São Paulo, domingo, 18 de março de 2001

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JANIO DE FREITAS

A limpeza virá, virá

Mesmo sem a necessária CPI e ainda que as poucas investigações mais encenem do que investiguem, bastou o primeiro mês de acusações e suspeitas de corrupção, originárias da disputa pela presidência do Senado, para se obter um saldo bem interessante. Sobretudo quanto à melhor das consequências em casos assim, que é, a meu ver, a contribuição à consciência pública do que é a realidade na condução do país.
Onde mexeu, na tentativa de aplacar acusações, o governo se viu forçado a reconhecer assaltos vorazes aos cofres públicos. Na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, "pelo que foi visto até agora, estima-se que um terço dos processos (de benefícios financeiros) tenha irregularidades", nas palavras do ministro Fernando Bezerra.
Das 33 empresas que o senador Antonio Carlos Magalhães vinha denunciando, a propósito de benefícios irregulares para o grupo do senador Jader Barbalho, apenas quatro foram isentadas de falcatruas associadas a dirigentes da Sudam. A solução determinada por Fernando Henrique Cardoso é fechar a Sudam e substituí-la por uma agência. Onde tudo continuará igual, claro, porque o problema não está no nome nem na forma da entidade, mas na maneira como todo esse organismo é usado com fins político-financeiros.
No DNER, aquele velho território das quadrilhas especializadas em obras públicas, a intervenção foi explicada por um porta-voz velado do governo como decorrência, não das acusações recentes de corrupção, mas de investigações que se realizavam desde antes. Mentira.
As intervenções nos casos da Sudam e do DNER foram anunciadas na mesma ocasião por Fernando Henrique, logo em seguida ao discurso acusatório de Antonio Carlos e como vã tentativa de aparentar que o governo age. Comprovação óbvia do motivo das duas medidas, foram exonerados os dois ministros feitos por Antonio Carlos, aliás sem reflexo no padrão do governo.
Se não houvesse outros acréscimos ao conhecimento da opinião pública, o surgimento ostensivo da figura de Ricardo Sérgio de Oliveira, por si só, compensaria a crise política. Personagem de inúmeras das histórias sobre arrecadação a pretexto das campanhas de peessedebistas de São Paulo, mesmo que já passada a eleição; figura fundamental nos esquemas das privatizações mais valiosas e mais manobradas pelo governo, Ricardo Sérgio reapareceu no bolo das denúncias como "suspeito" de cobrar comissão de R$ 90 milhões, ainda que não fosse só em seu nome, para assegurar o resultado no leilão de telefônicas. Com isso, será reaberto, na Procuradoria da República, o inquérito sobre a privatização do sistema Telebrás.
De quebra, ressurge a conta de Cayman, aquela do dossiê e de US$ 368 milhões. No ressurgimento, todas as partes anteriores e algumas novas, na investigação, ficam muito mal. A Procuradoria Geral da República, por seu chefe Geraldo Brindeiro e pelo procurador Luiz Augusto Santos Lima, emerge como responsável pela sustação das investigações da Polícia Federal, quando foram encontradas evidências de que a empresa CH,J & T, ditada no dossiê como detentora da fortuna, existia e tinha Sérgio Motta como responsável.
Agora, Fernando Henrique, com intermediação do ministro José Gregori, força outra vez o subterfúgio de investigar só os acusados de falsificar o dossiê. Mas o que abrange todo o caso, e o faz com rapidez, é pedir às autoridades americanas para ouvir o advogado que se dispôs, nos Estados Unidos, a dar as informações que desvendam a firma de Sérgio Motta, respectiva finalidade no paraíso fiscal das Bahamas e, ainda, quem poderia conhecê-la, para falsificar dossiês.
Também por outro modo o governo e a opinião pública se contrapõem. O país avança na consciência que está carcomido, cada vez mais, pela corrupção. Fernando Henrique e seus intermediários governamentais e parlamentares refugiam-se na ilusão de que podem burlar a consciência pública. Mais cedo ou mais tarde, tudo o que está encoberto virá à superfície. Não porque seja assim sempre e fatalmente, mas porque a fossa alcançou o nível de transbordamento. Em alguma altura, será imposta certa limpeza.



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