São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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JANIO DE FREITAS

Os passinhos adiante

Os otimistas, mais para o seu bem interior que para o bem alheio, dizem que há sempre uma esperança. Cético, mas não pessimista, por um momento suponho que Lula deu motivo para estarmos, todos, com os otimistas e sua legenda. Disse ele, em uma das inesgotáveis falações da semana:
"A única coisa que não quero perder, e sei que daqui a dois anos e meio termina o meu mandato, é o direito de encontrar vocês e dizer: não sou mais presidente, mas continuo com os meus amigos de sempre, lutando para este país melhorar".
Por uma ou por outra, vai dar em esperança: ou porque Lula promete voltar, um dia, à luta pela melhoria do país, o que pressupõe não continuar aliado apenas da parte mais favorecida da sociedade; ou porque, estendido o seu olhar para daqui a dois anos e meio, diz que então "não [será] mais presidente". Promete, pois, para breve, a necessária tentativa do eleitorado de ver se encontra quem seja mais fiel à palavra dada e mais leal ao voto recebido. Na política brasileira não é fácil, mas, se não enganar demais, já será um avanço.
Não me refiro, é claro, aos avanços que lotaram os jornais e telejornais da semana toda, em crescendo de manchetes que chegaram a encontrar "recorde histórico" na comparação com números que datam apenas da década de 90. Ou na mesma linha, como disse reputado comentarista da CBN, em relação à propagandeada volta ao crescimento econômico: "Esta batalha já está vencida". Há melhores maneiras de fazer com que governo e mídia sejam a mesma coisa.
De fato, passados ano e meio de governo Lula, aparecem dados positivos, ou seja, acima de zero, em vários aspectos econômicos. Muito longe, porém, da significação que quer lhes atribuir o otimismo profissional.
Se ponderados segundo as circunstâncias e relativizados pela vergonheira que foi o primeiro ano de Lula, os dados positivos não deixam de ser positivos, mas se mostram todos muito abaixo de onde o governo, por obrigação administrativa e moral, deveria tê-los posto. Não fosse sua adesão oportunista, em todos os sentidos, ao que seus integrantes sempre condenaram.
É tal a desproporção entre os atuais dados positivos e o oba-oba da mídia, que o resultado é uma contradição até engraçada. Se êxitos modestos e incipientes merecem tamanha festança, é porque os festejadores achavam a política econômica de Lula incapaz até de resultados parcimoniosos. Festejam a sua surpresa. O que se mostra como otimismo contém, portanto, uma dose de pessimismo que nem as dúvidas do ceticismo incluem.
Até no governo Fernando Henrique o Brasil chegou a ter crescimento anual de 4%. É tão natural e persistente a força deste país imenso, que mesmo aos tropeções, mesmo a passos desconexos e pequenos, ele vai adiante a despeito dos Fernandos, dos Lulas, dos Malans e Paloccis. O problema é que a construção das desventuras tem ido sempre na frente.


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