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ENTREVISTA
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Lula se diz frustrado por falta de apoio entre os mais ricos
Presidente afirma que classe média não forma opinião dos
pobres e que escândalos não determinam o voto no país
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente Lula diz que a
"única" frustração que enfrenta hoje é a falta de votos entre as
camadas mais ricas da população. De acordo com ele, os ricos
"ganharam dinheiro como ninguém" em seu governo e por isso não deveriam ter uma resistência tão forte a ele, como revelam as pesquisas. Na sexta-feira, o presidente embarcou
para uma série de comícios
eleitorais no Nordeste e no
Norte do país. Ele permitiu que
a Folha acompanhasse a viagem com outros três jornalistas, do jornal "Valor Econômico", do "Terra Magazine" e do
SBT. Num dos trechos da viagem, ele conversou com os repórteres na área reservada do
avião que o levava a Feira de
Santana, na Bahia. Mais tarde,
rumo a Belém (PA), comentou
a frase que teria dito num jantar com empresários, de que
gostaria de "fechar o Congresso": "Isso não tem cabimento".
Leia trechos da entrevista:
Fechamento do Congresso
"Isso não tem cabimento. Isso eu não disse. Eu tenho falado
muitas vezes sobre a China, que
lá é mais fácil, não tem Congresso, não tem estudante, não
tem greve, não tem sindicato,
como na democracia brasileira.
Mas o Congresso já está fechado. Ele não funciona, ele se autofecha. Tem cabimento o Congresso não funcionar em época
de eleição?"
Apoio dos mais pobres
"Se você não tomar cuidado
ao fazer a pergunta, alguém pode interpretar que precisamos
mudar de povo. Eu perdi três
eleições porque o povo pobre
tinha medo de mim. Não acreditava em um igual a ele. E agora eu estou ganhando porque o
povo descobriu que um igual
pode fazer por ele o que um diferente não conseguiu fazer.
Sempre tive muito voto nos setores da sociedade organizada,
de mais de cinco salários mínimos. Isso [o patamar histórico
de votos nesses setores] está se
mantendo."
Ricos
"Agora, a única frustração
que eu tenho é que os ricos não
estejam votando em mim. Porque eles ganharam dinheiro como ninguém no meu governo.
No meu governo, as empresas
ganharam mais que os bancos.
Teve mais crédito que nunca.
Depois de vinte anos a construção civil começou a se recuperar fortemente. Então essa é
minha única frustração."
Efeito do mensalão
"Não é isso o que determina o
voto no Brasil. Se isso determinasse o voto no Brasil, essa gente escolheria melhor quem ajudar nas campanhas. Porque cada deputado eleito teve alguns
patrocinadores. Perguntem aos
que financiam campanhas se
têm coragem de dizer para
quem deram o dinheiro."
Paulo Betti
"Eu não concordo [com a frase "é impossível fazer política
sem colocar a mão na merda'].
O que eu acho é que a política
brasileira tem uma tradição secular, de dependência econômica dos candidatos, de financiamento, de cobrança depois.
Sempre foi assim e, se não mudar o sistema, vai continuar
sendo assim. Qualquer brasileiro sabe. É só pegar a história da
política brasileira, desde a proclamação da República, gente!
Ninguém está inventando nada. A política brasileira é isso.
Na história política do Brasil
recente, muitos corruptos
eram tratados como espertos.
Fulano de tal é velhaco, malandro. A imprensa tratava o bandido como o esperto da política,
profissional competente."
Classe média
"Eu nunca achei que a classe
média puxava o povo. Isso é
coisa da classe média para se
autovalorizar."
Formador de opinião
"De repente inventaram o tal
de formador de opinião. O cara
escreve artigo de jornal e forma
opinião. E o cara da CUT não
forma opinião? E o cara da colônia de pescadores não é formador de opinião? Muitas coisas no Brasil vão passar por
uma reflexão. A imprensa é
uma delas. Muita coisa vai melhorar. O que não vai melhorar
é a política. Se acontecer o que
está parecendo, vai piorar. O
Paulo Maluf se eleger deputado, o Fernando Collor se eleger,
o Clodovil se eleger..."
FHC
"Forma negativamente [opinião]. Porque, quem tem a rejeição que ele tem, era melhor
não dar opinião. Veja, eu não
tenho nada contra o Fernando
Henrique Cardoso. Absolutamente nada. A única coisa que
eu lamento é que ele não tenha
sabido se comportar como ex-presidente da República. Um
ex-presidente não dá palpite,
um ex-presidente fica quieto.
Um ex-presidente, antes de julgar os outros, olha o que fez.
Sabe, no Brasil, o único cara
que sabe se portar é o presidente Sarney. Ele foi achincalhado
pelo Collor e nunca fez julgamento do Collor."
