São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2000


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Passarinho admite aliança e sugere abrir arquivos

RAQUEL ULHÔA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Coronel da reserva e ex-ministro de quatro governos diferentes, três deles durante o regime militar (presidentes Costa e Silva, Emílio Médici e João Baptista Figueiredo), Jarbas Passarinho disse acreditar que tenha existido uma aliança entre organismos de informação dos países do Cone Sul durante as décadas de 70 e 80.
"Eu não negaria, pela lógica." Passarinho disse à Folha que nunca ouviu falar, na época, sobre a Operação Condor, mas considera "natural" a aliança entre os países "em função da solidariedade da esquerda, que sempre teve uma organização internacional".
Hoje, segundo Passarinho, "se verifica que existia realmente essa articulação dos organismos de defesa dos regimes militares da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai e do Brasil, que estariam com certo relacionamento".
Ex-senador pela Arena e pelo PDS e ex-ministro da Justiça de Fernando Collor de Mello, Passarinho defende a abertura de todos os arquivos do ex-SNI (Serviço Nacional de Informações) e das Forças Armadas, para esclarecer o que aconteceu de fato durante o regime militar. ""Para concretizar a verdade, todo arquivo deve ser aberto", disse. "A história não pode ser feita guardando-se fatos concretos nos arquivos aos quais ninguém possa ter acesso."

Folha - O sr. tem algum indício da cooperação internacional entre os organismos de repressão durante os governos militares?
Jarbas Passarinho -
A primeira vez que houve alguma coisa relacionada a isso foi no Senado, durante o governo Figueiredo (1979-1985). O Paulo Brossard, que era líder da oposição, fez discurso atacando os organismos de informações do Brasil porque teriam feito o sequestro de um casal de uruguaios (Lilian Celiberti e Universindo Díaz).
Como líder do governo, respondi ao discurso do Brossard. Para fazê-lo, antes liguei para o diretor-geral da Polícia Federal, coronel Moacir, que foi meu aluno, meu cadete. Ele me deu a informação de que as pessoas tinham sido presas no Uruguai e não no Brasil.
Eu dei essa resposta no Senado. Com a redemocratização e as informações reveladas depois é que concluí que eles foram presos no Brasil, e o Moacir tinha me dado uma informação equivocada -ou propositalmente, o que não acredito, ou porque ele também foi enganado.
E agora se verifica que existia realmente essa articulação dos organismos de defesa dos regimes militares da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai e do Brasil, que estariam com certo relacionamento.

Folha - Então o sr. hoje está convencido de que houve essa operação, seja ou não com o nome de Operação Condor?
Passarinho -
Eu não tenho condições de afirmar, mas eu não negaria, pela lógica. Seria natural (haver essa aliança internacional), em função da solidariedade da esquerda, que sempre teve uma organização internacional. Teoricamente, eu acho que tanto quanto a esquerda se articulou, a área de informação pode ter se articulado também.
A esquerda sempre teve uma capacidade de apoio mútuo no mundo inteiro. Onde ela estivesse dominando, havia abrigo para o pessoal da esquerda, como houve no Chile comandado por Allende e na França. Na Unesco, por exemplo, era típico o abrigo que se dava ao pessoal da esquerda.

Folha - Dentro da mesma lógica, o sr. acredita que essa operação pode estar por trás da morte do ex-presidente João Goulart?
Passarinho -
Não acredito em hipótese alguma nessas coisas que têm sido ditas, como envolvimento em assassinato do ex-presidente João Goulart. Agora, vejo o ex-governador Leonel Brizola levantar dúvidas sobre a morte de Juscelino Kubitschek. Chamo isso de delírio.

Folha - O general Newton Cruz, ex-diretor do SNI (Serviço Nacional de Informações), nega que tenha havido a Operação Condor e diz que, se houve, foi da parte do Exército. Segundo ele, o SNI nunca teve nada com isso. É possível haver esse tipo de organização apenas das Forças Armadas?
Passarinho -
Não. Eu gosto muito do Nini (apelido do general Newton Cruz). Ele foi meu ""bicho" (calouro), como a gente chamava no Exército, mas, no momento eu não teria como concordar com ele. Como é que só o Exército iria fazer uma ligação com o Exército dos outros países? Precisaria de uma rede de informação. Se houve a Operação Condor, ela evidentemente não foi singularizada numa Força só.

Folha - Por causa dessas suspeitas, não seria hora de abrir os arquivos tanto do SNI quanto das Forças Armadas para ver o que houve de fato?
Passarinho -
Acho que a história não pode ser feita guardando-se fatos concretos nos arquivos aos quais ninguém possa ter acesso. Para se fazer um estudo, desde que seja isento, é necessário que tudo o que possa ser revelado seja revelado.
A única coisa que vejo que está fechada é essa questão das pessoas desaparecidas que foram enterradas em lugares onde não se sabe. Quando fui ministro da Justiça, pedi abertura dos arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Eles foram abertos em alguns Estados e em outros, não.

Folha - Qual era o nível de organização dos militares e dos organismos de informação? Acredita que eles tenham recebido orientação da CIA, a agência central de espionagem dos Estados Unidos?
Passarinho -
Como civil, eu não sabia de nada. Digo que não fui uma pessoa de informação porque tenho duas bocas e um ouvido. Mas a chamada comunidade de informações começou como amadora e foi aprendendo a fazer informação. Não tinha treinamento e doutrina que permitissem um bom sucesso no combate à chamada subversão ou insurreição armada.
A guerrilha do Araguaia é clássica para nós. O Exército não estava preparado para combatê-la. O próprio SNI não estava preparado para chegar a conclusões definitivas em uma investigação. O pessoal não tinha condições de julgar se o sujeito era corrupto ou comunista. Depois é que a Escola Nacional de Informações começou a funcionar e as pessoas passaram a ter uma doutrina de informação que permitisse chegar a conclusões definitivas.
Quando houve o movimento armado é que o governo criou o SNI e as Forças Armadas criaram também seus órgãos de informações. Eles tinham de aprender com alguém. Hoje vejo determinadas pessoas ligadas à CIA admitindo relacionamento com os governos militares do Cone Sul. A partir daí, acho que a CIA serviu de instrutor.
Mas estou tirando conclusões. Não tinha esse tipo de informações, como ministro do Trabalho e da Educação. Isso era fechadíssimo. Agora, lendo esses depoimentos, me vem a idéia de que os governos norte-americanos daquela época eram muito sensíveis a qualquer ação anticomunista. Hoje não. São bonzinhos hoje -como o Bill Clinton- e atacam o papel que os Estados Unidos tiveram no passado, de apoiar as chamadas ditaduras militares.


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