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NO AR
"Blame France"
NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA
No meio da tarde, George
W. Bush apareceu nos
jardins da Casa Branca com
dois cachorros. Chutou uma bola para cá, para lá, exercitando
os animais.
Estava muito distante da entrada, no meio das árvores, mas
todas as câmeras parecem ter
gravado.
E até a CNN saiu comentando
que era coisa de seus assessores
de imagem, para transmitir suposta calma horas antes do discurso em que daria "48 horas"
para Saddam Hussein deixar o
Iraque. Ou seja, dois dias para a
invasão.
Também no discurso tão
aguardado, à noite, a fisionomia do presidente americano
procurou aparentar calma,
quase tristeza, ao anunciar a
quase guerra.
Na conservadoríssima Fox
News, comentavam depois do
discurso como foi difícil para ele
tomar a decisão de ir à guerra
-e pôr abaixo a ordem internacional.
Ele não queria, foi obrigado
pelas circunstâncias, está triste
demais. Acredite nas imagens,
acredite.
A cena com os cachorros não é
inédita. Era mais ou menos o
que Franklin Roosevelt fazia na
Segunda Guerra, com o mesmo
propósito.
A farsa na repetição da história ficou mais evidente quando
confrontada a outra cena, também transmitida pelos canais
americanos.
Um dos ministros de Tony
Blair disse com tensão contida
-e tempo dramático preciso-
que, se tivesse sido diferente a
contagem das urnas na Flórida,
o Reino Unido não estaria a um
passo da guerra.
Em outras palavras, quem
manda em Londres não é Blair,
mas Bush.
O correspondente da Fox
News se viu levado a elogiar "a
argumentação articulada" do
ministro demissionário. O âncora do canal, irritado, reagiu perguntando se "culpar a França"
não estava funcionando em
Londres, pois "aqui está funcionando bem".
"Blame France", jogue a culpa
a França, é uma saída usada à
exaustão por partidários de
Blair e de Bush.
Se americanos e britânicos estão indo à guerra, a culpa é da
França, país "ingrato" que deve
a sua liberdade a americanos e
britânicos.
"Blame France", como na
canção do desenho "South
Park", "Blame Canada", é um
argumento da pior xenofobia
americana.
De fora, é risível -como são
risíveis, aliás, os comentários da
Fox News. Mas não é a primeira
vez que retórica cômica leva o
mundo à guerra.
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