São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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APOCALÍPTICOS E INTEGRADOS

Mesmo com críticas à política econômica, intelectuais de SP reconhecem êxitos setoriais e intensificam participação no governo

Lula acomoda mal-estar na intelligentsia

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Um ano e meio de governo Lula, os intelectuais de esquerda ligados ao petismo não vislumbram mais uma guinada na política econômica. O mal-estar com o paloccismo -agora, com "respiro", já que as estimativas falam em crescimento do PIB de 3,5%- parece ter sido acomodado entre críticas surdas e o que é possível mudar a despeito dele.
Em meio ao silêncio de descontentes e descontados os já rompidos, a intelligentsia paulista apoiadora do governo apresenta êxitos setoriais e sua participação mais ou menos efetiva na gestão. Um dos sinais disso é a transformação por qual passou o grupo ilustrado que se reunia na campanha do PT em 2002.
Reativado, sob outros moldes, em 2003, tiveram encontros com ministros e até com Lula. Este ano reuniram-se ainda com a CUT e o MST . Contabilizaram dissidências -como o sociólogo Francisco de Oliveira, o filósofo Paulo Arantes e o advogado Fábio Konder Comparato-, atacaram a economia. Mais recentemente, muitos vieram a integrar o governo ou instâncias ligadas-em conselhos ou cargos.
O destino de alguns: a filósofa Marilena Chaui (USP) foi para o Conselho Nacional de Educação; Renato Janine de Ribeiro (filósofo) chefia a Capes (aperfeiçoamento de nível superior); Fernando Haddad, cientista político, é secretário-executivo do Ministério da Educação; Amélia Cohn (socióloga) é assessora do Ministério do Desenvolvimento Social. Desde o início de 2003, Maria Victória Benevides, socióloga, compõe o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e o economista Paul Singer chefia a Secretaria de Economia Solidária.
"Em relação à política econômica, as palavras no grupo são crítica e perplexidade", diz Maria Victória. Acrescenta: "Incômodo entre intelectuais e governo sempre haverá. É do compromisso do intelectual. Mas acredito no governo. Vejo feitos importantes. Nenhum outro teve atuação tão rigorosae e atuante na questão da Justiça [referindo-se às ações da PF], por exemplo".
Para Janine Ribeiro, os intelectuais apóiam as "opções básicas" do governo. "Não vou criticar um governo do qual faço parte. O que há de diferente é que sabemos bem o que é justo -ainda que não seja possível fazer tudo", diz. "Em áreas como a educação, não tem havido concessões", afirma.
Marilena Chaui diz ter ido para o Conselho de Educação -por onde hoje, segundo ela, "não passa nenhuma decisão importante" e passam muitos processos para a instalação de cursos superiores privados- para lutar, dentro dele, por sua mudança. "É um compromisso público. Comprei a briga. Vou acionar outros conselheiros", disse em um seminário recente em São Paulo.
Ao lado dela, na mesa de debates, Francisco de Oliveira: [os conselhos no governo Lula] estão sendo relegados à irrelevância. Desde que não afetem nenhuma decisão, as pessoas podem se divertir neles o dia inteiro. [...] A sociedade devia propor um conselho para o Banco Central, que é o que importa".
"Ao contrário de Chico, eu sou otimista. Acredito que as coisas podem mudar, já estão mudando", disse Chaui para encerrar.
Na última sexta-feira, o mercado financeiro teve dia de ótimos índices. A razão: a declaração do ministro Antonio Palocci (Fazenda) sobre a importância de propor a independência do BC -outra tema de mal-estar esquerdista.


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