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Passarinho admite aliança e sugere abrir arquivos
RAQUEL ULHÔA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Coronel da reserva e ex-ministro de quatro governos diferentes,
três deles durante o regime militar
(presidentes Costa e Silva, Emílio
Médici e João Baptista Figueiredo), Jarbas Passarinho disse acreditar que tenha existido uma
aliança entre organismos de informação dos países do Cone Sul
durante as décadas de 70 e 80.
"Eu não negaria, pela lógica."
Passarinho disse à Folha que
nunca ouviu falar, na época, sobre
a Operação Condor, mas considera "natural" a aliança entre os países "em função da solidariedade
da esquerda, que sempre teve
uma organização internacional".
Hoje, segundo Passarinho, "se
verifica que existia realmente essa
articulação dos organismos de
defesa dos regimes militares da
Argentina, do Uruguai, do Chile,
do Paraguai e do Brasil, que estariam com certo relacionamento".
Ex-senador pela Arena e pelo
PDS e ex-ministro da Justiça de
Fernando Collor de Mello, Passarinho defende a abertura de todos
os arquivos do ex-SNI (Serviço
Nacional de Informações) e das
Forças Armadas, para esclarecer o
que aconteceu de fato durante o
regime militar. ""Para concretizar
a verdade, todo arquivo deve ser
aberto", disse. "A história não pode ser feita guardando-se fatos
concretos nos arquivos aos quais
ninguém possa ter acesso."
Folha - O sr. tem algum indício da
cooperação internacional entre os
organismos de repressão durante
os governos militares?
Jarbas Passarinho - A primeira
vez que houve alguma coisa relacionada a isso foi no Senado, durante o governo Figueiredo (1979-1985). O Paulo Brossard, que era
líder da oposição, fez discurso
atacando os organismos de informações do Brasil porque teriam
feito o sequestro de um casal de
uruguaios (Lilian Celiberti e Universindo Díaz).
Como líder do governo, respondi ao discurso do Brossard. Para
fazê-lo, antes liguei para o diretor-geral da Polícia Federal, coronel
Moacir, que foi meu aluno, meu
cadete. Ele me deu a informação
de que as pessoas tinham sido
presas no Uruguai e não no Brasil.
Eu dei essa resposta no Senado.
Com a redemocratização e as informações reveladas depois é que
concluí que eles foram presos no
Brasil, e o Moacir tinha me dado
uma informação equivocada
-ou propositalmente, o que não
acredito, ou porque ele também
foi enganado.
E agora se verifica que existia
realmente essa articulação dos organismos de defesa dos regimes
militares da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai e do
Brasil, que estariam com certo relacionamento.
Folha - Então o sr. hoje está convencido de que houve essa operação, seja ou não com o nome de
Operação Condor?
Passarinho - Eu não tenho condições de afirmar, mas eu não negaria, pela lógica. Seria natural
(haver essa aliança internacional),
em função da solidariedade da esquerda, que sempre teve uma organização internacional. Teoricamente, eu acho que tanto quanto
a esquerda se articulou, a área de
informação pode ter se articulado
também.
A esquerda sempre teve uma
capacidade de apoio mútuo no
mundo inteiro. Onde ela estivesse
dominando, havia abrigo para o
pessoal da esquerda, como houve
no Chile comandado por Allende
e na França. Na Unesco, por
exemplo, era típico o abrigo que
se dava ao pessoal da esquerda.
Folha - Dentro da mesma lógica, o
sr. acredita que essa operação pode estar por trás da morte do ex-presidente João Goulart?
Passarinho - Não acredito em hipótese alguma nessas coisas que
têm sido ditas, como envolvimento em assassinato do ex-presidente João Goulart. Agora, vejo o ex-governador Leonel Brizola levantar dúvidas sobre a morte de Juscelino Kubitschek. Chamo isso de
delírio.
Folha - O general Newton Cruz,
ex-diretor do SNI (Serviço Nacional
de Informações), nega que tenha
havido a Operação Condor e diz
que, se houve, foi da parte do Exército. Segundo ele, o SNI nunca teve
nada com isso. É possível haver esse tipo de organização apenas das
Forças Armadas?
Passarinho - Não. Eu gosto muito do Nini (apelido do general
Newton Cruz). Ele foi meu ""bicho" (calouro), como a gente chamava no Exército, mas, no momento eu não teria como concordar com ele. Como é que só o
Exército iria fazer uma ligação
com o Exército dos outros países?
Precisaria de uma rede de informação. Se houve a Operação Condor, ela evidentemente não foi
singularizada numa Força só.
Folha - Por causa dessas suspeitas, não seria hora de abrir os arquivos tanto do SNI quanto das
Forças Armadas para ver o que
houve de fato?
Passarinho - Acho que a história
não pode ser feita guardando-se
fatos concretos nos arquivos aos
quais ninguém possa ter acesso.
Para se fazer um estudo, desde
que seja isento, é necessário que
tudo o que possa ser revelado seja
revelado.
A única coisa que vejo que está
fechada é essa questão das pessoas desaparecidas que foram enterradas em lugares onde não se
sabe. Quando fui ministro da Justiça, pedi abertura dos arquivos
do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Eles foram
abertos em alguns Estados e em
outros, não.
Folha - Qual era o nível de organização dos militares e dos organismos de informação? Acredita que
eles tenham recebido orientação
da CIA, a agência central de espionagem dos Estados Unidos?
Passarinho - Como civil, eu não
sabia de nada. Digo que não fui
uma pessoa de informação porque tenho duas bocas e um ouvido. Mas a chamada comunidade
de informações começou como
amadora e foi aprendendo a fazer
informação. Não tinha treinamento e doutrina que permitissem um bom sucesso no combate
à chamada subversão ou insurreição armada.
A guerrilha do Araguaia é clássica para nós. O Exército não estava
preparado para combatê-la. O
próprio SNI não estava preparado
para chegar a conclusões definitivas em uma investigação. O pessoal não tinha condições de julgar
se o sujeito era corrupto ou comunista. Depois é que a Escola Nacional de Informações começou a
funcionar e as pessoas passaram a
ter uma doutrina de informação
que permitisse chegar a conclusões definitivas.
Quando houve o movimento
armado é que o governo criou o
SNI e as Forças Armadas criaram
também seus órgãos de informações. Eles tinham de aprender
com alguém. Hoje vejo determinadas pessoas ligadas à CIA admitindo relacionamento com os
governos militares do Cone Sul. A
partir daí, acho que a CIA serviu
de instrutor.
Mas estou tirando conclusões.
Não tinha esse tipo de informações, como ministro do Trabalho
e da Educação. Isso era fechadíssimo. Agora, lendo esses depoimentos, me vem a idéia de que os
governos norte-americanos daquela época eram muito sensíveis
a qualquer ação anticomunista.
Hoje não. São bonzinhos hoje
-como o Bill Clinton- e atacam
o papel que os Estados Unidos tiveram no passado, de apoiar as
chamadas ditaduras militares.
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