São Paulo, Domingo, 18 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO

Quem deve regular o mercado?

Parte das operações de mercados futuros na Bolsa de Mercadorias & Futuros, a BM&F, como as que envolvem juros e dólares, é supervisionada pelo Banco Central. Outra parte, relativa ao mercado acionário, é supervisionada pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM.
Nenhuma regra, do BC ou da CVM, no entanto, impediu que o Banco Marka apostasse 20 vezes seu patrimônio contra a desvalorização do real. Faria diferença se a regulação e supervisão estivessem concentradas numa única entidade independente?
Essa é uma das questões importantes que o caso Marka suscita. Como evitar que a imprudência de instituições financeiras gerem situações de risco que acabam cobertas com o dinheiro público?
A resposta direta é que, por melhor que seja o sistema de supervisão e regulação, é impossível evitar quebras. Os colapsos do Continental Bank e das sociedades de crédito imobiliário, nos Estados Unidos, e dos bancos BCCI e Barings, no Reino Unido, são bons exemplos.
Em muitos países, de toda forma, o esforço para minimizar o risco resultou na separação formal entre o órgão regulador e supervisor e o Banco Central. O Reino Unido fez isso em 1997. Ao mesmo tempo em que tornou o BC independente, com a única função de ser o guardião da moeda, criou um órgão à parte para cuidar da supervisão das instituições.
Nos Estados Unidos existe a separação, embora haja uma superposição de funções. Na prática, o Fed, que é o emprestador de última instância, faz as regras e fiscaliza os bancos sob a ótica do risco sistêmico. Já o Office of the Comptroller of the Currency (OCC), aplica as regras de supervisão, sob a ótica da defesa dos interesses dos depositantes e aplicadores.
Os países que aderiram ao Euro, na Europa, na prática transferiram as funções clássicas de banco central para o BCE (Banco Central Europeu). Os bancos centrais de cada país continuam sendo emprestadores de última instância e, em alguns casos, também os órgãos supervisores. No Japão também existe uma separação.
Na Argentina, a separação é parcial, já que o órgão de supervisão tem assento no banco central. Outros países latino-americanos, como o Chile, também optaram pela separação.
É, contudo, um tema polêmico. Um dos apelos da separação formal, lembra Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, é que permite reunir todo tipo de instituição sob um único guarda-chuva supervisor. No mercado financeiro de hoje não faz sentido olhar apenas os bancos, quando operações relevantes podem estar concentradas em empresas de leasing, seguradoras, factoring etc.
Mas também não faz sentido obrigar o BC a supervisionar todas as empresas que façam operações financeiras, ou que tenham um caráter financeiro. Quando a Encol, por exemplo, tomava dinheiro dos compradores para financiar obras passadas, estava fazendo uma operação "bancária" perversa, não sujeita a qualquer regulação pelo BC ou pela CVM. Um órgão independente poderia ter um amplo leque de ação e criar, por exemplo, regras por produtos assemelhados, em vez de olhar apenas o mercado por tipo de instituição.
De outro lado, contudo, seria vital que o órgão supervisor tivesse independência para agir, lembra Loyola. Além do problema prático de montar uma nova estrutura, seria preciso definir muito bem o aparato institucional de seu funcionamento.
Muitos acham, contudo, que o ponto mais relevante é outro. Enquanto o BC for o emprestador de última instância, vai querer controlar a qualidade dos bancos para os quais, se houver problemas, terá que emprestar.
Uma solução radical para isso foi proposta pelo professor Charles Goodhart, membro do Comitê de Política Monetária do Reino Unido. Goodhart é a favor de que se retirem do BC não só as funções de supervisão e regulação, mas também a de emprestador de última instância.
Se, no fundo, trata-se de usar dinheiro público para evitar o risco de uma crise sistêmica, então o melhor é transferir essa função, diretamente, para o Ministério da Fazenda. O dinheiro que eventualmente fosse usado para ajudar os bancos teria que sair do Orçamento, de forma transparente. Sabe-se que o presidente do BC, Armínio Fraga, gosta da idéia, ainda que apenas no contexto do debate acadêmico por ela levantado.


Texto Anterior: Para empresários, falta projeto
Próximo Texto: Cacciola volta e diz que vai à PF amanhã
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.