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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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CONSENSO MORNO

Insinuação de calote sai de texto assinado pelos dois países

Cautela de Lula sobre dívida prevalece em Buenos Aires

Sérgio Lima/Folha Imagem
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o colega argentino, Néstor Kirchner, durante jantar no Palácio San Martín


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Prevaleceu, no Consenso de Buenos Aires, a hipermoderação da equipe econômica brasileira, que, no item relativo à dívida externa, recusou uma formulação que poderia ser tomada como levíssima insinuação de calote.
O texto original dizia: "Expressamos nossa firme vontade de cumprir com nossos compromissos relativos à dívida externa de forma que não limite nem deteriore as possibilidades de crescimento econômico, investimentos e desenvolvimento social".
O texto finalmente aprovado e assinado ontem pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner ficou assim: "Expressamos que a administração da dívida pública deve ter como horizonte a criação de riqueza e de postos de trabalho, a proteção da poupança, a redução da pobreza, o fomento da educação e da saúde e a possibilidade de manter políticas sustentáveis de desenvolvimento econômico e social".
A diferença é sutil, mas importante, no jogo de símbolos e de retórica que é parte da governança moderna, em especial no que diz respeito a recados que possam ser interpretados (bem ou mal) pelos mercados financeiros.
Em contrapartida, o texto acabou incluindo a defesa de uma proposta para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) que está sendo questionada pelos Estados Unidos. A menção não aparecia no esboço anterior.

Centro-esquerda
No mais, o Consenso de Buenos Aires é exatamente como a Folha informou ontem.
Contém platitudes como dizer que os dois presidentes estão "convencidos de que o bem-estar dos povos constitui o objetivo prioritário de ambos os governos", mas, no geral, utiliza a retórica comumente associada hoje à centro-esquerda, corrente em que, em tese, militam tanto Lula como Kirchner.
Fala, por exemplo, na "responsabilidade histórica que nos corresponde em relação ao combate à pobreza, à desigualdade, ao desemprego, à fome, ao analfabetismo e às doenças".
Defende uma "agenda progressista" (não detalhada) para a inserção dos dois países "em um contexto mundial caracterizado pela aceleração do processo de globalização".
O texto fala também em "políticas públicas" e no papel "estratégico" do Estado. Expressa o compromisso dos dois presidentes em dar impulso "a todas as ações necessárias para diminuir as elevadas taxas de desemprego".
A promessa é decorrência da afirmação de que "a pobreza não se resolve com planos assistenciais", embora "constituam um paliativo obrigatório até a efetiva solução do problema". Mas tais planos "não devem tender a cristalizar uma sociedade dividida entre os que têm trabalho e os que recebem assistência (oficial)".
O presidente argentino, no discurso feito na Casa Rosada (sede do governo) após a assinatura do Consenso, disse que ele criava "uma orientação comum" para os dois governos "ante o mundo".
O Consenso foi apenas um dos sete instrumentos bilaterais assinados no mesmo ato na sede do governo argentino, numa demonstração de que o processo de integração entre os dois países ganhou de fato prioridade na agenda dos dois governos.
Prioridade que se traduziu em dois ângulos de interesse direto para o cidadão comum: a aprovação do "visto Mercosul", que, até o fim do ano, simplificará os trâmites administrativos e eliminará as restrições ao ingresso e ao trabalho temporário para nacionais de países do Mercosul que prestam serviços sob contrato.
Além disso, os presidentes expressaram interesse pelo avanço das obras de infra-estrutura de integração física, tema permanente do presidente brasileiro. No caso, trata-se, em particular, da auto-estrada Mercosul (trecho Porto Alegre-Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, pelo lado brasileiro, e a Ruta Nacional 14, do lado argentino). Também trataram do projeto de integração ferroviária.
Para atender aos empresários argentinos, para os quais há uma invasão de produtos brasileiros por causa da anemia econômica no Brasil e da saída da recessão na Argentina, os dois governos criaram uma Comissão de Monitoramento do Comércio Bilateral. Objetivo: analisar os fluxos comerciais para evitar desequilíbrios muito fortes.
Fica muito longe da proposta de empresários argentinos de impor limitações à entrada de produtos brasileiros sempre que ultrapassarem determinado patamar.

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