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CELSO PINTO
A "polícia" do FMI
e o câmbio
A decisão do FMI de aceitar
uma redução de US$ 2 bilhões no
piso de reservas cambiais líquidas
exigidas do Brasil, abrindo espaço para o Banco Central intervir
no câmbio, como fez ontem, foi
menos pacífica do que pareceu.
Uma parte do "staff" do Fundo ficou contra.
Quem decidiu a parada foi o vice-diretor-gerente do FMI, Stanley Fischer, que apoiou o pedido
brasileiro. Por trás da discussão,
contudo, existem questões relevantes que vale a pena entender,
porque podem voltar a criar ruídos no futuro. Desta vez, prevaleceu a visão menos ortodoxa.
Se o piso não tivesse sido relaxado, o BC não só não poderia intervir como talvez tivesse tido que
continuar comprando dólares no
mercado para honrar obrigações.
Foi o que ele fez entre 24 de setembro e 7 de outubro, quando comprou US$ 390 milhões no mercado, pressionando ainda mais as
cotações, para não deixar as reservas caírem abaixo da meta do
FMI.
Quem ficou contra a redução no
piso de reservas do Brasil foi o Policy Development Review (PDR),
o departamento do FMI encarregado de checar a consistência de
cada acordo assinado. O PDR é
conhecido internamente no Fundo como a "polícia" do FMI. Todo
documento do FMI relevante relativo a programas com países
precisa ser assinado pelo departamento da área do país (Hemisfério Ocidental, no caso do Brasil) e
pelo PDR.
O PDR se concentra na consistência dos programas do ponto de
vista das contas externas. Ou seja,
analisa as metas e vê se são compatíveis com um ajuste externo
que garanta um volume mínimo
de reservas. O objetivo é assegurar
que o país terá condições de pagar
o dinheiro que está tomando do
FMI no prazo do programa.
Na história do FMI isso nem
sempre aconteceu. O exemplo recente mais notório foi o da Rússia: o FMI liberou recursos que
acabaram ajudando a elite (e a
máfia) russa a remeter dólares
para fora do país, pouco antes da
moratória de 98. O descuido gerou fortíssimas críticas contra o
FMI.
Saiu do PDR, no início do ano,
a famosa previsão de que o Brasil
iria fechar o ano com um superávit de US$ 11 bilhões na balança
comercial. O número foi considerado irrealista desde o seu anúncio. Hoje, o cálculo mais otimista
é de que o ano fechará com déficit
comercial de US$ 1 bilhão, ou seja, US$ 12 bilhões distante da projeção inicial.
Os US$ 11 bilhões nasceram como uma conta de chegar. O Brasil
havia fechado um pacote de US$
41 bilhões com o FMI e o G-7, um
dinheiro que teria que ser devolvido em 18 meses. Até abril, contudo, o mercado internacional estava virtualmente fechado para o
Brasil. Como havia muita amortização a vencer, a projeção era
de perda de reservas.
Se a balança conseguisse gerar
US$ 11 bilhões de superávit, contudo, as contas fechavam. Como o
Ipea (instituto de pesquisa ligado
ao governo) previa, na época, um
superávit de US$ 10,8 bilhões, e
havia vontade política de fechar
um acordo com o Brasil, o FMI
acabou emplacando a projeção
de US$ 11 bilhões, as contas fecharam e o acordo foi assinado.
Na revisão recente do acordo
com o FMI, duas discussões foram
relevantes. O Brasil queria eliminar as metas quantitativas de
moeda (crédito doméstico líquido), que embutem uma meta de
reservas líquidas, alegando, com
boas razões, que elas são incompatíveis com o regime de metas
inflacionárias. O PDR alegava
que as metas podiam continuar,
desde que fossem realistas.
O FMI acabou topando trocar
as metas monetárias pela meta de
inflação, uma vitória brasileira,
mas manteve o piso (reduzido) de
reservas líquidas e, portanto, a
garantia de repagamento de seu
empréstimo. A objeção contra a
ampliação da margem de intervenção do BC no câmbio é que ela
embute a possibilidade de um aumento na emissão monetária. O
medo, pelo lado ortodoxo, é que o
BC aumente a emissão, reduza os
juros e isso sirva apenas para alimentar a saída de dólares, com
perda de reservas.
A alternativa ortodoxa ao fluxo
mais apertado de dólares seria
aumentar os juros: além de ajudar no fluxo financeiro, o desaquecimento econômico ajudaria
a balança comercial. Quando Fischer aceitou a solução não-ortodoxa, permitindo mais intervenção do BC, o fez supondo que a escassez de dólares é temporária e
que, estruturalmente, as contas
externas caminham para um
maior equilíbrio, num prazo curto.
Essa é a aposta do BC e parece
fazer todo sentido. É bom lembrar, contudo, que, quanto mais
tempo levar para haver sinais de
melhora nas contas externas,
maior será a cobrança dos ortodoxos do FMI.
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