São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

O bagaço

PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO

Nos anos 50, Barretos, a terra do peão boiadeiro, era também terra de política muito esquentada.
Basta dizer que um dos seus prefeitos tinha o apelido de "Fecha a Roda". Qualquer desavença e ele se engalfinhava com um adversário em plena praça pública. O povo fechava a roda para ver a pancadaria.
Pois bem, chegaram ao Palácio do Governo boas notícias a respeito da eleição para prefeito em Barretos.
O candidato apoiado pelo governador aparecia como grande favorito, muito à frente de seu principal adversário, um fazendeirão endinheirado e já com bastante idade.
Com o fim de participar do comício final do candidato favorito e selar sua vitória, duas figuras do primeiro escalão do governo voaram para Barretos.
Logo ao chegar, foram levados para o ponto de concentração de uma enorme passeata que deveria caminhar pelas ruas da cidade e desembocar na praça do comício. A passeata era encabeçada por duas filas de crianças com bandeirinhas e flores. Na "comissão de frente", o candidato saudava o povo, ladeado pelos figurões da capital. Atrás, a banda e, atrás de tudo, o povão.
Adentraram pela praça triunfalmente e, logo em seguida, começou o falatório. Tudo corria normalmente quando um dos oradores, num arroubo de entusiasmo, perguntou à multidão: "E vocês acham que podemos entregar Barretos a esse bagaço?". A alusão à avançada idade do candidato oponente provocou risos e prolongados aplausos. Foi o bastante para que todos os oradores passassem a escarnecer do "bagaço". Como que competindo por risos e aplausos, cada um deles abordava diferentes aspectos risíveis da velhice.
Pra quê?
No dia seguinte, o velhinho, que de bobo não tinha nada, mandou fazer broches de lapela com um pedacinho de bagaço de cana e os dizeres: "Vote no Bagaço". Pegou.
A dose de caçoada em cima do velho havia passado do limite, provocando uma reversão no sentimento popular. No dia da eleição, todo mundo ostentava o tal broche. O Bagaço ganhou de lavada.
Pois é, o povo se interessa por ataques políticos e se diverte com eles, mas repudia a humilhação pública. Povo bom.


PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72, ex-deputado federal pelo PT e membro da Assembléia Constituinte de 1988, escreve às terças-feiras nesta seção



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