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PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA
Em cumprimento à decisão da Justiça, Folha publica resultado de processo movido por Luiz Inácio Lula da Silva em 1993
Leia abaixo a íntegra de sentença judicial
Vigésima Segunda Vara
Cível da Capital
Processo Nº 1592/93 - Ação de
Responsabilidade Civil
A.: Luiz Inácio Lula da Silva
R.: Folha da Manhã S/A
Vistos, etc...
Ajuizou-se a presente ação de
responsabilidade civil, com fundamento na lei de imprensa, objetivando-se reparação de dano
moral.
Alega o autor, em síntese, que a
empresa-ré, proprietária de diversos jornais (entre eles, a "Folha
de S.Paulo" e a "Folha da Tarde"),
no dia 24.11.93, publicou matéria,
sob o título "SINDICATO DA
CUT DÁ VERBA A GRUPO DO
PT" -manchete de 1ª página-,
afirmando que existe documento
oficial do Sindicato dos Rodoviários do ABC (balanço financeiro)
revelador da transferência de recursos financeiros ao grupo "Articulação" do PT, liderado por
ele, autor, no valor de CR 203 mil
(moeda da época).
Considera ele ofensiva a matéria, por se tratar de fato absolutamente falso e inexistente, com o
objetivo de incutir nos espíritos
dos leitores a sua participação em
operação financeira ilegal, como
destinatário da aventada contribuição. Na verdade, foi-lhe atribuída a prática de um delito, com
a agravante de que os responsáveis pela matéria publicada tivesse conhecimento da falsidade do
fato imputado.
Acusa a ré de ter ofendido a sua
honra objetiva, nas afirmações caluniosas, constantes da[s] matéria[s] publicada[s] no jornal daquele dia -crime tipificado no
art. 20, da Lei de Imprensa.
Reclama danos morais, com base no art. 49 da Lei de Imprensa,
em face da integridade e a repetição seqüencial de matérias ofensivas, denegrindo-lhe a imagem
pública (cuja notoriedade foi conquistada com denodo na luta pelos trabalhadores, desde a época
do regime militar).
Requer, por derradeiro, a procedência da ação, para condenar a
ré no pagamento de indenização
por danos morais, a que faz jus,
no teto máximo legal (200 salários
mínimos), mais a verba de sucumbência; pedindo também a
publicação da sentença condenatória nos jornais da ré (fls. 2/15).
Com a inicial, o rol de testemunhas (fls. 16) e documentos (fls.
20/22).
Em sua contestação, preambularmente, a ré afirma ter agido
dentro dos ditames constitucionais reguladores da liberdade de
manifestação, quando da publicação de matérias expositivas de
transferência de recursos de Sindicato para a tendência política
"Articulação".
Esclarece que tais matérias jornalísticas estão embasadas em
evidências de documentos e declarações de pessoas ligadas à entidade sindical envolvida. Além
do mais, outros órgãos da imprensa divulgaram matérias idênticas. Surpreende, pois, com as
alegações de o autor sentir-se vítima de campanha contra ele e da
falsidade das matérias noticiosas
com conseqüente dano moral.
Argui a preliminar de inépcia da
inicial, por ausência de requisitos
legais específicos (art. 57). Entende que o autor é parte ilegítima, já
que o teor da inicial refere-se a denúncias veiculadas sobre desvio
de verbas de sindicato a partido
político.
No mérito, repisa que sua liberdade de manifestação jornalística
está garantida pela Constituição
Federal, assim como a liberdade
de informação; inadmissível, dessarte, imposição de qualquer forma de cerceamento ou censura
em sua atividade. Coerente, com
tais princípios, estaria o autor se
utilizasse democraticamente o espaço reservado a esclarecimentos
à opinião pública.
Nega a prática de qualquer ilicitude, posto que não incorreu em
nenhum dos crimes previstos na
lei de imprensa, em que se funda o
pleito indenizatório do autor
-aliás, exercera regularmente
seu direito de divulgar simples
notícia de fato de atualidade.
Aduz, ainda, que as matérias
hostilizadas visam a denunciar a
ação política errada e anti-ética
dos dirigentes dos sindicatos por
promoverem desvio de verbas
dos filiados, com infração à legislação eleitoral e orgânica dos partidos. A menção do autor nessas
matérias foi em razão da necessidade de esclarecimentos ao público.
