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ENTREVISTA DA 2ª
Novo embaixador em Londres afirma que entrada do país na Opaq, órgão ligado à ONU, teria diminuído tensão com EUA
Queria inspeções no Iraque, diz Bustani
Lula Marques - 12.mar.03/Folha Imagem
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O embaixador do Brasil no Reino Unido, José Bustani, durante entrevista no Palácio do Itamaraty |
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois de onze meses de limbo
profissional, o embaixador José
Maurício Bustani, 57, dá a volta
por cima e assume no governo
Lula a Embaixada do Brasil em
Londres, uma das mais importantes da carreira, num momento especial: o Brasil aliou-se à França e
à Alemanha contra a guerra do
Iraque, mas o Reino Unido é o
principal aliado dos Estados Unidos a favor da guerra.
O Itamaraty que recupera Bustani mudou, mas o embaixador
também mudou. Ao ser destituído do comando da Opaq (Organização para a Proscrição das Armas Químicas, vinculada às Nações Unidas), por pressão dos Estados Unidos, ele era um crítico
ácido tanto do governo George
W. Bush quanto da gestão do ministro Celso Lafer no Itamaraty,
durante o governo Fernando
Henrique Cardoso.
Agora, ele não tem mais inimigos. Limita-se a criticar "a miopia" da gestão Lafer.
Um dos motivos para sua queda
da Opaq foi seu empenho para incluir o Iraque e a Líbia entre os
países-membros. Na quinta-feira
passada, ele disse à Folha que, se
isso tivesse ocorrido, as inspeções
no Iraque teriam sido facilitadas e
talvez a guerra não fosse tão iminente hoje.
Ao desembarcar em Londres no
próximo domingo, Bustani já poderá encontrar um quadro de
guerra praticamente definido pela aliança de Bush com os primeiros-ministros Tony Blair, britânico, e José Maria Aznar, espanhol.
Ontem, na Cúpula de Açores,
esses três líderes deram prazo de
24 horas para que a ONU (Organização das Nações Unidas) aprove uma resolução abrindo caminho para a guerra.
Segundo Blair, hoje, segunda-feira, é "o momento da verdade".
É este momento que espera Bustani em Londres.
(ELIANE CANTANHÊDE)
Folha - O sr. caiu em desgraça no
governo FHC e dá a volta por cima
no governo Lula. O que mudou?
José Bustani - Eu posso garantir
que o Bustani não mudou. Provavelmente, o Itamaraty mudou,
porque mudou o ministro e voltamos a ter um ministro que eu reputo um dos maiores talentos e
capacidades que esta Casa já teve.
Folha - O senhor acha importante
o chanceler ser da carreira diplomática? Esse era um dos problemas
do Celso Lafer?
Bustani - Já tivemos bons chanceleres que não eram da carreira,
mas isso depende do momento
em que vive o país. O Brasil recente, da última década, precisa de
um chanceler de carreira. Acho
que você trazer uma pessoa de fora não facilita a implementação
das linhas de governo. O ministro
não pode ser uma figura de enfeite, deve ser uma pessoa de campo,
um operador, um negociador. Isso é uma especialização.
Folha - Que faltava ao ministro
Celso Lafer?
Bustani - Eu não sei.
Folha - Então, o que o senhor chamou na sabatina no Senado de
"momento míope", referindo-se ao
governo anterior?
Bustani -Houve momento em
que a chefia do Itamaraty não
soube reagir às pressões que foram colocadas sobre o governo
brasileiro para mudar a direção
da Opaq. Há duas semanas, os
americanos tentaram fazer exatamente a mesma coisa com o diretor do CTBTO (organização para
o fim dos testes nucleares, com sede em Viena), Wolfgang Hoffman, da Alemanha. O governo
alemão reagiu com muito vigor, e
o assunto foi abandonado.
Houve uma miopia no sentido
de que o governo não entendeu o
meu papel, que não era o de um
funcionário internacional, parte
das Nações Unidas, mas eleito por
indicação do governo brasileiro.
Portanto havia responsabilidade
do governo pela qualidade do que
eu estava oferecendo numa entidade internacional.
Se o governo brasileiro estivesse
descontente com o meu trabalho,
eu entendo que houvesse apoio a
uma gestão para que eu saísse.
Mas apenas seis meses antes de isso acontecer, o presidente Fernando Henrique Cardoso visitou
a Opaq e fez largos elogios ao que
estava sendo feito.
Folha - O que o senhor vê de novo
neste Itamaraty no qual o senhor
volta por cima?
Bustani -Não acho que volto por
cima, acho que volto para o lugar
em que eu deveria ter estado sempre. O que mudou é que o presidente Lula conseguiu transmitir,
não só para o Itamaraty, mas para
o conjunto dos ministérios, esse
sentido de missão.
Folha - O sr. caiu em desgraça por
trombar de frente com o governo
dos EUA, e o embaixador Samuel
Pinheiro Guimarães, hoje vice-chanceler, por discordar da proposta norte-americana para a Alca
(Área de Livre Comércio para as
Américas). A premiação de dois
embaixadores que tiveram problemas por causa dos EUA projeta que
tipo de política externa? O que se
pode inferir disso?
Bustani - Não posso falar pelo
Samuel, mas no meu caso não
houve confronto com os Estados
Unidos. Eu fui retirado da Opaq
por causa dos EUA, é verdade,
mas não fiquei sem função por
iniciativa dos EUA.
