São Paulo, Domingo, 18 de Abril de 1999
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COMUNICAÇÃO
Fernando Xavier Ferreira admite problemas
Para Telefônica, CPI é chance para explicar

PATRÍCIA ANDRADE
da Reportagem Local


No comando de uma empresa que tem colecionado queixas dos consumidores paulistas, Fernando Xavier Ferreira, 50, presidente da holding Telefônica no Brasil, admite que a companhia está "em dívida" com São Paulo.
Ele reconhece que houve deterioração dos serviços depois da privatização da telefonia fixa, que ocorreu em julho de 1998, mas diz que essa fase vai passar.
"É lamentável que, durante esse período, o esforço de investimento ocorra junto com a degradação de qualidade do serviço", diz Ferreira, que foi presidente da Telebrás até a véspera da privatização do setor.
Sobre a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Telefônica, instalada na Assembléia Legislativa do Estado, Ferreira diz que será uma oportunidade para explicar as dificuldades da empresa.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha:
Folha - A Telefônica foi a campeã de queixas no Procon em 98, foi multada duas vezes pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), recebeu punição do Ministério da Justiça e é alvo de uma CPI na Assembléia de São Paulo. Qual o motivo de tantos transtornos?
Fernando Xavier Ferreira -
A causa central de estarmos passando por um período difícil, com a degradação da qualidade dos serviços, é a busca do cumprimento dos compromissos da entrega dos planos de expansão vencidos. Já era uma situação existente na empresa, que exigiu ações agressivas e rápidas para podermos cumprir o que determinava a Anatel, ou seja, entregar as linhas até maio. Para instalarmos esses telefones, imprimimos um ritmo de atividade mais veloz. Enquanto a Telesp instalava 40 mil linhas por mês, nós chegamos a instalar em março 160 mil. A meta é entregar até o final deste ano 2 milhões de linhas. Tivemos que fazer obras de grande extensão e complexidade porque a infra-estrutura de telecomunicações da Grande São Paulo estava saturada.
Folha - Uma das críticas à Telefônica é que a empresa está fazendo a reforma na rede com mão-de-obra não qualificada. É verdade?
Ferreira -
A gente está, de fato, tendo problema com mão-de-obra. Isso porque o volume de obras que está sendo feito num período tão concentrado está fazendo com que se vá ao mercado de trabalho buscar pessoas numa quantidade tal que se acaba chegando perto de um esgotamento da mão-de-obra qualificada.
Folha - Mas há denúncias de que a Telefônica demitiu funcionários qualificados, trouxe gerentes da Espanha que não conheciam a realidade brasileira e contratou empreiteiras não preparadas.
Ferreira -
A mão-de-obra das empreiteiras é de responsabilidade das empreiteiras. Nos casos de irregularidades, o que a Telefônica faz é romper os contratos. Mas os funcionários que foram desligados eram uma mão-de-obra interna da companhia. A saída desses gerentes não foi um fator importante no processo. Alguns saíram, outros foram mantidos. Quanto aos espanhóis, eles estão na empresa em número reduzido. Acho importante a presença deles. A privatização foi feita para que conhecimentos de outras operadoras do mundo viessem para o Brasil. Por mais que o país tenha feito obras grandiosas para montar o sistema de telecomunicações, ele estava num ponto de esgotamento.
Folha - Mas, para o consumidor, os benefícios da privatização ainda não chegaram.
Ferreira -
Uma parcela de benefícios já chegou. Um deles é a disposição de investir. Instalar 2 milhões de linhas em um ano em São Paulo significa um crescimento de 1/3 da planta num único ano. É lamentável que, durante esse período, o esforço de investimento ocorra junto com a degradação de qualidade de serviço, o que não é uma coisa aceitável. Mas esse esforço vai significar que, em pouco tempo, vamos suprir a demanda. A parte aonde estamos em dívida com a população paulista é relativa à qualidade. Por mais que tenhamos todas essas justificativas, a gente sabe que, para o consumidor, isso pouco importa. Com a entrega dos planos vencidos, finalizada em abril, a mão-de-obra que estava envolvida na expansão da rede, vai poder se dedicar aos consertos de defeitos. Assumimos compromisso de, a partir de maio, reparar todos os defeitos em, no máximo, cinco dias. Hoje, a gente sabe que houve situações em que um defeito ficou sem conserto por até 30 dias. A partir de junho, em até três dias, o defeito terá de ser reparado.
