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"Vírus da inflação voltou a ser ameaça real"
Leia a íntegra do discurso do
presidente Lula ao Congresso.
Decidi vir ao Congresso Nacional para
apresentar, pessoalmente, a mensagem da
Presidência da República na sessão inaugural da nova legislatura.
Quero, desta forma direta, traduzir o meu
reconhecimento à autoridade democrática e
às altas atribuições do Parlamento Federal e
saudar cada um dos parlamentares que hoje
iniciam seus trabalhos. Somos representantes de poderes distintos, mas igualmente legítimos e fundamentais para o bom funcionamento da democracia.
Prestigiar esta Casa é dever de todo cidadão. Mas, no meu caso, é bem mais que um
dever. É um tributo pessoal ao papel insubstituível do Parlamento na vida democrática.
Todos nós, que experimentamos na carne
as consequências do regime autoritário, sabemos a falta que faz e a importância que
tem um Parlamento livre e atuante.
Pela sua diversidade e pluralidade, o Parlamento é o fórum por excelência dos debates sobre os desafios imediatos e históricos
do país. E da construção negociada das soluções que permitam o nosso avanço no rumo
da prosperidade e da justiça.
Venho ao Congresso Nacional com o mais
nobre dos sentimentos que aprendi em toda
a minha trajetória de vida e de luta.
O sentimento de que, não importa quantas pedras a gente tenha pelo caminho, é preciso sempre manter o olhar no futuro e na esperança. O sentimento de que é preciso acreditar no ser humano e na sua capacidade de
realização, em qualquer circunstância, com
o vento a favor ou com o vento contra. O sentimento de que a busca da justiça social, da
solidariedade e da paz é fundamental para
cada um de nós e para toda a humanidade.
Como nordestino curtido na escola da vida, sou um homem acostumado a falar com
franqueza e de coração aberto. Sou um homem que prefere a verdade, mesmo quando
ela dói.
Se não me tranco em palácio, se abraço as
pessoas sempre que posso, é porque o meu
sentimento de esperança brota da certeza de
que a vida só vale a pena se a relação entre os
seres humanos estiver baseada na verdade.
Acredito que a relação com o povo tem de
ser sempre verdadeira e de confiança mútua.
Fui eleito para mudar o Brasil. Para fazer o
nosso país retomar o caminho do crescimento econômico com geração de emprego,
distribuição de renda e inclusão social. Mas
tenho plena consciência de que só iremos
mudar o Brasil juntos, fazendo convergir,
democraticamente, a vontade dos Poderes
da República, e com a participação efetiva do
conjunto da sociedade.
Hoje, nesta Casa que também já foi minha, quero estabelecer um compromisso
muito sério com cada deputado e deputada,
com cada senador e senadora, acima das distinções partidárias, ideológicas, de raça ou
de religião. É necessário que o Legislativo e
os demais Poderes da nação, o Executivo e o
Judiciário, assumam um compromisso sólido e fundamental com o povo brasileiro.
O Brasil viveu, no ano passado, uma crise
econômica de grande vulto, resultando num
quadro de difícil reversão. Desde o início do
meu governo, há apenas 48 dias, estamos fazendo enorme esforço para conduzir o país
por uma transição criteriosa e segura, compromisso que assumi na Carta ao Povo Brasileiro, lançada em junho do ano passado e
em meu programa de governo.
Esse esforço vem dando frutos importantes desde o período da transição, com a queda do dólar e do risco-Brasil e, no mês de janeiro, com a reabertura das linhas de créditos internacionais, que haviam sido reduzidas praticamente a zero no final do ano passado. Também iniciamos, com o Programa
Fome Zero e o conjunto dos programas sociais do governo, um intenso trabalho para
colocar no centro das preocupações do país a
necessidade de reverter a lógica da exclusão
social que tanto nos envergonha.
Esse trabalho, tanto na área econômica
quanto na área social, é uma precondição
para que o Brasil reencontre o caminho da
estabilidade. O desafio é fazer, desde já, o
melhor que pudermos com os poucos recursos que temos. Mas teremos tempos difíceis
pela frente. O mundo entrou em período de
maiores incertezas. A situação internacional
se agravou com o anúncio de uma nova
guerra, o que já está produzindo consequências dolorosas para a economia mundial.
O preço do petróleo ultrapassou a barreira
dos US$ 35 o barril e há o temor generalizado
de que ele sofra uma escalada altista.
Essa nova instabilidade vem somar-se à
difícil situação que herdamos. A cotação do
dólar voltou a subir em relação ao real e o risco-Brasil parou de cair. São mais pedras no
nosso caminho, que temos que remover, e
vamos remover, com as políticas adequadas
que temos adotado, com dedicação e com o
aumento de nossa coesão social. Esta é a hora
de cada brasileiro e brasileira pensar menos
em si mesmo e mais no país.
