São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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JANIO DE FREITAS

Insuportável

A trégua generosamente concedida pelos agentes da Polícia Federal em greve, ou que assim se dizem, não se dá no embate que travam com o governo, como supõem os próprios concedentes. A trégua é dada à parcela da população compelida a embarcar ou desembargar nos aeroportos de São Paulo e Rio, e que já precisava reabastecer a passividade para mais humilhações policiais.
Jornais, TV e rádios estão próximos do silêncio, quando não de todo omissos, diante das anormalidades provocadas pelo que chamam de greve dos agentes da PF. Há variados motivos para o escapismo mal disfarçado, mas não errará muito quem queira atribuí-lo a medo de represálias individuais, a meio de um imprevisto sempre possível.
Desde o dia 9, quem chegou a um daqueles aeroportos, em saída ou em chegada, foi submetido ao mais antidemocrático dos preceitos: todos são suspeitos até prova em contrário. Um a um - idosos, mulheres, crianças e homens - todos passaram por processos de identificação minuciosamente provocadores, cujo único intuito foi o de martirizá-los com cansaço físico e ansiedade exasperante, por horas insondáveis, duas, quatro, cinco, de pé nas filas sem fim.
A esse tratamento os agentes da PF deram o nome de greve. Greve para que lhes seja dado, e aos escrivães e papiloscopistas, "vencimento de nível superior". Greve? Não. O direito de greve é reconhecido dentro de condições determinadas, que não incluem a arbitrariedade, muito menos a arbitrariedade praticada com uso do poder de autoridade.
Por intermédio de representantes sindicais, os agentes da PF afirmam que a verificação rigorosa da identidade de passageiros, em embarque ou desembarque, está em suas atribuições. Sim, mas em termos. Servidores públicos só podem fazer o que a lei autoriza. E nenhuma autoriza a exorbitar a pretexto de verificação de identidade ostensivamente morosa. Lentidão intencional contra os cidadãos, como está dito com clareza pelo vice-presidente da Federação dos Policiais Federais, João Valderi, ao falar da trégua: "Se o ministro [da Justiça] continuar a falar esses absurdos, vamos retomar a operação ainda lenta".
Além de contrariar o princípio legal básico do serviço público, o tratamento dado aos passageiros constitui constrangimento físico e moral com propósito de alcançar benefício. Todo agente federal sabe o que é isso, porque tem a obrigação de prender quem o pratique sem ser agente federal "em greve".
O benefício buscado está posto, com todas as letras e números, nas explicações das lideranças sindicais dos "grevistas". O constrangimento de indivíduos como meio, se não bastarem as evidências fotografadas e filmadas, também conta com palavras. Por exemplo, na frase exaltada do presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Carlos Garisto, um líder muito representativo, anteontem, sobre a dificultação de embarque e desembarque: "Vamos aumentar a cada dia até que fique insuportável".
O líder policial da PF se deu conta? O que Francisco Garisto enunciou é o princípio mesmo da tortura: aumentar o constrangimento físico e moral "até que fique insuportável".
É fora de dúvida que policiais devem ser tão bem pagos quanto possível, e até além disso. Mas policiais atuam contra os malefícios da sociedade, não são eles a violentá-la.


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