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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Os grampos

As escutas telefônicas ilegais, em países razoavelmente sérios, recebem duas reações: a investigação dos responsáveis (executores e mandantes) e, se for o caso, investigam-se os autores de ilicitudes expostas nas gravações, ambas as providências conduzindo aos devidos efeitos legais. No Brasil não é assim.
A sem-cerimônia brasileira com as gravações clandestinas, sejam telefônicas ou com gravadores portáteis, tem produzido uma sucessão de escândalos que nem se sabe mais quando começou, apenas se tem certeza de que está longe do fim. Todos os episódios com um traço em comum: a lei é tão esquecida antes, por quem manda e por quem faz a gravação, quanto depois de constatadas as gravações. Na sucessão de casos conhecidos não há um só que tenha levado às consequências previstas em lei.
É assim porque, no Brasil, há a conveniente tendência a concentrar o foco em um só dos dois aspectos envolvidos, o da autoria ou o do teor das gravações. A decisão fica por conta de conveniências. E o foco na autoria tem preferência quase absoluta. Quando o embaixador Júlio César Santos, assessor de Fernando Henrique Cardoso, foi gravado no Planalto fazendo lobby para uma empresa estrangeira, depressa o foco foi concentrado na investigação da autoria. Como a evidência de negociata era grave, o policial que providenciou a gravação foi advertido, mas nem demitido, e o embaixador do negócio pouco depois foi afastado para usufruir o prêmio de uma embaixada em Roma. Da negociata, ninguém cuidou nem falou mais.
Outro caso típico é o da privatização de telefônicas, aquele em ninguém menos do que o presidente da República autoriza o uso do seu nome para a manipulação do resultado entre os possíveis compradores. O mesmo caso em que Ricardo Sérgio de Oliveira, incumbido de outra manipulação, emite a original advertência "estamos no limite da responsabilidade". Frase suficiente para demonstrar que já estavam em plena e consciente irresponsabilidade. Mas tudo se resolver apenas com o afastamento do ministro da Indústria e do presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros e André Lara Rezende, para jogar o escândalo no silêncio. E as manipulações não tiveram mais problemas.
O atual caso das gravações na Bahia vai pelo caminho tradicional, ao menos em sua maior parte. As gravações não foram clandestinas, mas obtidas, muitas delas, por artifícios de duvidosa legalidade nos pedidos de autorização judicial para as escutas. Muitos motivos lançam as suspeitas sobre o senador Antonio Carlos Magalhães. Está em curso uma investigação policial, e vários parlamentares tomam providências para uma CPI que busque indícios capazes de fazê-lo perder o mandato.
Mas a busca da autoria não é acompanhada do segundo aspecto envolvido, o das gravações cujo teor já é conhecido. Ao contrário, o interesse pela autoria, legítimo e necessário, está sendo usado para encobrir o que as transcrições demonstram. Ou seja, para proteger, com o auxílio inclusive das bancadas do PT na Câmara e no Senado, o deputado peemedebista Geddel Vieira Lima e o senador, idem, Renan Calheiros. O primeiro aparece nas gravações em improbidade explícita, o que nem surpreende. E o segundo o acompanha, pelo menos, quando se trata de usar o Ministério dos Transportes, controlado pelo PMDB no governo passado, para tomar dinheiro.
Não há modo algum de um deputado, um senador ou um partido tomar dinheiro por intermédio de um ministro sem que isso constitua corrupção. E a autenticidade da transcrição em que Geddel trata disso foi reconhecida pelo próprio: bastou-lhe ler o que era dado como transcrição de telefonemas seus, Geddel denunciou a ocorrência de grampo no seu telefone. Nem aparecera fita alguma, e ele já reconhecia como verdadeiras as falas escritas que lhe estavam atribuídas, em uma autenticação antecipada e espontânea.
Investigar a procedência das gravações é dever que a Polícia Federal está cumprindo. Encobrir as improbidades que as gravações revelam é indignidade de que não escapa nenhum dos que se ponham coniventes com isso, não importa em que grau.


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