São Paulo, Domingo, 18 de Abril de 1999
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DOMINGUEIRA

Síndrome de Caramuru

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

O sociólogo Gilberto Vasconcellos cunhou a expressão "síndrome de Caramuru" para designar esse fenômeno cada vez mais comum no Brasil de se observar o estrangeiro com encantamento e temor. A quantidade de economistas e "técnicos", sem falar em sociólogos e outros "ólogos", que tem opinado sobre o que o Brasil deve ou não fazer é impressionante.
Não haveria nada de mal nisso, se esses sábios não fossem acolhidos com tanta reverência, como se falassem de um lugar neutro, supostamente "científico", e não vocalizassem nenhum tipo de interesses.
Um momento ritualístico exemplar dessa síndrome ocorreu na famosa entrevista coletiva da equipe econômica com mr. Fischer, o mágico do Fundo, que ateou fogo na aguardente diante da tribo arregalada.
A síndrome de Caramuru não ocorre, entretanto, apenas na relação com entes de carne e osso. Ela transferiu-se, no Brasil tucano, para uma outra entidade, o "mercado", que passou a reinar acima de tudo, da vida, dos princípios, das pessoas.
Nada pode-se fazer que venha a chatear o mercado. O mercado é muito suscetível. Quando se irrita, é a peste. Cospe fogo pelas ventas.
Muitos desses tementes viram na instalação de uma CPI para investigar o sistema financeiro um grande risco.
No momento em que o mercado começa a se acalmar e ficar bonzinho de novo com a tribo, quando resolve "voltar" (como se o novo dinheiro que entra fosse fruto de um gesto de compreensão e parceria e não da especulação num mercado com juros insustentáveis), vêm esses incautos querer atrapalhar.
Não sabem que não se pode mexer com as intimidades do mercado? Que ele é superior, a fonte da vida, e não pode revelar-se, jamais, por inteiro?
Há obviamente interesses políticos na CPI, haverá quem queira dela fazer palanque, poderá haver rebuliço e leviandade. Mas nada pode justificar a omissão diante das operações suspeitas que vêm se acumulando ao longo dos últimos anos.
Talvez, por vício iluminista ou resíduo formal de cultura de "esquerda", o atual governo sinta-se dispensado de certos protocolos éticos por acreditar que tem a chave do sucesso para o país -e seus fins elevados justificariam desvios nos meios.
Acontece que se vive numa democracia, que se deve ter em mente o sentido da república, o fato de que esses dinheiros e essas operações não são alheios à sociedade, às pessoas que pagam impostos, que mal conseguem trabalhar e que quando o fazem já são suficientemente expoliadas nesse país aberrantemente desigual.


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