São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/A QUEDA

Ministro, que foi presidente do PT por sete anos, foi o artífice da política de alianças e o articulador da campanha vitoriosa de Lula em 2002

Dirceu cai vítima de seu próprio veneno

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

Articulador da aproximação do PT com os partidos de centro-direita, José Dirceu cai vítima do veneno que ele próprio criou.
Símbolo do "tarefismo" petista, centralizador e pragmático, gosta de lembrar que entrou na política para "matar ou morrer". Morreu politicamente para o governo Lula bem antes do que supôs há dez anos, quando, ao assumir pela primeira vez a presidência do PT, iniciou seu projeto mais ambicioso de chegada ao poder.
Abriu mão da revolução pelas armas, para a qual treinou em Cuba entre 1969 e 1975, para comandar a conversão petista à ortodoxia política, na qual a maioria é construída menos pelas idéias do que pela distribuição de cargos.
Depois de ter sufocado a oposição interna no PT, Dirceu negociou pessoalmente adesões ao governo Lula de adversários do passado como José Sarney, Orestes Quércia, Valdemar Costa Neto e -por último, mas não menos perturbante- Roberto Jefferson.
Dirceu apostou todo o poder que conquistou no PT e com Lula como fiador da construção da maioria parlamentar que assegurasse ao presidente a governabilidade. Sua saída do governo mostra que perdeu a aposta, em derrota comemorada por setor próximo do presidente da República.

Tutores
Certa vez, Lula leu em um texto a seu próprio respeito que apontava como característica sua rejeitar tutores desde os tempos de sindicalista. Relembrou disso ao ver, após sua eleição em 2002, uma capa de revista que definia Dirceu como o "homem que faz a cabeça de Lula". O futuro ex-ministro da Casa Civil apressou-se em tentar corrigir: "Quem faz a minha cabeça é o Lula".
Já era tarde. Lula passou lenta, mas continuamente, a emitir sinais para tentar dizer que, no governo, manda quem recebeu os votos. Presidente eleito não tem tutor, repetia.
O primeiro indício veio nas negociações para a composição do ministério. No dia 19 de dezembro de 2002, Dirceu havia acordado com o presidente do PMDB, Michel Temer, a indicação dos nomes para os ministérios de Minas e Energia e da Integração Nacional. Às 12h do dia seguinte, Dirceu ligou para Temer para dizer que não tinha condições de cumprir o acertado na véspera. Lula rejeitara o acordo.
Era mais um dos atritos que Dirceu acumulou com Lula em 25 anos de militância conjunta. Em 1994, Lula não queria que Dirceu fosse candidato ao governo de São Paulo, porque preferia apoiar Mário Covas no Estado para que tivesse o apoio tucano à sua candidatura presidencial. Dirceu ligou para Lula para dizer que as relações entre os dois nunca mais seriam as mesmas.
Voltaram a divergir em 1997, quando o economista Paulo de Tarso Venceslau acusou Lula de pressionar prefeituras petistas a contratar empresa com ligações com Roberto Teixeira -compadre do hoje presidente e dono do apartamento onde morava de graça à época. Dirceu, presidente do PT, montou uma comissão para apurar o caso. Para Lula, a denúncia não era séria o suficiente para ser apurada.

Amigo de piadas
Vencida a eleição de 2002, o secretário de Comunicação e Gestão da Presidência, Luiz Gushiken, passou a ser o principal estimulador de Lula na contenção do poder de Dirceu.
O futuro ex-ministro nunca foi amigo de Lula na proporção em que é Gushiken. Mantinha distância física de Lula quando presidia o PT. Dirceu permanecia na sede do partido, no centro. Lula ficava no Instituto Cidadania, no Ipiranga. Desde 1998, companheiro diário de Lula era Gushiken, com quem discutia política, fazia piadas e saía para almoçar.
Sem paciência para as arrastadas reuniões petistas, Lula preferia agendas políticas externas. Dirceu, os conchavos internos, que o levaram a ser reeleito presidente do PT em 97, 99 e 2001.
Ao ser beneficiado pela Lei da Anistia em 1979 -havia sido banido do país dez anos- Dirceu foi trabalhar na Assembléia Legislativa de São Paulo. Lá, foi assistente jurídico, auxiliar parlamentar e assessor técnico, entre 1981 e 1986, quando encarnou o símbolo do "tarefismo" petista. Ou seja, militante empenhado em encontrar deslizes e negociatas públicas, levá-las à imprensa e torná-las bandeira eleitoral do partido.
Nada tão distante do político hoje alvejado por acusações de envolvimento em escândalos de corrupção, como no caso de seu ex-assessor Waldomiro Diniz e do "mensalão" tornado público por Roberto Jefferson.
As acusações do petebista contra o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o secretário-geral do partido, Sílvio Pereira, minaram Dirceu. Soares e Pereira eram notórios operadores políticos do ex-ministro. Ontem, ao deixar o cargo, disse que saía do Planalto, sem que deixasse lá sua alma. Vai precisar dela para cuidar dos fantasmas que atuavam em seu nome.


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