São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 2006

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ENTREVISTA LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Lula se diz frustrado por falta de apoio entre os mais ricos


Presidente afirma que classe média não forma opinião dos pobres e que escândalos não determinam o voto no país

MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente Lula diz que a "única" frustração que enfrenta hoje é a falta de votos entre as camadas mais ricas da população. De acordo com ele, os ricos "ganharam dinheiro como ninguém" em seu governo e por isso não deveriam ter uma resistência tão forte a ele, como revelam as pesquisas. Na sexta-feira, o presidente embarcou para uma série de comícios eleitorais no Nordeste e no Norte do país. Ele permitiu que a Folha acompanhasse a viagem com outros três jornalistas, do jornal "Valor Econômico", do "Terra Magazine" e do SBT. Num dos trechos da viagem, ele conversou com os repórteres na área reservada do avião que o levava a Feira de Santana, na Bahia. Mais tarde, rumo a Belém (PA), comentou a frase que teria dito num jantar com empresários, de que gostaria de "fechar o Congresso": "Isso não tem cabimento". Leia trechos da entrevista:

Fechamento do Congresso
"Isso não tem cabimento. Isso eu não disse. Eu tenho falado muitas vezes sobre a China, que lá é mais fácil, não tem Congresso, não tem estudante, não tem greve, não tem sindicato, como na democracia brasileira. Mas o Congresso já está fechado. Ele não funciona, ele se autofecha. Tem cabimento o Congresso não funcionar em época de eleição?"

Apoio dos mais pobres
"Se você não tomar cuidado ao fazer a pergunta, alguém pode interpretar que precisamos mudar de povo. Eu perdi três eleições porque o povo pobre tinha medo de mim. Não acreditava em um igual a ele. E agora eu estou ganhando porque o povo descobriu que um igual pode fazer por ele o que um diferente não conseguiu fazer. Sempre tive muito voto nos setores da sociedade organizada, de mais de cinco salários mínimos. Isso [o patamar histórico de votos nesses setores] está se mantendo."

Ricos
"Agora, a única frustração que eu tenho é que os ricos não estejam votando em mim. Porque eles ganharam dinheiro como ninguém no meu governo. No meu governo, as empresas ganharam mais que os bancos. Teve mais crédito que nunca. Depois de vinte anos a construção civil começou a se recuperar fortemente. Então essa é minha única frustração."

Efeito do mensalão
"Não é isso o que determina o voto no Brasil. Se isso determinasse o voto no Brasil, essa gente escolheria melhor quem ajudar nas campanhas. Porque cada deputado eleito teve alguns patrocinadores. Perguntem aos que financiam campanhas se têm coragem de dizer para quem deram o dinheiro."

Paulo Betti
"Eu não concordo [com a frase "é impossível fazer política sem colocar a mão na merda']. O que eu acho é que a política brasileira tem uma tradição secular, de dependência econômica dos candidatos, de financiamento, de cobrança depois. Sempre foi assim e, se não mudar o sistema, vai continuar sendo assim. Qualquer brasileiro sabe. É só pegar a história da política brasileira, desde a proclamação da República, gente! Ninguém está inventando nada. A política brasileira é isso. Na história política do Brasil recente, muitos corruptos eram tratados como espertos. Fulano de tal é velhaco, malandro. A imprensa tratava o bandido como o esperto da política, profissional competente."

Classe média
"Eu nunca achei que a classe média puxava o povo. Isso é coisa da classe média para se autovalorizar."

Formador de opinião
"De repente inventaram o tal de formador de opinião. O cara escreve artigo de jornal e forma opinião. E o cara da CUT não forma opinião? E o cara da colônia de pescadores não é formador de opinião? Muitas coisas no Brasil vão passar por uma reflexão. A imprensa é uma delas. Muita coisa vai melhorar. O que não vai melhorar é a política. Se acontecer o que está parecendo, vai piorar. O Paulo Maluf se eleger deputado, o Fernando Collor se eleger, o Clodovil se eleger..."

FHC
"Forma negativamente [opinião]. Porque, quem tem a rejeição que ele tem, era melhor não dar opinião. Veja, eu não tenho nada contra o Fernando Henrique Cardoso. Absolutamente nada. A única coisa que eu lamento é que ele não tenha sabido se comportar como ex-presidente da República. Um ex-presidente não dá palpite, um ex-presidente fica quieto. Um ex-presidente, antes de julgar os outros, olha o que fez. Sabe, no Brasil, o único cara que sabe se portar é o presidente Sarney. Ele foi achincalhado pelo Collor e nunca fez julgamento do Collor."