Aécio Neves
"É meu amigo, um companheiro que conheço desde a
Constituinte. É uma figura extremamente civilizada, que sabe ser companheiro, que sabe até na divergência política ser
cordato. Eu tenho muitos amigos. Muitos. Só não é meu amigo quem não quer. Se quiser, eu estou de braços abertos."
José Serra
"Eu tenho ótima relação com
o José Serra. Aquilo que eu disse hoje de manhã para a imprensa [Lula defendeu o tucano
da acusação de envolvimento
com sanguessugas] é absolutamente verdadeiro. Ah, mas saiu
uma manchete contra o Serra.
E daí? Sair uma manchete contrária não prova nada. Eu quero
saber é se essa manchete pode
ser desmentida amanhã. Eu tenho boa relação com o Serra.
Em 2002, fizemos uma campanha de nível muito elevado.
Não houve agressão, nos tratamos como companheiros."
Geraldo Alckmin
"Eu não tenho nada contra o
Alckmin, gente! Eu não tive
amizade com o Alckmin. Eu tive amizade com o Mário Covas,
com o Serra, com o Fernando
Henrique. Mas com o Alckmin
eu tive uma relação institucional muito civilizada. Então eu
quero preservar isso. Se ele não
quer, o problema é dele. Não fica bem para ele [fazer ataques
na campanha eleitoral]. Médico não pode ser agressivo. Senão, como fica o paciente?"
Pacto com oposição
"O que eu quero é propor um
pacto de responsabilidade com
o país. Estabelecer quais são os
principais projetos que interessam a todos os brasileiros, como o Fundeb, a lei das micro e
pequenas empresas. É um pacto de bom senso. É todo mundo
tomar remédio contra azia de
manhã e se encontrar no Congresso para discutir."
Debate
"Veja, eu acho engraçada a
inquietação que as pessoas
têm. Em 1998, ninguém perguntou para o Fernando Henrique Cardoso [o motivo de ele
não ir aos debates]. É um direito democrático alguém convidar [para um debate] e é tão democrático quanto a recusa. A
democracia não é uma moeda
que só tem uma face. Ela tem
duas faces. Não sei [se vai ao
debate da TV Globo com outros candidatos]. Eu quero saber o que eu ganho, o que eu perco. Sou presidente da República independentemente de
estar candidato. Eu não posso
expor a instituição da Presidência. Não é um problema de
estar na frente [nas pesquisas].
Em 2002 eu estive sempre na
frente e fui a todos os debates.
Sou fissurado em debates."
Reeleição
"Eu hoje sou um homem
convicto de que a reeleição é
um retrocesso político para o
Brasil. O mandato de cinco
anos sem reeleição seria a melhor coisa. Aliás o meu amigo
Fernando Henrique Cardoso
vai carregar pelo resto da vida o
gesto irresponsável de ter aprovado a reeleição. A única explicação para a reeleição chama-se vaidade pessoal, personalismo. Eu fui obrigado [a disputar
a reeleição]. Porque eu era o
único candidato que poderia
derrotá-los. Agora, a reeleição é
perniciosa para o Brasil."
Henrique Meirelles
Olha, a priori, todos ficam.
Renegociação das dívidas
Não podemos esquecer que
esses governadores todos fizeram festa quando foi feito o
acordo [da dívida]. Porque o
acordo foi feito permitindo que
eles vendessem patrimônio público. Agora acabou o patrimônio e eles se deram conta de que
entraram numa gelada. Então
vamos ter que encontrar uma
negociação sem burlar a lei de
responsabilidade fiscal.
Bolívia
Sabe o que eu fico com pena?
É que as pessoas tentam tirar
proveito da crise da Bolívia para dizer "o Lula tem que ser macho". Tem dois motivos para
você demonstrar força: um é
quando você está fraco e precisa fazer barulho, gargantear, fazer bravata. Agora, quando está
forte, você não tem que demonstrar. Eu tenho a nítida noção da supremacia brasileira
diante da Bolívia. Então por
que tenho que fazer bravata?
Olha, se a Petrobras deixar de
explorar gás, vai faltar gás de
cozinha e gasolina na Bolívia.
Quando conversei com o Evo
Morales [presidente da Bolívia], eu peguei o mapa da América do Sul e mostrei a situação
da Bolívia, onde estava a Venezuela. Eu disse "não adianta colocar a espada na minha cabeça,
se eu não quiser o gás de vocês,
vocês vão sofrer mais que nós".
É como relação de marido e
mulher. Dá uma olhada [estende a mão]: Eu tô nervoso? Vocês acham que se estivesse nervoso eu estava aqui?"
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