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JANIO DE FREITAS
O bravo levante
As tantas mortes causadas na Bolívia pela ferocidade governamental não podem ser tratadas, nas organizações internacionais e, sobretudo, nas relações latino-americanas, como uma crise política.
Fazê-lo será passar da complacência diplomática à conivência
moral com os crimes que tentam, em vão, perpetuar as aparências falsamente constitucionais de um governo voltado
contra o seu povo.
Se houvesse alguma dúvida
sobre a legitimidade do levante
boliviano pela renúncia de Gonzalo Sánchez de Lozada e a posse do vice-presidente Carlos Mesa Gisbert, aos brasileiros bastaria lembrarem-se de que, por
muito menos, levaram à renúncia/destituição de Collor. Não só
aos brasileiros, bastará -caso o
morticínio seja ainda insuficiente- atentar para os vários
grupos de intelectuais, artistas,
jornalistas e outros aderentes a
greves de fome pela renúncia de
Sánchez de Lozada. Por aí se
comprova que o bravo movimento não é, como lhe atribuem
o governo boliviano e seus
apoiadores internacionais, insuflado e financiado pelo narcotráfico colombiano.
Conheço Ana Maria Romero
de Campero, que lançou e lidera
a greve de fome com sua própria
greve. Jornalista de integridade
inquestionável, demonstrou em
definitivo a extensão feminina
de sua coragem ao assumir a
função pública de defensora dos
direitos humanos na sociedade
sul-americana, onde, ao longo
do tempo, eles menos têm existido. Por menos significativa que
seja, minha solidariedade a Ana
Maria Romero e aos bolivianos
não consegue calar-se.
A Organização dos Estados
Americanos sempre foi e é muito mais de um dos Estados do
que de todos os outros juntos. As
mortes causadas pelo governo
de Sánchez de Lozada em fevereiro foram investigadas pela
OEA com o previsível resultado
de nada resultar da suposta investigação. O sotaque americano de Sánchez de Lozada explica não só o seu governo, com os
negócios de interesses situados
nos Estados Unidos, mas também a investigação da OEA.
Dessa instituição, que seria a de
mais imediata competência formal para agir em relação ao governo boliviano, não é sensato
esperar eficácia. A regra fundamental de não-ingerência, por
parte de outros países, não deve
ser desrespeitada. Mas o que
quer que sirva direta ou indiretamente a Sánchez de Lozada
será, mais do que agressão aos
direitos humanos, apoio a crime
contra a humanidade.
As disposições intermediadoras do Brasil devem levar em
conta os seus riscos.
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