Aécio Neves
"É meu amigo, um companheiro que conheço desde a Constituinte. É uma figura extremamente civilizada, que sabe ser companheiro, que sabe até na divergência política ser cordato. Eu tenho muitos amigos. Muitos. Só não é meu amigo quem não quer. Se quiser, eu estou de braços abertos."

José Serra
"Eu tenho ótima relação com o José Serra. Aquilo que eu disse hoje de manhã para a imprensa [Lula defendeu o tucano da acusação de envolvimento com sanguessugas] é absolutamente verdadeiro. Ah, mas saiu uma manchete contra o Serra. E daí? Sair uma manchete contrária não prova nada. Eu quero saber é se essa manchete pode ser desmentida amanhã. Eu tenho boa relação com o Serra. Em 2002, fizemos uma campanha de nível muito elevado. Não houve agressão, nos tratamos como companheiros."

Geraldo Alckmin
"Eu não tenho nada contra o Alckmin, gente! Eu não tive amizade com o Alckmin. Eu tive amizade com o Mário Covas, com o Serra, com o Fernando Henrique. Mas com o Alckmin eu tive uma relação institucional muito civilizada. Então eu quero preservar isso. Se ele não quer, o problema é dele. Não fica bem para ele [fazer ataques na campanha eleitoral]. Médico não pode ser agressivo. Senão, como fica o paciente?"

Pacto com oposição
"O que eu quero é propor um pacto de responsabilidade com o país. Estabelecer quais são os principais projetos que interessam a todos os brasileiros, como o Fundeb, a lei das micro e pequenas empresas. É um pacto de bom senso. É todo mundo tomar remédio contra azia de manhã e se encontrar no Congresso para discutir."

Debate
"Veja, eu acho engraçada a inquietação que as pessoas têm. Em 1998, ninguém perguntou para o Fernando Henrique Cardoso [o motivo de ele não ir aos debates]. É um direito democrático alguém convidar [para um debate] e é tão democrático quanto a recusa. A democracia não é uma moeda que só tem uma face. Ela tem duas faces. Não sei [se vai ao debate da TV Globo com outros candidatos]. Eu quero saber o que eu ganho, o que eu perco. Sou presidente da República independentemente de estar candidato. Eu não posso expor a instituição da Presidência. Não é um problema de estar na frente [nas pesquisas]. Em 2002 eu estive sempre na frente e fui a todos os debates. Sou fissurado em debates."

Reeleição
"Eu hoje sou um homem convicto de que a reeleição é um retrocesso político para o Brasil. O mandato de cinco anos sem reeleição seria a melhor coisa. Aliás o meu amigo Fernando Henrique Cardoso vai carregar pelo resto da vida o gesto irresponsável de ter aprovado a reeleição. A única explicação para a reeleição chama-se vaidade pessoal, personalismo. Eu fui obrigado [a disputar a reeleição]. Porque eu era o único candidato que poderia derrotá-los. Agora, a reeleição é perniciosa para o Brasil."

Henrique Meirelles
Olha, a priori, todos ficam.

Renegociação das dívidas
Não podemos esquecer que esses governadores todos fizeram festa quando foi feito o acordo [da dívida]. Porque o acordo foi feito permitindo que eles vendessem patrimônio público. Agora acabou o patrimônio e eles se deram conta de que entraram numa gelada. Então vamos ter que encontrar uma negociação sem burlar a lei de responsabilidade fiscal.

Bolívia
Sabe o que eu fico com pena? É que as pessoas tentam tirar proveito da crise da Bolívia para dizer "o Lula tem que ser macho". Tem dois motivos para você demonstrar força: um é quando você está fraco e precisa fazer barulho, gargantear, fazer bravata. Agora, quando está forte, você não tem que demonstrar. Eu tenho a nítida noção da supremacia brasileira diante da Bolívia. Então por que tenho que fazer bravata? Olha, se a Petrobras deixar de explorar gás, vai faltar gás de cozinha e gasolina na Bolívia. Quando conversei com o Evo Morales [presidente da Bolívia], eu peguei o mapa da América do Sul e mostrei a situação da Bolívia, onde estava a Venezuela. Eu disse "não adianta colocar a espada na minha cabeça, se eu não quiser o gás de vocês, vocês vão sofrer mais que nós". É como relação de marido e mulher. Dá uma olhada [estende a mão]: Eu tô nervoso? Vocês acham que se estivesse nervoso eu estava aqui?"


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