São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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ELIO GASPARI

Engarrafou? Pague mais um pedágio



Os transportecas de Gilberto Kassab tiveram uma idéia para ajudar a eleição de Marta Suplicy

COM MÃO DE GATO, os transportecas tucanos da Prefeitura de São Paulo quiseram impor a cobrança de um pedágio urbano à população. Em vez de levar a questão para a luz do Sol, enfiaram a mordida num projeto de legislação relacionada com "mudanças climáticas". Esse novo imposto é parte de um plano antigo, que inclui a implantação de chips nos veículos. Descobertos, os doutores se fizeram de bobos e disseram que foi engano. Conversa fiada.
Cidades como Londres e Estocolmo têm pedágio urbano. Tratado com decência, o assunto foi discutido em campanhas eleitorais e até mesmo num referendo. Mesmo assim, são pedágios que incidem sobre áreas específicas.
A mordida de São Paulo pretende ir além: querem cobrar imposto de quem entra num engarrafamento. (Isso pode ser feito com a implantação dos chips.) Não existe nada parecido no mundo. No melhor estilo dos tucanos, há secretários a favor da medida e outros contra. Beleza, pois, nesse caso, um dia a patuléia fica com a conta, no papel de boba.
Nunca é demais repetir que a instalação do equipamento para rastrear os carros é coisa de uns R$ 2 bilhões. Em novembro de 2006, o Conselho Nacional de Trânsito determinou que até 2012 toda a frota de veículos do país deva rodar com chip, monitorada por redes de antenas de radiofreqüência. Essa jabuticaba obrigará a Prefeitura de Uiramutã, no extremo norte de Roraima, a instalar antenas num município com 4.600 habitantes e uma frota de dez carros. Tudo para atender aos interesses públicos e privados de transportecas e fornecedores paulistas.

GROSSMAN, O GRANDE REPÓRTER DA GUERRA
Saiu um bom livro com a história de um grande jornalista sobre o maior combate da história humana, a frente russa de 1941 a 1945, com seus 30 milhões de mortos. É "Um Escritor na Guerra -Vasily Grossman com o Exército Vermelho", de Anthony ("A Queda de Berlim") Beever e Luba Vinogradova.
Grossman (1905-1964) foi para a frente logo que a guerra começou e, até entrar em Berlim, passou por Stalingrado, Kursk e pelo que fora o campo de concentração de Treblinka. Durante todo esse tempo, mandou reportagens para o jornal "Estrela Vermelha", cartas para a família e preservou seus cadernos de anotações. Beever trabalhou em cima desse material e produziu o que pode ser o melhor livro sobre o trabalho de um jornalista durante uma guerra. Pudera, pois além de ser um excepcional repórter, Grossman escreveu o romance "Vida e destino" (infelizmente inédito em português), obra comparada a "Guerra e Paz", de Leon Tolstói.
Ele acompanhava soldados e generais de carne e osso, perto das balas. Nada a ver com as fanfarronadas de Ernest Hemingway. A entrada do repórter em Kiev, onde deixara a mãe, e sua narrativa do massacre dos judeus (como ele) são uma aula de emoção contida.
Grossman descreve a Alemanha derrotada sem orgulho ou prazer: "Há muitas jovens chorando. Aparentemente, sofrem pelo que lhes fizeram nossos soldados". Ele entrou no gabinete de trabalho de Hitler no dia 2 de maio de 1945 e afanou alguns carimbos. Um dizia: "O Führer concordou".
Num tempo em que uma parte da humanidade virou bicho, Grossman contou duas histórias de bichos que valem o livro. Em Stalingrado, conheceu Kuzchenik, o camelo de um soldado cazaque. O animal entrincheirava-se durante os bombardeios e fora ferido três vezes. Um comandante disse que condecoraria Kuzchenik se ele chegasse a Berlim. Ele foi e cuspiu na escadaria do Reichstag.
Antes de voltar para Moscou, Grossman foi ao zoológico da cidade e viu uma gorila morta.
-Ela era feroz? Perguntou ao tratador dos macacos.
-Não. Ela apenas rosnava muito. As pessoas são mais zangadas.

HORA DE ESCREVER
Alguns ministros do Supremo acreditam que chegou a hora de a instituição tomar um pouco de distância dos holofotes. Um tribunal faz sua fama pelo que seus juízes escrevem, não pelo que dizem aos microfones. Na Suprema Corte americana é falta de educação dirigir a palavra a um juiz sem que ele tenha tomado a iniciativa, mesmo no corredor.

MCCAIN SE ACHA
Com seu jeitão de vovô gostoso, o senador John McCain, candidato republicano a presidente dos EUA, contou em seu livro de memórias que passou pelo Rio de Janeiro em 1957, aos 21 anos, quando era tenente da Marinha americana. Ficou oito dias na cidade e teve um tórrido romance com uma modelo que ia buscá-lo no porto em sua Mercedes vermelha. Segundo ele, "foi uma das experiências mais felizes da minha vida". Danuza Leão e Sérgio Figueiredo, conhecedores da alma e da vida do Rio de Janeiro, sustentam que essa história é uma doce mentira de garanhão aposentado. Danuza desmonta cirurgicamente a fantasia:
Em 1957, o Rio não tinha modelos avulsas. Havia apenas as moças da Casa Canadá e nenhuma delas tinha carrão. Talvez nem carros tivessem. Nessa época, era raro uma mulher dirigir automóvel. Se existiu uma Mercedes vermelha na cidade, era de algum marido, e a madame não iria ao cais buscar um marinheiro num carro vermelho. Quem tinha carro que chamava atenção era Alberto Pittigliani, que viria a se casar com Terezinha Morango, Miss Brasil de 1957. Era um Cadillac verde-piscina conversível, com placa 001. Além deles, rodas inesquecíveis só as do Antenor Mayrink Veiga e do Celso da Rocha Miranda, ambos com Rolls-Royces.

TUNGA COMPANHEIRA
As centrais sindicais querem propor ao Congresso o fim do imposto sindical, substituindo-o por uma nova modalidade de contribuição. É tunga, da boa. O imposto, instituído por Getúlio Vargas, custa um dia de trabalho à patuléia (0,28% da renda anual do salário). A "contribuição" giraria em torno de 1% dessa mesma receita. A escumalha passaria a suar 3,5 dias para entregar R$ 2 bilhões aos companheiros. Eles gostam de discutir tudo, menos a transformação das mordidas compulsórias em contribuições voluntárias. Paga quem quer e arrecada quem tem desempenho.

NO AR
O presidente da Infraero, Sérgio Gaudenzi, deve prestar atenção ao que lhe diz o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Se tivesse feito isso quando ele mandou acabar com a festa das obras de nove aeroportos, não estaria à deriva.

OFERTA COLONIAL
Dito e feito. A alma de Lord Strangford, o embaixador inglês que mandava em d. João 6º, reassumiu a representação de Sua Majestade no Brasil. Seus cambonos querem exigir vistos de entrada aos brasileiros que pretendem viajar à Grã-Bretanha. Tudo bem, mas o repórter Rui Nogueira descobriu que, para evitar isso, sugerem que Nosso Guia aceite a humilhação de manter fiscais ingleses em Cumbica para que se julguem as intenções de brasileiros que viajam no uso e gozo de suas prerrogativas legais. (No império, os ingleses tinham juizados especiais para seus litígios.) Não é o caso de colocar a polícia do doutor Sérgio Cabral no metrô de Londres para impedir que a Scotland Yard mate trabalhadores brasileiros. Pode se dar o nome de piratas ingleses a carceragens nacionais.

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