Informa que o verdadeiro comentário da ombudsman sobre as
matérias, em foco, não foi citado
pelo autor.
Inadmite a publicação da sentença; porquanto extinto o direito
de resposta com o exercício da
ação civil.
Impugna o valor da indenização, aplicando-se com moderação na espécie os parâmetros estabelecidos no art. 33 da lei especial.
Finalizando, acrescenta que se
justifica a publicação das matérias
atacadas, em face do dever de
prestação de contas dos partidos
políticos -questão de interesse
público; reitera a disponibilidade
de espaço para ser usado pelo autor a qualquer tempo e, requer o
acolhimento de suas razões com
inversão dos ônus da sucumbência (fls. 36/68).
Arrolou testemunhas (fls. 69) e
anexou documentos (fls. 71/94).
Réplica, a fls. 97/110 e, tréplica, a
fls. 112/116.
O processo foi saneado a fls. 119.
Na audiência, frustrada a conciliação (fls. 136), iniciou-se a instrução oral, com a colheita de depoimento pessoal do autor (fls.
137) e da oitiva de testemunhas
(fls. 138). Em outra sessão, ouviram-se mais testemunhas (fls.
174, 175, 176). Uma testemunha
foi ouvida por carta precatória
(fls. 205/207).
Na audiência de debates, concedeu-se prazo para entrega de memoriais (fls. 244). Estes encontram-se encartados a fls. 246/296 e
298/303).
É o relatório do essencial.
DECIDO.
Emerge dos autos que a empresa-ré publicou na edição do dia 24
de novembro de 1993, da "Folha
da Tarde" e da "Folha de São
Paulo", matéria referente à destinação de verba do Sindicato dos
Condutores Rodoviários do
ABCD a uma facção denominada
"Articulação".
A manchete publicada na "Folha da Tarde" é a seguinte: Sindicato da CUT dá dinheiro ilegal à
Lula (fls. 20). E, a da "Folha de São
Paulo": Sindicato da CUT dá verba a grupo do PT (fls. 21).
Em ambos os jornais, a matéria
publicada foi fruto de "uma investigação pessoal" do diretor da sucursal da ré em Brasília e membro
do seu conselho editorial (somente, da Folha) (sic, fls. 205vº).
O conteúdo, segundo depreende-se de informações do seu articulista, baseou-se num balanço
publicado no Informativo do referido Sindicato -"Chapéu de
Bico." (conferir "fac-símile" reproduzido ao lado da reportagem
(pág. 1-9).
Consta do aludido balanço lançamento sob item "Articulação",
no valor de CR$ 203.000,00 (cfr.
documento).
A matéria está assim publicada,
"ipsis verbis":
"Um documento oficial
registra a transferência de
recursos do Sindicato dos
Rodoviários do ABC, em
São Paulo, para o Grupo
Articulação, do PT. A "Articulação" é a facção liderada
por Luiz Inácio Lula da Silva. O sindicato é vinculado
à CUT (Central Única dos
Trabalhadores). Os pagamentos à "Articulação" estão registrados no balanço
financeiro da entidade, relativo ao período de abril a
setembro deste ano, no valor de CR$ 203 mil.
"De acordo com a Lei Orgânica dos Partidos esse tipo de transferência é ilícita
-a proibição está no art.
91, inciso 4º. O artigo proíbe
doações de entidades de
classe e organizações sindicais.
"Foi criada em Brasília
uma CPI para investigar a
existência de um fluxo de
recursos da CUT e seus sindicatos para o PT. A CUT
acusa a proposta de criação
da CPI inconstitucional por
não ter "fato determinado".
O balanço do Sindicato dos
Rodoviários do ABC é o
primeiro documento a revelar a existência de vínculos financeiros entre um
sindicato filiado à CUT e o
PT.
"De posse do documento,
a Folha entrevistou o tesoureiro do sindicato, José Antônio Leite, conhecido como Xexéo, para explicar o
que significava a palavra
"Articulação" exposta no
balanço da entidade. Ele revelou que se trata de um
"apoio político" ao grupo do
PT, ao qual o sindicato é ligado. Informou também
que os pagamentos são periódicos.