Folha - Mas a Telesp não atendia em 24 horas?
Ferreira -
Não é bem assim. Usualmente, o que é dito é que até 90% dos casos devem ser resolvidos em 24 horas. Ao dizermos que todos os casos estarão resolvidos em até 3 dias, não significa que tudo vai durar três dias.
Folha - A empresa ganhou até um site na Internet "Eu odeio a Telefônica". A campanha publicitária agressiva da Telefônica vai conseguir reverter esse quadro?
Ferreira -
Reconheço que a empresa está com problema sério de imagem e isso aumenta a nossa responsabilidade. Queremos ter um caso de amor com os usuários. Não temos medo de assumir um compromisso firme com a população porque trata-se de um problema circunstancial com prazo para acabar. A partir daí, se não conseguirmos recuperar a qualidade dos serviços, não teremos desculpas.
Folha - Em quanto tempo vai melhorar? Quais são os prazos?
Ferreira -
São os estipulados no acordo com o Procon. Ao dizermos que, a partir de junho, atenderemos em até três dias os defeitos, naturalmente isso significa que a qualidade vai melhorar.
Folha - No ano passado, a Telefônica teve 1.906 reclamações no Procon. Em 97, a antiga Telesp contabilizou 393 queixas. Os consumidores devem estar com saudades da estatal...
Ferreira -
Tenho certeza de que nós vamos deixar os consumidores sem saudades da Telesp em breve. É lógico que esses números são uma comprovação de que os serviços deterioraram. Mas, das 1.906 reclamações, a grande maioria foi relativa aos planos de expansão vencidos. E esse problema a empresa já resolveu.
Folha - Mas o Procon continua recebendo reclamações de usuários que ainda não receberam suas linhas telefônicas.
Ferreira -
Por isso estamos colocando anúncios nos jornais para localizar os usuários. Num total de 460 mil planos, não ter localizado cerca de 8 mil é razoável.
Folha - A impressão que se tem é que a Telefônica chegou aqui no Brasil com uma postura de arrogância achando, talvez, que seria pouco cobrada e que poderia fazer as intervenções na rede e ser compreendida pela população. O senhor concorda?
Xavier Ferreira -
Olha, eu não associaria à arrogância. Mas cometemos a falha de não termos nos comunicado adequadamente. Agora, de modo algum, os transtornos são desleixo com os usuários. São consequência daquelas razões técnicas, como os problemas de mão-de-obra das empreiteiras.
Folha - O presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à rádio CBN, criticou a Telefônica. Citou denúncias de que a empresa estaria importando equipamentos em vez de comprar os fabricados aqui. É verdade?
Ferreira -
Não haveria lógica, porque temos aqui uma Ericsson do Brasil, uma Siemens do Brasil, uma Alcatel do Brasil. Os produtos que eles aqui fabricam são tecnologicamente iguais aos das matrizes.
Folha - Existem seis milhões de pessoas na lista de espera por um telefone em São Paulo. Se o consumidor quiser hoje comprar uma linha, quanto tempo terá de esperar para tê-la instalada?
Ferreira -
Ele terá que entrar nessa fila. Neste ano, instalaremos 2 milhões de linhas. A demora depende da área. Em certas cidades, há linhas sobrando. A gente tem uma expectativa de conseguir atender a demanda em um ano e meio, dois anos.
Folha - Qual a avaliação que o senhor faz da CPI da Telefônica, instalada na Assembléia Legislativa?
Ferreira -
Acho que será uma CPI técnica, que vai investigar as causas da queda na qualidade dos serviços. Para nós, não há problemas. Será mais uma oportunidade para explicarmos nossas dificuldades.


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