|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
Menem chuta sem bola
Quando a estrela de Tony Blair
começou a brilhar na Inglaterra,
um craque do Partido Conservador deu-lhe a seguinte ferroada:
"É pena que na política não
possamos fazer como no futebol.
Compraríamos o seu passe e estava tudo resolvido".
"Ele não entendeu que a política é uma coisa mais divertida
que futebol", respondeu Blair.
Mais divertida talvez não seja,
mas certamente mais criativa.
Há jogadores que fazem maluquices, mas por mais doidos que
já tenham aparecido nos campos
de todo o mundo, jamais se soube
de um jogador que dava passes
sem bola ou de outro que, recebendo-os, transformasse-os em
gols. Em política isso é relativamente fácil.
Na semana passada, por exemplo, o jornal argentino "La Nación" publicou uma reportagem
informando que uma eventual
vitória de Luiz Inácio Lula da
Silva na sucessão presidencial
brasileira ameaçava a continuidade do Mercosul. Essa ameaça
derivaria de um compromisso de
Lula com uma maxidesvalorização do real. Rolada a bola, Menem chutou, insinuando que Lula poderia destruir o Mercosul.
O passe não teve bola. Lula não
defende a maxidesvalorização do
real. O chute de Menem foi apenas um chute, destinado a engordar a lista de bruxarias que se
pretende atribuir ao candidato
do PT. Falta pouco para que o
acusem de planejar a revogação
da Lei Áurea ou a proibição dos
desfiles de escolas de samba.
Como se Menem tivesse dito
uma coisa verdadeira, o vice-chanceler argentino, Andres
Cisneros, argumentou que "devemos nos acostumar à idéia de que
existem coisas como o Mercosul,
em defesa do qual todos têm o
direito de opinar".
As pessoas podem se acostumar
ao que bem entenderem, mas o
doutor Cisneros está trocando as
bolas. Uma coisa é defender o
Mercosul. Outra é defender o sistema cambial que marca a atual
fase das relações econômicas Brasil-Argentina.
Para começo de conversa, a Argentina não tem moeda. Soberana e resolutamente, abdicou do
direito de tê-la quando atrelou o
seu valor ao do dólar americano.
Ou seja, quem zela pelo valor da
moeda americana é o Federal Reserve Board. Essa política pode
ser boa ou má, mas é essencialmente argentina. Brasileira, não
é.
O presidente Menem não nasceu ontem. Ele sabe muito bem
que Lula não defende a maxidesvalorização do real. Aceitou o
passe imaginário e chutou a bola
inexistente para mostrar ao Planalto que está em boa forma física. Seu objetivo foi hostilizar Lula, defender os interesses argentinos e, de quebra, dar uma ajuda
a FFHH, com quem não simpatiza e de quem já levou tanto afagos quanto trancos.
Qualquer pessoa capaz de somar dois e dois sabe perfeitamente que uma vitória de Lula fere os
interesses da comunidade financeira internacional. Banqueiros,
corretores e empresas de consultoria que rodam pelo mundo em
busca de bons negócios acham
FFHH apenas razoável. Gostariam que ele pisasse mais fundo
nas políticas fiscais e na privataria.
O que está em questão para o
eleitor brasileiro não é a percepção de que a banca internacional
tem de Lula ou a sua incapacidade de reverter essa imagem, até
porque o problema não é de imagem, mas de essência. Está em
questão o direito do eleitor brasileiro de eleger para a Presidência
da República um cidadão de
quem essa corporação não gosta.
O dilema da preservação da pureza do crédito internacional já
foi posto na mesa da sucessão
presidencial em 1978. As eleições
eram indiretas e havia dois candidatos, o general João Baptista
Figueiredo, jogando pelo governo, com o apoio da banca, e o
general Euler Bentes Monteiro,
pela oposição (com o discreto
apoio do professor Fernando
Henrique Cardoso). Ele defendia
uma desaceleração do endividamento externo e por isso foi acusado de primitivo, nacionalista e
insensato. Foi derrotado. Três
anos depois o sonho globalizador
da época terminou numa quebradeira.
Não há um só banqueiro, chanceler ou presidente estrangeiro
que seja capaz de dizer o que é
bom para Brasil sem antes examinar direito o que é bom para
seu negócio ou para seu país. Vivem disso e seria tolice supor que
fizessem diferente, assim como é
julgar que os brasileiros são tolos
quando se pensa que eles são capazes de acreditar na filantropia
política dos outros.
O chute de Menem foi tão grosseiro que levanta a possibilidade
de se estar criando um risco adicional para FFHH. Numa hora
em que a perplexidade e o oportunismo fazem escassear os aliados internos que partem em sua
defesa, abundam no exterior os
corajosos defensores de sua política, como se lhe fosse mais fácil
vencer a eleição em Paris, Buenos
Aires ou Nova York.
Parece a piada iraniana, na
qual a imperatriz Farah Diba,
vendo o Xá do Irã perdido, perguntou ao primeiro-ministro por
que não se fazia por ele o que se
fizera por De Gaulle, em 1968, na
França.
"O quê?", perguntou o primeiro-ministro.
"Uma grande passeata, descendo o Champs Elysées", respondeu
a senhora.
"Passeata no Champs Elysées eu
consigo, majestade. Aqui em Teerã é que não dá mais."
O mais triste na precipitação da
baixaria é que os defensores de
FFHH estão puxando navalhas
sem a menor necessidade. A campanha eleitoral ainda não começou. Ele caiu nas pesquisas mas
continua à frente. Sua capacidade de corrigir os erros é muito
maior que a dos seus adversários
de mostrar que são capazes de
fazer o certo. Até os seus inimigos
reconhecem que é o favorito. Nada disso justifica que se imponha
a sua figura o toque de histeria
do Enéas.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|