"Segundo o balanço, os
gastos totais do sindicato
entre abril e setembro foram CR$ 51,2 milhões. Na
lista de despesas, os gastos
com a "Articulação" superam os desembolsos com
medicamentos (CR$ 160
mil).
"O presidente do sindicato, Osvaldo Cruz, é vinculado ao grupo "Articulação" e,
até ontem, acumulava a secretaria da imprensa da
CUT de São Paulo. Ontem
ele recebeu carta da direção
estadual, na qual foi informado de sua suspensão
porque haveria suspeita de
"enriquecimento ilícito",
apontado por seus adversários.
"É a terceira vez que Cruz
exerce a presidência do sindicato, com 12 mil filiados
-a categoria tem 23 mil.
Em 1990, ele tentou ser candidato a deputado federal
pelo PT, com apoio da "Articulação"."
Note-se que a "Folha da Tarde"
apresenta redação diferente, com
conteúdo substancialmente igual.
Em face de tais elementos é de se
concluir pela inconsistência do
argumento de que "os textos se
referem a denúncias feitas pela
imprensa a um esquema de desvio de verbas que envolve sindicatos e partidos" (sic, fls. 44); porquanto, restou explícito o envolvimento da pessoa do autor no
ato ilegal noticiado. Observe-se o
subtítulo da reportagem: "Documento revela doação do Sindicato
dos Rodoviários do ABC ao grupo
"Articulação", liderado por Lula".
Ademais, ao ouvir o "outro lado",
foi dada a vez a um deputado do
PT; não se ouviu nenhum dirigente de sindicato, nem presidente de
partido. Sem consistência, portanto, a preliminar de ilegitimidade ativa "ad processum".
Quanto ao mérito, os elementos
emergentes dos autos dão conta
de que a ré deu à reportagem conotação falsa. Com efeito, o balanço, em que ela se apoiou, referia-se à "Articulação" sindical.
Neste passo, basta conferir as declarações do falecido sindicalista,
Oswaldo Cruz:
"Ele confirma que o sindicato envia recursos para a
Articulação Sindical, tendência da CUT.
"Mas se esse dinheiro foi
desviado, aí eu não sei",
disse. Ele negou que tenha
enviado dinheiro para a
corrente Articulação do PT,
que é liderada por Luiz Inácio Lula da Silva... ." (Entrevista publicada na "Folha",
do dia 27.11.93 - fls. 80).
Eis, a prova contundente da falsa informação de que "Sindicato
ligado à CUT faz contribuições
ilegais ao PT" -título da matéria
veiculada pela ré.
Ademais, não obstante tenha
consultado pessoa capaz de elucidar o significado da palavra "Articulação", a ré insistiu em publicar
justamente o contrário da informação prestada:
"... o dinheiro "só pode
ter ido" para a facção da Articulação nos sindicatos,
mas não no partido. "A Articulação do partido não
usa dinheiro"." (Entrevista
de José Dirceu, publicada
no mesmo dia da matéria
em foco).
Diante disso, errou a ré em permitir veiculação de matéria jornalística, divorciada da realidade e
contrária à veracidade dos fatos
até então investigados (lembrando que se tratava de uma investigação pessoal do articulista).
Ora, tendo errado, apesar de ter
em mãos informações divergentes ou as quais poderiam trazer
dúvidas àquela assertiva, a ré sujeitou-se a correr o risco de seu
exercício profissional danoso.
Dessarte, como empresa jornalística, incorreu na sanção do art. 49,
inciso I, da Lei de Imprensa.
De pouca valia é o argumento
de que outros periódicos veicularam matéria idêntica; conquanto
tal fato não exime a ré de sua responsabilidade. Aliás, não é unanimidade do noticiário que torna
verdadeiro o fato; este o é, por si
mesmo.
Na espécie, inaproveitável a invocação do princípio constitucional de plena liberdade de manifestação jornalística, em face de a
matéria publicada não corresponder à veracidade dos fatos. A
propósito desse tema, a doutrina
tem dado a seguinte orientação:
"... a liberdade de informação jornalística, referida
no par. 1º do art. 220, não se
restringe à liberdade de imprensa... . Mas a liberdade
de informação jornalística
se relaciona com o direito
ao acesso à informação (art.
