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JANIO DE FREITAS
Os grampos
As escutas telefônicas ilegais, em países razoavelmente sérios, recebem duas reações: a investigação dos responsáveis (executores e mandantes)
e, se for o caso, investigam-se os
autores de ilicitudes expostas
nas gravações, ambas as providências conduzindo aos devidos
efeitos legais. No Brasil não é assim.
A sem-cerimônia brasileira
com as gravações clandestinas,
sejam telefônicas ou com gravadores portáteis, tem produzido
uma sucessão de escândalos que
nem se sabe mais quando começou, apenas se tem certeza de
que está longe do fim. Todos os
episódios com um traço em comum: a lei é tão esquecida antes, por quem manda e por
quem faz a gravação, quanto
depois de constatadas as gravações. Na sucessão de casos conhecidos não há um só que tenha levado às consequências
previstas em lei.
É assim porque, no Brasil, há a
conveniente tendência a concentrar o foco em um só dos dois
aspectos envolvidos, o da autoria ou o do teor das gravações. A
decisão fica por conta de conveniências. E o foco na autoria
tem preferência quase absoluta.
Quando o embaixador Júlio César Santos, assessor de Fernando Henrique Cardoso, foi gravado no Planalto fazendo lobby
para uma empresa estrangeira,
depressa o foco foi concentrado
na investigação da autoria. Como a evidência de negociata era
grave, o policial que providenciou a gravação foi advertido,
mas nem demitido, e o embaixador do negócio pouco depois
foi afastado para usufruir o prêmio de uma embaixada em Roma. Da negociata, ninguém cuidou nem falou mais.
Outro caso típico é o da privatização de telefônicas, aquele
em ninguém menos do que o
presidente da República autoriza o uso do seu nome para a
manipulação do resultado entre
os possíveis compradores. O
mesmo caso em que Ricardo
Sérgio de Oliveira, incumbido
de outra manipulação, emite a
original advertência "estamos
no limite da responsabilidade".
Frase suficiente para demonstrar que já estavam em plena e
consciente irresponsabilidade.
Mas tudo se resolver apenas
com o afastamento do ministro
da Indústria e do presidente do
BNDES, Luiz Carlos Mendonça
de Barros e André Lara Rezende, para jogar o escândalo no silêncio. E as manipulações não
tiveram mais problemas.
O atual caso das gravações na
Bahia vai pelo caminho tradicional, ao menos em sua maior
parte. As gravações não foram
clandestinas, mas obtidas, muitas delas, por artifícios de duvidosa legalidade nos pedidos de
autorização judicial para as escutas. Muitos motivos lançam
as suspeitas sobre o senador Antonio Carlos Magalhães. Está
em curso uma investigação policial, e vários parlamentares tomam providências para uma
CPI que busque indícios capazes
de fazê-lo perder o mandato.
Mas a busca da autoria não é
acompanhada do segundo aspecto envolvido, o das gravações
cujo teor já é conhecido. Ao contrário, o interesse pela autoria,
legítimo e necessário, está sendo
usado para encobrir o que as
transcrições demonstram. Ou
seja, para proteger, com o auxílio inclusive das bancadas do PT
na Câmara e no Senado, o deputado peemedebista Geddel
Vieira Lima e o senador, idem,
Renan Calheiros. O primeiro
aparece nas gravações em improbidade explícita, o que nem
surpreende. E o segundo o
acompanha, pelo menos, quando se trata de usar o Ministério
dos Transportes, controlado pelo PMDB no governo passado,
para tomar dinheiro.
Não há modo algum de um
deputado, um senador ou um
partido tomar dinheiro por intermédio de um ministro sem
que isso constitua corrupção. E
a autenticidade da transcrição
em que Geddel trata disso foi reconhecida pelo próprio: bastou-lhe ler o que era dado como
transcrição de telefonemas seus,
Geddel denunciou a ocorrência
de grampo no seu telefone. Nem
aparecera fita alguma, e ele já
reconhecia como verdadeiras as
falas escritas que lhe estavam
atribuídas, em uma autenticação antecipada e espontânea.
Investigar a procedência das
gravações é dever que a Polícia
Federal está cumprindo. Encobrir as improbidades que as gravações revelam é indignidade de
que não escapa nenhum dos que
se ponham coniventes com isso,
não importa em que grau.
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