São Paulo, Quinta-feira, 18 de Março de 1999
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CELSO PINTO

A especulação com Lightpar


O salto de 3.000% no preço das ações da Lightpar desde o final de fevereiro envolve mais de uma história muito mal contada. Pode ter embutido uma manobra especulativa bem-sucedida, que está inspirando o salto nos preços de várias ações de segunda linha que compõem o índice Ibovespa, nos últimos dias.
A história exige um pouco de paciência do leitor, mas vale a pena.
Quando a Light foi privatizada, formou-se a Lightpar, uma "holding" que ficou com uma enorme quantidade de ações da Eletropaulo. Os antigos acionistas privados da Light ficaram com 18% da Lightpar.
Por ter estas ações, a Lightpar era muito negociada na Bolsa. Em 19 de junho do ano passado, quando suas ações valiam R$ 163,17 por lote de mil ações, o governo paulista decidiu dividir a Eletropaulo em quatro empresas, para privatizar, e a Eletrobrás decidiu reduzir o capital da Lightpar distribuindo ações das quatro empresas aos acionistas.
A partir daí, a Lightpar virou uma "casca" vazia e, quando voltou ao pregão, em 26 de junho, sua ação despencou para R$ 0,45.
Como antes a Lightpar era muito negociada, ela compunha o índice Ibovespa, formado pelas ações de maior liquidez. O peso da empresa na composição da carteira teórica de ações que forma o Ibovespa era, na época, de menos de uma ação: precisamente 0,28 ação.
A cada quatro meses, o Ibovespa é rebalanceado, para dar conta das ações que perderam ou ganharam espaço no mercado. Só que o critério de liquidez usado é a média dos 12 meses anteriores. Por esta razão, a Lightpar virou pó, mas continuou a fazer parte da carteira teórica do Ibovespa.
Como o valor da ação caiu muito e qualquer empresa no Ibovespa tem que equivaler a pelo menos cerca de 0,6% do valor total, na nova ponderação do índice, em setembro, a Lightpar subiu para 66,5 ações na carteira teórica, para poder atingir o mínimo. Estava aberta a oportunidade para uma bela manobra especulativa, na análise de um banco paulista.
Como mostra a tabela abaixo, mesmo quando a Lightpar não valia nada, em alguns dias de agosto, setembro e novembro do ano passado e janeiro deste ano, houve grande quantidade de ações negociadas. Na suspeita deste banco, alguém estava formando, devagar, grandes posições de Lightpar quando toda a empresa, na Bolsa, valia apenas R$ 7 milhões (hoje vale R$ 200 milhões).
No início deste ano, a Eletrobrás anunciou um presente aos acionistas privados da Lightpar, quando resolveu chamar um sócio para fazer a empresa operar, como intermediária, na área de transmissão de dados. Tudo muito rápido: em 4 de fevereiro, assinou-se o protocolo de intenções entre as empresas do sistema Eletrobrás para a seleção de sócio, e em 12 de março foi divulgado o edital, com leilão previsto para dia 19.
No dia 26 de fevereiro, a ação ainda valia R$ 0,73. No dia 12 de março havia saltado para R$ 4,56 e, no dia 19, para R$ 15,89. Por quê?
Uma razão óbvia é que o presente da Eletrobrás transformou uma "casca" numa mina de ouro. A Eletrobrás justifica o uso da Lightpar pela dificuldade legal de formar uma nova subsidiária. O fato é que deu um bilhete premiado de loteria aos acionistas privados.
No entanto, este banco acha que ao preço em que chegou no mercado, R$ 200 milhões, a Lightpar acabou ficou valorizada demais. A previsão é de uma receita de R$ 200 milhões, em três anos, com a infovia, dos quais as concessionárias da Eletrobrás ficariam com R$ 60 milhões.
Este banco acha que o empurrão final nas ações veio de outra fonte. Como a Lightpar tinha 66 ações na carteira teórica do Ibovespa e as ações valorizaram muito, sua participação relativa no índice subiu para mais de 5% do total, comparável à da própria Eletrobrás, o que é um absurdo completo.
Existem, contudo, muitos fundos de ações que, por estatuto, se comprometem a seguir exatamente o Ibovespa e que movimentam cerca de R$ 600 milhões. Pelas regras, eles não podem apenas comprar índice futuro do Ibovespa: eles têm que comprar as ações que estão no índice, reproduzindo, o melhor possível, a carteira teórica do Ibovespa.
Resultado: a "puxada" nas ações da Lightpar gerou uma demanda cativa adicional pelas ações, por parte destes fundos, fazendo as ações subirem ainda mais.
Se a suspeita deste banco estiver correta, uma instituição financeira carioca montou uma enorme posição em Lightpar a preço de banana. Deve ter apostado fortemente na alta do índice Ibovespa no mercado futuro, algo que tinha certeza que aconteceria, em função do método de cálculo, explicado acima.
Se foi assim, já ganhou muito dinheiro com a valorização do Ibovespa no mercado futuro. E ganhará mais ainda se vender as ações da Lightpar agora. Se houve, de fato, compra antecipada, deve ter havido vazamento de informação sobre a infovia. Caberá à Comissão de Valores Mobiliários apurar.
Este mesmo banco acha que, na esteira desta manobra bem sucedida está a explicação para o enorme salto nos preços de outras ações de segunda linha que compõem o Ibovespa. Sharp, por exemplo, subiu 200% em três dias, o que, mesmo que haja um comprador interessado na empresa, é difícil de justificar.
Além disso, outras empresas formadas a partir da antiga Eletropaulo, subiram muito ontem, como a EBTE (mais 79%), a Emae (mais 35%) e a EBE (mais 18%). Uma festa.


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