5º, inciso XIV), ou seja, como direito individual, a
Constituição assegura o direito de ser informado corretamente não só ao jornalista, mas ... ao leitor de jornal." (apud Kildare G. Carvalho, "Direito Constitucional Didático", Liv. Del
Rey, 1991, página 73).
E, mais:
"A Constituição garante o
direito de resposta proporcional ao agravo, bem como a indenização pelo dano moral decorrente da
violação da ... honra ou
imagem da pessoa (art. 5º,
incisos V e IX)". (Idem, Ibidem).
Logo, a liberdade de imprensa
não pode servir de pretexto para
veicular matéria jornalística, sem
respaldo na verdade. Ao contrário, ela deve-se restringir ao que é
verdadeiro, sob pena de a própria
imprensa perder sua missão informadora.
Inaproveitável, também, a argumentação de que o autor sempre
teve espaço para democraticamente esclarecer ao público; eis
que, a notícia falsa prescinde de
esclarecimentos da vítima e, exige
retratação do responsável. Como
é possível penitenciar o ofendido,
impondo-lhe o desfazimento do
malfeito, provocado pelo ofensor?
No caso vertente, a ré não transmitiu ao público informação correta sobre a destinação da verba
lançada no balanço do Sindicato
dos Rodoviários do ABC, embora
tivesse condições de verificar que
a "Articulação", ali figurada, é
facção sindical, sem ligação direta
com o autor. A par disso, não se
tratava de ilegalidade, que necessitasse vir a público; sobretudo,
para denegrir a imagem do autor.
Em razão disso, impõe-se seja
responsabilizada pela ligação falsa do autor com ilegalidade (sequer ocorrida), contida na matéria jornalística, objeto desta lide.
Na verdade, a ré praticou ato de
difamação contra o autor, por induzir o leitor à idéia de imputação
de fato ofensivo a sua reputação
(C. Penal, art. 139). Evidente, o dano moral causado ao ofendido. A
evidência tornou-se maior, em
virtude de ter sido publicado o
nome do autor. Bastaria, no caso,
vinculasse o Partido dos Trabalhadores ao suposto recurso financeiro do sindicato.
Diz-se agir com culpa, quando
"... o resultado antijurídico não é jamais querido, ou
não é querido como tal,
mas o agente deixa de abster-se da ação (ou omissão)
que, se tivesse procedido
com a atenção ou cautela
exigível do homo medius,
teria reconhecido como
conducente ao evento contrário ao direito." (Nelson
Hungria, Comentários ao
Código Penal, v.1, II/ III, 3º
ed., nº 73).
A doutrina é pacífica em admitir que a empresa jornalística pode ser responsabilizada por erro
ou leviandade, quando ocorrer
ofensa à honra de alguém, como
no caso.
Não há dúvida que a honra do
autor restou denegrida, levando-se o seu discurso de transparência
dos atos públicos, tão conhecido
pelo público em geral.
Neste caso, é de rigor que a indenização seja completa, inclusive com a publicação da sentença.
Não se argumente que o art. 29,
em seu par. 1º, da Lei especial, torna extinto o direito à resposta,
"ipso facto", a sentença é impublicável. É que a publicação da sentença não está abrangida pela extinção prevista no citado dispositivo, consoante a inteligência do
art. 33. Ademais, só é vedada a publicação nas hipóteses do art. 34,
em que não se enquadra o caso
vertente.
Para a fixação do valor indenizatório será tomada como base a
estimativa do autor, levando-se
em conta a sua posição social e
política, sobre ser razoável pela
nociva repercussão da notícia
ofensiva.
Isto posto, julgo procedente a
presente ação, para condenar a ré
no pagamento da soma equivalente a 200 salários mínimos, a título de indenização e, na publicação da presente decisão, nos jornais inicialmente citados, no mesmo espaço nobre, em que se publicaram as matérias ofensivas.
Arcará também com as custas e
todas despesas deste processo,
bem como, com os honorários de
advogado, que fixo em 15% sobre
o valor da indenização arbitrada.
P.R.I.
São Paulo, 12 de maio de 1995
William Marinho de Faria
Juiz de Direito
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