São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2000


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REGIME MILITAR
Cópias de documentos indicam que órgãos de segurança trocaram presos e informações nos anos 70 e 80
Papéis ligam Brasil à Operação Condor

LUIZA DAMÉ
WILLIAM FRANÇA


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara recebeu ontem 101 páginas de cópias de documentos, que indicam a participação brasileira na articulação e na troca de informações entre os serviços de inteligência com os demais países do Cone Sul durante os regimes militares nos anos 70 e 80.
A comissão encaminhará hoje ao presidente Fernando Henrique Cardoso pedido para que ele determine a abertura dos arquivos militares e dos órgãos de informação, a fim de que sejam conhecidos documentos sobre prisões, cárceres, mortes e ocultação de cadáveres ocorridos no período.
A proposta é a primeira decisão tomada após a audiência pública realizada ontem para apurar indícios da existência, no Brasil, da Operação Condor, a articulação entre os serviços de informação dos países do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) voltada para reprimir ações contrárias aos regimes vigentes.
Os nomes "Brasil" ou "governo brasileiro" vinculados à Operação Condor não aparecem formalmente em nenhum dos documentos apresentados ontem.
Ontem foram ouvidas três pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a Operação Condor: o jornalista Nilson Mariano, autor do livro "Operación Cóndor"; o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos de Porto Alegre, Jair Krischke; e Victória Grabois, diretora do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio.
Os três foram unânimes em apontar indícios da participação brasileira na Operação Condor. Krischke entregou à comissão várias cópias de documentos que citam, por exemplo, a troca de informações entre a 6ª Divisão do Exército, em Porto Alegre, e os governos uruguaio e argentino.
Há entre as cópias relatório que teria sido preparado pelo ex-presidente João Baptista Figueiredo, na época (1965) coronel do Exército, ao embaixador paraguaio Raul Peña, sobre a articulação de paraguaios no Mato Grosso contra o governo do presidente Alfredo Stroessner.
Há também relatos sobre a "subversão" no Brasil, recolhidos entre as mais de duas toneladas de documentos que foram localizadas no Paraguai em 1992, o chamado "Arquivo do Terror".

Cobrança a FHC

Na Câmara, Victória e Krischke cobraram de FHC um comportamento "mais democrático e mais responsável" com as famílias dos mortos e desaparecidos.
"Está na hora de o governo Fernando Henrique ter a coragem de abrir os arquivos, pois sabemos que eles ainda existem. Eles (órgãos de repressão) não foram burros ou idiotas de destruí-los. Nós, familiares, precisamos saber quem matou, onde matou, como matou e por que matou. É uma questão de humanidade", disse Victória em seu depoimento.
Krischke cobrou de Fernando Henrique Cardoso, "que se diz um democrata identificado com a esquerda", decisões mais firmes diante das Forças Armadas, da qual é o comandante supremo.
Ele citou o caso do presidente uruguaio Jorge Battle, que em menos de quatro meses de governo demitiu o comandante do Estado-Maior da Defesa que havia discordado de decisão sua para identificar uma sobrevivente da repressão argentina no Uruguai.
"Nós não queremos que os arquivos sejam abertos apenas para responder ao juiz argentino, mas para qualquer interessado", afirmou o deputado federal Marcos Rolim (PT-RS), presidente da comissão. "Não há chance de o governo abrir os arquivos se não houver pressão da Câmara e da sociedade."
O juiz argentino Cláudio Bonadio encaminhou à Justiça brasileira questionário sobre a participação brasileira na Operação Condor. Ele investiga o desaparecimento de três argentinos no país, supostas vítimas do esquema.
O governo brasileiro acatou o pedido e está preparando as respostas.
Victória Grabois reclamou ainda do pouco caso dos deputados com o assunto. A sessão, que durou cerca de duas horas, contou com a presença de 13 deputados federais, dos quais apenas cinco permaneceram todo o tempo dos depoimentos. Além disso, ouviram os depoimentos representantes das embaixadas do Uruguai e do Chile.


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