São Paulo, Quarta-feira, 18 de Agosto de 1999
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QUESTÃO AGRÁRIA
Governador e secretário, ambos testemunhas, não ficaram incomunicáveis, como determina a lei
Defesa diz que pode pedir anulação

LUCAS FIGUEIREDO
enviado especial a Belém

LUÍS INDRIUNAS
da Agência Folha, em Belém

Uma concessão feita pelo Tribunal de Justiça do Pará no julgamento do massacre de Eldorado do Carajás poderá ser usada pela defesa para tentar anular uma possível condenação dos três principais oficiais da Polícia Militar que comandaram a operação.
Duas das testemunhas da defesa -o governador Almir Gabriel (PSDB-PA) e o secretário da Segurança, Paulo Sette Câmara- não ficaram incomunicáveis depois de iniciado o julgamento, na segunda-feira passada.
De acordo com o Código de Processo Penal, de 1941, as testemunhas devem ficar incomunicáveis. Ou seja, não podem conversar com ninguém, inclusive entre elas. Também não podem ter acesso a jornais, revistas, rádio, telefone ou TV.
O resultado do julgamento do coronel Mário Colares Pantoja, do major José Maria Oliveira e do capitão Raimundo José Almendra Lameira -os três principais oficiais envolvidos na operação que resultou na morte de 19 sem-terra, em 1996- deve sair entre a madrugada e a tarde de hoje.
Depois desse resultado, ainda serão julgados, em blocos, outros 147 policiais militares que participaram da desobstrução de uma estrada -a PA-150. O megajulgamento deve acabar no início de dezembro.
Desde o início do julgamento, sete testemunhas da defesa e da acusação estão isoladas, tendo de dormir e fazer suas refeições no auditório da Universidade da Amazônia, onde acontece o julgamento.
O governador e o secretário da Segurança, contudo, não tiveram de se sujeitar às mesmas regras que as outras testemunhas, por decisão do Tribunal de Justiça.
Gabriel e Câmara foram ouvidos ontem na residência oficial do governador. Puderam escolher o local do depoimento porque têm foro privilegiado.
Segundo o advogado do governador, Pedro Bentes, desde que começou o julgamento, Gabriel não leu jornais, não ouviu rádio nem assistiu televisão.
Na manhã de ontem, todos os jurados, o juiz Ronaldo Valle e membros da defesa e da acusação foram, em um ônibus fretado, até a residência oficial do governador ouvir Gabriel e Sette Câmara.
Um dia antes, porém, Gabriel despachou com o secretário especial de Governo, Manoel Santino, e depois teria ficado esperando, acompanhado da mulher e dos seus quatro filhos, o momento do depoimento, que acabou sendo adiado por quase 18 horas.
O advogado de defesa, Américo Leal, disse que irá pedir a anulação do julgamento caso a sentença seja contrária aos oficiais. Segundo ele, a falta de isolamento compromete o processo.
A acusação protestou. "Isso é um estrambote (esquisitice). As partes só podem invocar a nulidade do julgamento quando houve prejuízo, o que não é o caso", disse um dos advogados assistentes da acusação, o ex-governador do Rio de Janeiro Nilo Batista.
Para a advogada de defesa dos soldados e cabos, Eloísa Segtowick Sovano, o depoimento de Sette Câmara ajuda na defesa dos seus clientes.
Segundo o advogado do governador, Gabriel voltou afirmar que não ordenou a desobstrução da rodovia PA-150, quando 19 sem-terra morreram e mais de 60 ficaram feridos.
Segundo Gabriel, o secretário da Segurança teria ordenado a desobstrução ao comandante-geral da Polícia Militar à época, Fabiano Lopes, e, depois, comunicado o fato ao governador.
O governador afirmou que todas as operações da PM no sul do Pará -a região rural mais violenta do país- são orientadas para serem feitas sem violência.
Foi armado um esquema para que o governador Almir Gabriel não entrasse em contato com a imprensa ou com possíveis manifestantes durante e após o seu testemunho.
Além disso, a PM fechou as ruas que dão acesso à residência oficial, em Ananindeua, cidade vizinha a Belém.


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