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CELSO PINTO
A especulação com Lightpar
O salto de 3.000% no preço das
ações da Lightpar desde o final de
fevereiro envolve mais de uma
história muito mal contada. Pode
ter embutido uma manobra especulativa bem-sucedida, que está
inspirando o salto nos preços de
várias ações de segunda linha que
compõem o índice Ibovespa, nos
últimos dias.
A história exige um pouco de
paciência do leitor, mas vale a pena.
Quando a Light foi privatizada,
formou-se a Lightpar, uma "holding" que ficou com uma enorme
quantidade de ações da Eletropaulo. Os antigos acionistas privados da Light ficaram com 18%
da Lightpar.
Por ter estas ações, a Lightpar
era muito negociada na Bolsa. Em
19 de junho do ano passado,
quando suas ações valiam R$
163,17 por lote de mil ações, o governo paulista decidiu dividir a
Eletropaulo em quatro empresas,
para privatizar, e a Eletrobrás decidiu reduzir o capital da Lightpar distribuindo ações das quatro
empresas aos acionistas.
A partir daí, a Lightpar virou
uma "casca" vazia e, quando voltou ao pregão, em 26 de junho,
sua ação despencou para R$ 0,45.
Como antes a Lightpar era muito negociada, ela compunha o índice Ibovespa, formado pelas
ações de maior liquidez. O peso da
empresa na composição da carteira teórica de ações que forma o
Ibovespa era, na época, de menos
de uma ação: precisamente 0,28
ação.
A cada quatro meses, o Ibovespa
é rebalanceado, para dar conta
das ações que perderam ou ganharam espaço no mercado. Só
que o critério de liquidez usado é
a média dos 12 meses anteriores.
Por esta razão, a Lightpar virou
pó, mas continuou a fazer parte
da carteira teórica do Ibovespa.
Como o valor da ação caiu muito e qualquer empresa no Ibovespa tem que equivaler a pelo menos cerca de 0,6% do valor total,
na nova ponderação do índice,
em setembro, a Lightpar subiu para 66,5 ações na carteira teórica,
para poder atingir o mínimo. Estava aberta a oportunidade para
uma bela manobra especulativa,
na análise de um banco paulista.
Como mostra a tabela abaixo,
mesmo quando a Lightpar não
valia nada, em alguns dias de
agosto, setembro e novembro do
ano passado e janeiro deste ano,
houve grande quantidade de
ações negociadas. Na suspeita
deste banco, alguém estava formando, devagar, grandes posições de Lightpar quando toda a
empresa, na Bolsa, valia apenas
R$ 7 milhões (hoje vale R$ 200 milhões).
No início deste ano, a Eletrobrás
anunciou um presente aos acionistas privados da Lightpar,
quando resolveu chamar um sócio para fazer a empresa operar,
como intermediária, na área de
transmissão de dados. Tudo muito rápido: em 4 de fevereiro, assinou-se o protocolo de intenções
entre as empresas do sistema Eletrobrás para a seleção de sócio, e
em 12 de março foi divulgado o
edital, com leilão previsto para
dia 19.
No dia 26 de fevereiro, a ação
ainda valia R$ 0,73. No dia 12 de
março havia saltado para R$ 4,56
e, no dia 19, para R$ 15,89. Por
quê?
Uma razão óbvia é que o presente da Eletrobrás transformou uma
"casca" numa mina de ouro. A
Eletrobrás justifica o uso da
Lightpar pela dificuldade legal de
formar uma nova subsidiária. O
fato é que deu um bilhete premiado de loteria aos acionistas privados.
No entanto, este banco acha que
ao preço em que chegou no mercado, R$ 200 milhões, a Lightpar
acabou ficou valorizada demais.
A previsão é de uma receita de R$
200 milhões, em três anos, com a
infovia, dos quais as concessionárias da Eletrobrás ficariam com
R$ 60 milhões.
Este banco acha que o empurrão
final nas ações veio de outra fonte. Como a Lightpar tinha 66
ações na carteira teórica do Ibovespa e as ações valorizaram muito, sua participação relativa no
índice subiu para mais de 5% do
total, comparável à da própria
Eletrobrás, o que é um absurdo
completo.
Existem, contudo, muitos fundos de ações que, por estatuto, se
comprometem a seguir exatamente o Ibovespa e que movimentam cerca de R$ 600 milhões. Pelas regras, eles não podem apenas
comprar índice futuro do Ibovespa: eles têm que comprar as ações
que estão no índice, reproduzindo, o melhor possível, a carteira
teórica do Ibovespa.
Resultado: a "puxada" nas
ações da Lightpar gerou uma demanda cativa adicional pelas
ações, por parte destes fundos, fazendo as ações subirem ainda
mais.
Se a suspeita deste banco estiver
correta, uma instituição financeira carioca montou uma enorme
posição em Lightpar a preço de
banana. Deve ter apostado fortemente na alta do índice Ibovespa
no mercado futuro, algo que tinha
certeza que aconteceria, em função do método de cálculo, explicado acima.
Se foi assim, já ganhou muito
dinheiro com a valorização do
Ibovespa no mercado futuro. E
ganhará mais ainda se vender as
ações da Lightpar agora. Se houve, de fato, compra antecipada,
deve ter havido vazamento de informação sobre a infovia. Caberá
à Comissão de Valores Mobiliários apurar.
Este mesmo banco acha que, na
esteira desta manobra bem sucedida está a explicação para o
enorme salto nos preços de outras
ações de segunda linha que compõem o Ibovespa. Sharp, por
exemplo, subiu 200% em três dias,
o que, mesmo que haja um comprador interessado na empresa, é
difícil de justificar.
Além disso, outras empresas formadas a partir da antiga Eletropaulo, subiram muito ontem, como a EBTE (mais 79%), a Emae
(mais 35%) e a EBE (mais 18%).
Uma festa.
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