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São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

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NO AR

"Blame France"

NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA

No meio da tarde, George W. Bush apareceu nos jardins da Casa Branca com dois cachorros. Chutou uma bola para cá, para lá, exercitando os animais.
Estava muito distante da entrada, no meio das árvores, mas todas as câmeras parecem ter gravado.
E até a CNN saiu comentando que era coisa de seus assessores de imagem, para transmitir suposta calma horas antes do discurso em que daria "48 horas" para Saddam Hussein deixar o Iraque. Ou seja, dois dias para a invasão.
Também no discurso tão aguardado, à noite, a fisionomia do presidente americano procurou aparentar calma, quase tristeza, ao anunciar a quase guerra.
Na conservadoríssima Fox News, comentavam depois do discurso como foi difícil para ele tomar a decisão de ir à guerra -e pôr abaixo a ordem internacional.
Ele não queria, foi obrigado pelas circunstâncias, está triste demais. Acredite nas imagens, acredite.
 
A cena com os cachorros não é inédita. Era mais ou menos o que Franklin Roosevelt fazia na Segunda Guerra, com o mesmo propósito.
A farsa na repetição da história ficou mais evidente quando confrontada a outra cena, também transmitida pelos canais americanos.
Um dos ministros de Tony Blair disse com tensão contida -e tempo dramático preciso- que, se tivesse sido diferente a contagem das urnas na Flórida, o Reino Unido não estaria a um passo da guerra.
Em outras palavras, quem manda em Londres não é Blair, mas Bush.
O correspondente da Fox News se viu levado a elogiar "a argumentação articulada" do ministro demissionário. O âncora do canal, irritado, reagiu perguntando se "culpar a França" não estava funcionando em Londres, pois "aqui está funcionando bem".
"Blame France", jogue a culpa a França, é uma saída usada à exaustão por partidários de Blair e de Bush.
Se americanos e britânicos estão indo à guerra, a culpa é da França, país "ingrato" que deve a sua liberdade a americanos e britânicos.
"Blame France", como na canção do desenho "South Park", "Blame Canada", é um argumento da pior xenofobia americana.
De fora, é risível -como são risíveis, aliás, os comentários da Fox News. Mas não é a primeira vez que retórica cômica leva o mundo à guerra.


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