Meu compromisso com esta Casa, com a
máxima Corte brasileira e com todo o nosso
povo é, haja o que houver, o de exercitar a
democracia à sua plenitude, para enfrentar
os principais problemas do Brasil.
Nós acabamos de fazer uma das mais responsáveis e serenas alternâncias de governo
que o mundo viu na história dos países em
desenvolvimento. Logo depois, quando levantamos a bandeira de que os países ricos
não podem ficar indiferentes à fome e à pobreza, muitos sentiram que uma janela de
oportunidades se abria para tentar superar
os graves desequilíbrios sociais e regionais
existentes no mundo.
O Brasil tem de aproveitar bem esse patrimônio que está conseguindo acumular.
Louvável tem sido a conduta política dos
governadores e governadoras, prefeitos e
prefeitas, de todos os partidos, que vêm colocando seus compromissos com a nação acima de seus interesses particulares.
Louvável é a conduta política de deputados e deputadas, senadores e senadoras que,
mesmo não sendo eleitos em aliança conosco, não têm medido esforços para trabalhar
na defesa do país.
De fato, acima das diferenças partidárias,
estamos diante de um momento histórico
em que é preciso razão, entendimento e unidade em torno dos interesses nacionais.
Ainda que não houvesse ameaça de guerra, temos desafios de ordem econômica e social tão complexos, tão graves, que por si sós
exigiriam a união de todos nesta Casa e no
país. Vivemos uma aguda crise social, educacional e de segurança pública, sobretudo nas
grandes metrópoles brasileiras.
Como podemos ficar indiferentes quando
vemos parte preciosa da nossa juventude ser
arrastada para o mundo do crime e da marginalidade social? Como podemos continuar
indiferentes quando vemos todos os dias
adolescentes matarem ou serem mortos pelo
país afora? Como podemos permanecer indiferentes à sistemática destruição dos laços
familiares em nossa sociedade, sobrecarregando principalmente as mães? Como podemos ser indiferentes aos mais de 40 milhões
de brasileiros e brasileiras que vivem abaixo
da linha de pobreza? Como ficar indiferente
quando o mundo, que precisa de paz, se vê
ameaçado pelo risco iminente de uma guerra? A sociedade brasileira, para nosso orgulho, não está indiferente. Ao contrário. Está
mobilizadíssima.
O país atravessa um momento político
muito especial. Poucas vezes na História encontramos tanta esperança, harmonia e disposição da população, de ricos e de pobres,
para ajudar a resolver nossos problemas fundamentais. Esse é um enorme capital político, que generosamente o país nos oferece.
Cabe a todos nós fazermos com que essa
grande oportunidade histórica resulte nos
melhores benefícios para o Brasil e para o
nosso povo.
Governo federal, governos estaduais e
municipais, Parlamento, entidades da sociedade civil, voluntários e organizações não-governamentais, devemos todos empreender um grande mutirão para resgatar a dignidade e a auto-estima do povo brasileiro,
depois de séculos de exclusão social. Mas, é
fundamental, agora, que o país se proteja
contra as incertezas. Para isso, nossa união é
indispensável.
A estabilidade da moeda nacional encontra-se ameaçada. As pessoas assistem inquietas à diminuição do poder de compra de seus
salários, com a alta de muitos preços. O vírus
da inflação voltou a ser, desde o final do ano
passado, uma ameaça real para o organismo
econômico brasileiro. O câmbio ainda permanece instável e distorce nosso sistema de
preços internos. Conscientes dos compromissos que assumimos durante a campanha,
vamos fazer o que é preciso ser feito para recolocar a economia nacional no caminho da
estabilidade e do desenvolvimento.
Temos plena consciência da dureza do
contingenciamento orçamentário feito na
última semana. A determinação de fazer um
superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto é indispensável para impedir
que a dívida pública cresça, como aconteceu
nos últimos anos.
Quero, hoje, reafirmar que medidas como
essas durarão o tempo necessário. Afinal,
combater a inflação, reduzir a nossa dívida,
gerar empregos e distribuir a renda são objetivos permanentes do meu governo. Para
nós, a estabilidade econômica não é um fim
em si, é precondição para o crescimento da
economia em bases sustentadas.
A confiança em nossa capacidade de ter
uma moeda estável e de cumprir os contratos firmados não pode e não vai ser questionada.
Temos de garantir a sustentabilidade da
dívida pública, fazendo com grande responsabilidade a transição para um novo modelo
de menor endividamento do governo e
maior crescimento econômico.
As medidas duras tomadas por meu governo vão exigir um grande realismo e eficiência redobrada de todos os governantes
em relação ao gasto público. Cada centavo
de real tem de ser muito bem empregado.
Governo federal, governos estaduais e
municipais, todos os Poderes da República e
empresas públicas precisam melhorar a gestão de seus recursos.
