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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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ESQUERDA NO DIVÃ

Evento no Rio reúne brasileiros e nomes como o economista Robert Brenner para debater impasses da globalização

Seminário da esquerda faz ""alerta" a Lula

FERNANDA DA ESCÓSSIA
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Após sete meses de vida, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá a partir de amanhã seu primeiro reencontro com a esquerda mundial -que apostou nele e que hoje não esconde sua preocupação com os rumos da política econômica.
Por "esquerda", entendam-se nomes como o economista Robert Brenner, o historiador Giovanni Arrighi e os sociólogos Immanuel Wallerstein e Atilio Boron, estrelas do seminário "Hegemonia e Contra-hegemonia: os Impasses da Globalização e os Processos de Regionalização", que começa amanhã no hotel Glória, na zona sul do Rio.
O presidente Lula foi sondado para participar do evento -como convidado de honra-, mas, até a última sexta-feira, não havia confirmado sua presença na sessão de abertura, quando será lançada a candidatura do economista Celso Furtado, 83, para o Prêmio Nobel de Economia.
Com ou sem o presidente, sua gestão acabará sendo discutida no seminário, pensado como um debate sobre a hegemonia dos Estados Unidos, sua crise e as alternativas a ela, diante do que se considera uma exaustão do modelo neoliberal. Está prevista a participação de Marco Aurélio Garcia, assessor especial de Lula para assuntos internacionais, entre outros integrantes do governo.

Política externa
No caso brasileiro, o debate inclui o papel do país no mundo. O problema, na opinião desses intelectuais de esquerda, é que o discurso da política externa de Lula de fortalecer a integração latino-americana e o Mercosul, buscando posições "afirmativas" diante da hegemonia americana, pode ser anulado pelos efeitos da política econômica, que caminha em sentido contrário.
É o que diz o economista Theotonio dos Santos, 66, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e presidente do conselho científico do seminário, para quem há "clima de decepção" com o governo Lula.
Santos coordena a entidade promotora do seminário, a Reggen (Rede sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável), criada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e pela Universidade das Nações Unidas.
"Do ponto de vista de política exterior, [o governo] está abrindo um caminho importante. Mas considero que manter essa política financeira -que se chama de conservadora, mas que a mim parece irresponsável- impede o desenvolvimento econômico e os objetivos sociais do governo."
O economista Carlos Eduardo Martins, 39, coordenador do comitê executivo do evento, afirma que a população está dando um crédito de confiança ao governo, mas diz que esse crédito tem limite: "Nosso papel é alertar os companheiros sobre os caminhos que devem ser seguidos; é um alerta sem pretensão nem arrogância, é um alerta de companheiros que sempre dialogaram".
Pessimista, André Gunder Frank, 74, um dos formuladores da teoria da dependência e professor emérito da Northeastern University (Boston), diz que os cortes orçamentários para elevar o superávit primário acabaram "com as duas grandes prioridades do governo: a reforma agrária e a guerra contra a fome". "Lula está fazendo a mesma política dos juros mais altos do mundo que fez fracassar o governo do meu amigo pessoal Fernando Henrique. O resultado tem que ser o mesmo, só que agora pior, e só uma sorte celestial pode evitar no Brasil um desastre ao estilo argentino."
São frequentes as comparações com a Argentina, seja pelo colapso do governo de Fernando de la Rúa (que renunciou em dezembro de 2001), seja pela iniciativa do atual presidente, Néstor Kirchner, de impor controles à entrada de capitais de curto prazo e rever contratos de privatização.
"Esse seminário é para tentar mostrar ao governo que certos caminhos são destinados ao fracasso. Como por exemplo, o De la Rúa, que surgiu com uma perspectiva de se contrapor ao neoliberalismo de [Carlos] Menem e foi engolido pelas suas ambiguidades", afirma Martins.
"Os aduladores disseram de Menem o mesmo que dizem de Lula, e o resultado vocês já viram", diz o argentino Atilio Boron, 60. "A idéia absurda de pretender governar acalmando os mercados é uma idéia que provoca a desgraça, a ruína dos países."
Teórico do declínio do império americano, Immanuel Wallerstein acha que é cedo para julgar o governo Lula, mas o compara ao do Congresso Nacional Africano, que chegou ao poder na África do Sul na década passada, após longa luta contra o apartheid: "Ambos descobriram que tinham que fazer uma série de acordos para poder governar". Para Wallerstein, o exercício do poder tem "limitações inerentes", mas isso não significa que os governos estejam "fadados ao imobilismo". "Se Lula conseguir fortalecer o Mercosul e transformá-lo numa entidade econômica bem-sucedida, ele terá um imenso impacto no sistema-mundo."



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