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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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JANIO DE FREITAS

O bravo levante

As tantas mortes causadas na Bolívia pela ferocidade governamental não podem ser tratadas, nas organizações internacionais e, sobretudo, nas relações latino-americanas, como uma crise política. Fazê-lo será passar da complacência diplomática à conivência moral com os crimes que tentam, em vão, perpetuar as aparências falsamente constitucionais de um governo voltado contra o seu povo.
Se houvesse alguma dúvida sobre a legitimidade do levante boliviano pela renúncia de Gonzalo Sánchez de Lozada e a posse do vice-presidente Carlos Mesa Gisbert, aos brasileiros bastaria lembrarem-se de que, por muito menos, levaram à renúncia/destituição de Collor. Não só aos brasileiros, bastará -caso o morticínio seja ainda insuficiente- atentar para os vários grupos de intelectuais, artistas, jornalistas e outros aderentes a greves de fome pela renúncia de Sánchez de Lozada. Por aí se comprova que o bravo movimento não é, como lhe atribuem o governo boliviano e seus apoiadores internacionais, insuflado e financiado pelo narcotráfico colombiano.
Conheço Ana Maria Romero de Campero, que lançou e lidera a greve de fome com sua própria greve. Jornalista de integridade inquestionável, demonstrou em definitivo a extensão feminina de sua coragem ao assumir a função pública de defensora dos direitos humanos na sociedade sul-americana, onde, ao longo do tempo, eles menos têm existido. Por menos significativa que seja, minha solidariedade a Ana Maria Romero e aos bolivianos não consegue calar-se.
A Organização dos Estados Americanos sempre foi e é muito mais de um dos Estados do que de todos os outros juntos. As mortes causadas pelo governo de Sánchez de Lozada em fevereiro foram investigadas pela OEA com o previsível resultado de nada resultar da suposta investigação. O sotaque americano de Sánchez de Lozada explica não só o seu governo, com os negócios de interesses situados nos Estados Unidos, mas também a investigação da OEA. Dessa instituição, que seria a de mais imediata competência formal para agir em relação ao governo boliviano, não é sensato esperar eficácia. A regra fundamental de não-ingerência, por parte de outros países, não deve ser desrespeitada. Mas o que quer que sirva direta ou indiretamente a Sánchez de Lozada será, mais do que agressão aos direitos humanos, apoio a crime contra a humanidade.
As disposições intermediadoras do Brasil devem levar em conta os seus riscos.

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