Está na hora de buscarmos a máxima austeridade e eficiência em nossas decisões que
envolvem os gastos públicos e também os
procedimentos administrativos. A fonte das
nossas dores de cabeça é que os governos anteriores se endividaram a cada dia mais, num
círculo vicioso de empréstimo novo para pagar dívida velha e juro alto para remunerar
credores cada vez mais desconfiados.
Meu governo tem entre seus principais
compromissos o de realizar, junto com este
Congresso e com a sociedade, reformas que
promovam soluções estruturais e duradouras para o nosso país.
Aqui e agora, gostaria de firmar um compromisso com esta Casa, no sentido de que
todos nós trabalharemos incansavelmente
para aprovar as reformas que são indispensáveis ao país, em especial a previdenciária e
a tributária. Precisamos ter o sentido de urgência que o momento histórico cobra de todos nós. A reforma tributária envolve um tema complexo, mas suas diretrizes gerais são
conhecidas, e podem ser os eixos do necessário consenso a ser construído na sociedade e
no Parlamento.
O Brasil precisa de uma reforma tributária
que desonere o investimento produtivo e o
trabalho, que simplifique os mecanismos de
arrecadação e estimule o aumento da produtividade e da competitividade externa da
nossa economia, melhorando a distribuição
da renda. Chamo a atenção para um dos
pontos centrais dessa reforma, que é o fortalecimento do pacto federativo. É preciso,
com isso, reduzir os espaços para a tão problemática guerra fiscal, buscando uma convergência capaz de harmonizar as relações
no interior da Federação.
Outra reforma que tem urgência e prioridade é a previdenciária. Temos que garantir
um sistema justo e sustentável, que assegure
o pagamento das aposentadorias e pensões
das atuais e das futuras gerações. Para isso, o
custeio do sistema previdenciário precisa ser
devidamente equacionado.
Vou repetir o que disse a respeito poucos
dias atrás: se o custeio do sistema não for devidamente equacionado, muito em breve
não haverá dinheiro para pagar as pensões,
os benefícios e as aposentadorias. Isso certamente não acontecerá no meu governo. Mas
se o problema não for resolvido agora, fatalmente os jovens sofrerão amanhã as conseqüências.
Tenho a certeza de que esta Legislatura fará do Congresso Nacional o palco dos grandes debates e decisões sobre as reformas tributária, previdenciária, política, trabalhista,
agrária e do sistema financeiro, bem como
das mudanças destinadas a baratear o crédito e melhorar o desempenho econômico do
país.
Vamos fazer isso cumprindo o compromisso, que assumi com a sociedade brasileira, de elaborar propostas de forma negociada, por meio dos mais amplos canais de diálogo. Tenho certeza de que o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, que
instalamos na semana passada, terá importante papel a cumprir nesse processo.
Esse Conselho, faço questão de reafirmar
aqui, é um órgão de assessoramento do Presidente da República, a exemplo do que
ocorre em várias das maiores democracias
do mundo. Ele vai nos ajudar a construir
uma agenda de discussões das reformas e de
um novo pacto social no Brasil. Mas não vai,
em hipótese alguma, substituir nem tampouco relativizar o poder do Congresso Nacional.
É com esse sentimento de mão estendida,
de co-responsabilidade entre Poderes e, acima de tudo, de entendimento nacional que
eu trago minha Mensagem a esta Casa.
Não existe o Brasil do Executivo, o Brasil
do Legislativo ou o Brasil do Judiciário. O
que existe é um só Brasil, de 175 milhões de
seres humanos que têm urgência em conquistar a sua cidadania.
As reformas estruturais não são uma necessidade deste ou daquele poder, deste ou
daquele setor econômico e social, não são do
governo nem da oposição, são reformas reclamadas pelo conjunto da população, que
devem ser feitas para que o país volte a crescer, para que o país possa percorrer novamente a estrada larga do desenvolvimento
econômico e social. A responsabilidade de
fazer as mudanças de que o Brasil necessita é
de todos nós, Executivo, Legislativo, Judiciário e da própria sociedade.
Senhoras e senhores, membros do Congresso Nacional, nas viagens que fiz ao exterior, reafirmei alguns compromissos do nosso país. Em primeiro lugar, o de defesa da
paz e de uma ordem mais justa entre as nações ricas e pobres do planeta. Em segundo,
o de buscar a reconstrução do Mercosul e a
união dos países do nosso continente para
obtermos uma inserção soberana no mundo
globalizado.
Em todo lugar aonde tenho ido, ouço palavras de sincera admiração por nosso país.
Tenho colhido elogios e manifestações de
profundo respeito pela democracia brasileira.
Senhoras e senhores parlamentares, como
se vê, os desafios e expectativas que pesam
sobre nós são enormes. Por isso, não vim
aqui para pedir subserviência ou submissão.
Vim aqui propor uma parceria para construirmos juntos o Brasil de nossos sonhos.
Muito obrigado.
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