Folha - O que muda no governo
Lula em relação à política com os
EUA?
Bustani - Os Estados Unidos são
o parceiro mais importante do
mundo, são importantíssimos.
Você tem que encontrar um modus vivendi. Evidentemente, um
modus vivendi com altivez e que
não seja em detrimento dos interesses do Brasil.
Nós temos vontades próprias e
temos a obrigação de defender os
interesses da população brasileira. Você não precisa ser potência
militar ou potência econômica
para ser ouvido. Se bastasse isso,
não precisava de Conselho de Segurança, bastava ter um só nome,
o dos Estados Unidos. Estaria tudo resolvido. Por que a voz do
presidente Lula está sendo ouvida
por Chirac [presidente francês",
Schröder [premiê alemão", pelo
próprio Blair e pelo próprio Bush?
Porque ele tem o que dizer. Isso
caracteriza uma afirmação da
identidade nacional.
Folha - O Brasil se aliou claramente à França e à Alemanha contra a
guerra do Iraque, e o senhor será
embaixador justamente no Reino
Unido, que é o principal aliado dos
Estados Unidos a favor da guerra.
Qual o desafio?
Bustani - A questão iraquiana é
extremamente importante. Estamos às portas de uma guerra de
grandes consequências que vão
muito além daquela área, inclusive para o Brasil, mas não se pode
dividir o mundo em torno dessa
questão. Até porque a questão
Iraque nunca pode ficar fora do
contexto maior da solução do
problema maior no Oriente Médio, de Israel e da Palestina.
Também é preciso ficar claro o
papel do Blair de tentar uma ponte entre os interesses americanos e
os da União Européia.
Já com o Iraque é mais complicado, porque a administração
Bush tem uma percepção muito
específica sobre isso. Isso pode ter
dificultado um pouco a atuação
do Blair e o tenha levado a certas
posições que parecem, ou pareceram, de completo alinhamento
com os EUA, o que não é tão evidente quanto parece.
Não há uma insistência para haver uma guerra, mas para não haver uma guerra. Qualquer iniciativa de qualquer país neste momento, inclusive do Brasil, deve
ser bem vinda.
Folha - Uma posição do Brasil,
portanto, pode ajudar a empurrar
o Reino Unido para o outro lado,
contra a guerra?
Bustani - Acho que a posição de
um embaixador brasileiro na Inglaterra é transmitir ao governo
inglês as preocupações, visões e
percepções do presidente Lula. E
ele tem se manifestado de maneira transparente e eficaz.
Além disso, tenho ótimas relações com o Reino Unido e sou
muito grato a eles pelo apoio que
sempre me dedicaram na Opaq.
Folha - Por que o seu nome, então, demorou tanto a ser aceito como embaixador em Londres? Houve resistências?
Bustani - De maneira nenhuma,
tudo foi feito dentro do tempo regulamentar. O que ocorreu é que
meu nome saiu na imprensa muito antes que a indicação fosse formalizada pelo governo brasileiro.
Daí a sensação de demora, que
não é verdadeira.
Folha - Uma das críticas que o senhor enfrentou na Opaq foi por
tentar ampliar o quadro de países-membros incluindo, por exemplo,
Iraque e Líbia. Isso não carimba o
sr. como simpático a eles, ou contra
os Estados Unidos?
Bustani - Absolutamente. Eu
não defendia a posição do Iraque,
mas a posição daqueles que queriam que o Iraque aceitasse as inspeções. Dentro da Opaq, ele estaria sujeito às inspeções normalmente, como os demais. Juntamente com as Nações Unidas, nós
poderíamos, desde aquela época,
desbloquear a ação dos inspetores, aliviando uma crise que se
acirrava.
Folha - É legítimo supor que os
EUA se opunham radicalmente para ter um pretexto posterior para a
guerra?
Bustani - Eu não posso falar pelos Estados Unidos. Mas, se a inclusão na Opaq tivesse sido aceita
naquele momento, quem sabe a
presença dos inspetores das Nações Unidas tivesse sido precoce e
muito mais eficaz do que vem
sendo hoje? A minha intenção foi,
exclusivamente, trazer o Iraque
para as inspeções.
Folha - O sr. chega a Londres no
próximo domingo (dia 23). Até lá já
terá estourado a guerra?
Bustani - Espero que não. Tenho
muita fé de que os esforços sejam
bem-sucedidos.
Folha - O sr. reclamava muito da
arrogância dos EUA nos organismos internacionais, inclusive na
própria ONU. E, agora, o que muda?
Bustani - As Nações Unidas serão o que os Estados quiserem
que elas sejam. É preciso que ela
tenha uma personalidade que reflita a visão do conjunto dos Estados. Os EUA são os grandes financiadores e é natural que tenham um poder adicional de
pressão, mas esse poder tem que
ser contestado pelo poder de convencimento dos demais países,
como Alemanha, Índia, Brasil,
África do Sul, incluindo estes países emergentes. Alguns deles têm
grande poder de influência até pela capacidade individual de seus
líderes ou de seus delegados.
Folha - E a entrada do Brasil no
Conselho de Segurança?
Bustani - As chances do Brasil
crescem. Aliás, o próprio Brasil
cresce no cenário internacional,
isso já está ficando evidente no
governo Lula, tanto com o chanceler Amorim quanto com o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia.
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