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INTELIGÊNCIA MILITAR
Contabilidade oculta do serviço de espionagem do Exército é maquiada para esconder natureza de custos
Arapongas omitem origem de seus gastos
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A contabilidade oculta do serviço de inteligência do Exército é
maquiada de propósito, para esconder a natureza dos gastos. Exceto o próprio Exército, ninguém
exerce controle pleno sobre as
despesas secretas dos seus órgãos
de informação.
A escrituração da máquina de
espionagem militar inclui gastos
desconhecidos até mesmo do
TCU (Tribunal de Contas da
União), incumbido de analisar e
aprovar as contas de todos os órgãos da administração pública federal. Em documento confidencial obtido pela Folha, o Exército
ensina como os seus agentes secretos devem proceder para levar
à contabilidade dispêndios sem
comprovação. O manual foi distribuído aos órgãos de informação em 2000. Funciona assim:
1) sempre que designado para
determinada missão, o espião recebe dinheiro do Exército por
meio de depósito bancário;
2) depois, precisa prestar contas. Flexíveis, as normas internas
do Exército não exigem a exibição
de notas e cupons fiscais para todos os gastos;
3) o manual elaborado pela inteligência do Exército anota, por
exemplo, que "as despesas efetuadas com agentes especiais, informantes ou colaboradores" podem ser feitas por meio de um
"documento de despesa";
4) o "documento de despesa" a
que se refere o manual é, na verdade, uma declaração feita pelo
próprio agente secreto e assinada
pelo comandante do grupo de inteligência a que ele estiver vinculado. Trata-se de folha de papel
timbrado do Ministério da Defesa, sem nenhum valor fiscal. Assim são escriturados, por exemplo, os pagamentos feitos a colaboradores infiltrados em acampamentos do MST e em reuniões
de ONGs na Amazônia;
5) supondo que tivesse de justificar um pagamento de R$ 500,00,
o agente precisaria anotar apenas
o seguinte: "o presente documento de despesa representa a importância de R$ 500,00 (quinhentos
reais), gasta na atividade de inteligência e contra-inteligência". O
documento não traria nenhum
detalhamento acerca da natureza
da despesa;
6) admite-se ainda que o espião
espete em sua prestação de contas
um formulário chamado "relação
de despesas sem comprovante",
que também não tem valor fiscal.
O formulário possui um quadro
com três colunas de preenchimento obrigatório. Na primeira,
escreve-se a data em que o gasto
foi feito. Na segunda, o tipo de
despesa (táxi, borracheiro, ônibus
etc). No campo seguinte, anota-se
o valor desembolsado.
"Mc Lanche Feliz"
Os gastos secretos deixam o
contribuinte sem saber como parte do dinheiro recolhido em impostos está sendo aplicado. Tampouco o Congresso sabe como
são feitos os desembolsos. Os
congressistas limitam-se a aprovar anualmente o montante a ser
lançado sob a rubrica de "verbas
secretas" no Orçamento da
União.
Deputados e senadores imaginam que o TCU fiscalize o emprego do dinheiro. O tribunal é órgão
auxiliar do Legislativo. Mas a fiscalização que exerce é, nesse caso,
apenas teórica. Na prática, os ministros também não sabem como
são empregados os recursos. Eles
realizam a análise das despesas seguindo normas estabelecidas em
resolução interna do tribunal.
De acordo com essa resolução,
os gestores das chamadas verbas
secretas têm "fé pública". Assim,
aceitam-se como verdadeiros todos os lançamentos feitos, inclusive aqueles sem a devida comprovação fiscal.
Se desejarem, os ministros do
TCU podem solicitar o detalhamento de um determinado gasto
ou de todas as contas. Mas não
tem sido essa a prática do tribunal. E ainda que requisitem comprovantes, os juízes receberão, em
meio a notas e recibos, papéis sem
validade fiscal.
Maleáveis no trato de gastos
mais generosos, as normas internas do Exército são enérgicas no
varejo dos dispêndios miúdos.
Proíbem os agentes de levarem
aos arquivos notas fiscais que
contemplem gastos com bebidas
alcoólicas, motéis, brinquedos e
até "Mc Lanche Feliz", uma promoção da rede de lanchonetes Mc
Donald's -sanduíche, refrigerante, batatas fritas e brinquedo
como brinde. É muito popular
entre as crianças.
São despesas consideradas pelo
manual do Exército "pouco
usuais na atividade de inteligência". Os espiões não estão proibidos de realizá-las. Apenas não podem deixar que constem de notas,
algo que só é admitido quando
"expressamente justificado" e autorizado.
Chapa fria
O espião jamais pode permitir
que seu nome figure no cabeçalho
de notas fiscais. É instruído a deixar o espaço reservado ao nome
do cliente em branco. Quando isso não for possível, deve utilizar
duas siglas que evocam o comando do Exército: "GAB. CMT. EX."
ou "AI/GAB CMT EX". Evitam-se
menções explícitas à atividade de
inteligência.
Quando instados a fornecer um
CGC (Cadastro Geral de Contribuintes), os espiões pronunciam a
seguinte sequência de números:
00.394452/0551.88. Acessando o
site da Receita Federal na Internet
verifica-se que o número identifica o "Comando do Exército".
Sempre que for pagar despesas
de estacionamento, o espião não
pode deixar que a placa do carro,
invariavelmente "fria", seja anotada no recibo. Nas ocasiões em
que remunera os seus colaboradores e informantes por meio de
depósitos bancários, deve atentar
para um detalhe: o nome do depositante não pode aparecer no
recibo.
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