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BRASIL PROFUNDO
Quatro meses antes da morte, ofício foi enviado à polícia do Pará com cópia para gabinete de Nilmário Miranda
Juíza havia pedido proteção para freira
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documentos obtidos pela Folha
na Vara Agrária de Altamira (PA)
mostram que a juíza de Direito
Danielle Bührnheim pediu por
ofício à polícia do Pará -quatro
meses antes do assassinato de Dorothy Stang, 73- que fosse "garantida a integridade física" da
missionária. Ela foi morta a tiros
em Anapu (PA) no último sábado
e não tinha proteção policial.
A juíza expediu cópia do pedido
de proteção, junto com um depoimento de Dorothy prestado na
Vara Agrária, para o gabinete do
secretário especial de Direitos
Humanos em Brasília, Nilmário
Miranda, e para o gabinete do secretário de Defesa Social do Pará,
Manoel Santino. O pedido de proteção para Dorothy foi enviado
para o superintendente da Polícia
Civil Regional do Xingu, Pedro
Monteiro, e para o comando do
16º Batalhão da Polícia Militar.
Os despachos da juíza foram dados ao final da audiência de qualificação e interrogatório de Dorothy, realizada em 24 de outubro
último na Vara Agrária. A advogada da CPT (Comissão Pastoral
da Terra) Antônia Lima Santos,
autora do pedido de proteção autorizado pela juíza, disse que nada
foi feito para cumprir a ordem.
A missionária foi intimada a depor no processo que apura o assassinato do funcionário de uma
fazenda de Anapu, José Antônio
Nascimento, 36, durante confronto com trabalhadores rurais de
um projeto de assentamento do
Incra, a Gleba Manduacari, com
153 famílias.
A Polícia Civil indiciou Dorothy
sob suspeita de ter participado da
organização armada dos colonos.
No interrogatório à juíza da Vara
Agrária, Dorothy revelou que em
2003 recebera ameaça de morte
feita por uma pessoa identificada
nominalmente, enquanto aguardava uma audiência na Vara
Agrária de Marabá (PA).
"Tomou conhecimento (...) que
a depoente era uma das pessoas
marcadas para morrer juntamente com outras pessoas", diz o depoimento. Ela citou um fazendeiro que teria contratado "28 pessoas para limpar a área da Gleba
Manduacari".
O fazendeiro alegava ser dono
de parte da propriedade do assentamento, e teria começado a
ameaçar os assentados.
Em seu depoimento, Dorothy
narrou uma série de atos violentos supostamente praticados por
policiais civis e militares contra
trabalhadores rurais durante operações de despejo que não teriam
respaldo em mandado judicial.
Ela também denunciou a presença de pistoleiros na gleba.
"A maior reclamação feita ao
Ouvidor Agrário Nacional [Gercino José Filho, do Ministério do
Desenvolvimento Agrário] era
com relação aos pistoleiros existentes na região, todos armados
para assegurar as terras dos fazendeiros, grileiros das terras", disse
Dorothy, referindo-se a uma audiência pública realizada em Anapu no dia 23 de setembro de 2003.
A missionária contou que relatava o "clima de tensão" na Gleba
Manduacari, por telefone, para o
delegado da Polícia Civil do Pará
Roberto Teixeira, que atua na
área de conflitos agrários. O delegado ligou de volta para Dorothy
nos dias 14, 18, 19, 23 e 25 de novembro de 2003.
Entre setembro e dezembro de
2003, Dorothy narrou terem
ocorrido pelo menos dois atritos
armados entre funcionários de
uma empresa de segurança e os
assentados.
Em 27 de fevereiro de 2004,
ocorreu o conflito que matou um
funcionário do fazendeiro que reclamava a posse das terras e ferimentos graves em outro.
A acusação contra Dorothy, de
que organizou uma reação armada dos trabalhadores rurais, ainda
não teve julgamento. No depoimento, ela disse estar "chocada"
com a suspeita, "uma vez que vem
lutando há anos para evitar o conflito em Anapu".
Com sua morte, a ação penal, na
parte que a acusa, será extinta.
Outros cinco trabalhadores são
acusados no mesmo processo, e
quatro permanecem presos em
Altamira, aguardando serem julgados pela Justiça.
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