
Apenas verifica os gastos em gratuidade.
Napoleão Alves Coelho, contador da PUC-MG, diz: "Não houve
mudança de balanços. Apenas
evidenciamos as gratuidades em
notas explicativas que não afetaram o resultado global nem a estrutura patrimonial".
No recurso que esquenta a mão
do ministro Roberto Brant, o
INSS relaciona dados que colecionou em visita à escrituração da
escola relativa ao período de 1991
a 1998. Além dos "arranjos contábeis", verificou que dinheiro da
PUC-MG pagou contas "de diversas pessoas jurídicas".
Beneficiaram-se principalmente a Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte e a Radio City, pertencente à Igreja. "Tudo dentro
da lei", diz o contador Napoleão.
Custearam-se também despesas
de uma fazenda estranha ao patrimônio da universidade. Napoleão alega que o local é usado por
alunos do curso de veterinária.
Porém, a relação de bolsas de estudo remetida ao CNAS não faz
menção à cátedra de veterinária.
O vaivém de balanços demonstra que, a exemplo do Todo-Poderoso, Asmodeu escreve certo por
linhas tortas.
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