São Paulo, Quinta-feira, 18 de Novembro de 1999
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CELSO PINTO

A "polícia" do FMI e o câmbio


A decisão do FMI de aceitar uma redução de US$ 2 bilhões no piso de reservas cambiais líquidas exigidas do Brasil, abrindo espaço para o Banco Central intervir no câmbio, como fez ontem, foi menos pacífica do que pareceu. Uma parte do "staff" do Fundo ficou contra.
Quem decidiu a parada foi o vice-diretor-gerente do FMI, Stanley Fischer, que apoiou o pedido brasileiro. Por trás da discussão, contudo, existem questões relevantes que vale a pena entender, porque podem voltar a criar ruídos no futuro. Desta vez, prevaleceu a visão menos ortodoxa.
Se o piso não tivesse sido relaxado, o BC não só não poderia intervir como talvez tivesse tido que continuar comprando dólares no mercado para honrar obrigações. Foi o que ele fez entre 24 de setembro e 7 de outubro, quando comprou US$ 390 milhões no mercado, pressionando ainda mais as cotações, para não deixar as reservas caírem abaixo da meta do FMI.
Quem ficou contra a redução no piso de reservas do Brasil foi o Policy Development Review (PDR), o departamento do FMI encarregado de checar a consistência de cada acordo assinado. O PDR é conhecido internamente no Fundo como a "polícia" do FMI. Todo documento do FMI relevante relativo a programas com países precisa ser assinado pelo departamento da área do país (Hemisfério Ocidental, no caso do Brasil) e pelo PDR.
O PDR se concentra na consistência dos programas do ponto de vista das contas externas. Ou seja, analisa as metas e vê se são compatíveis com um ajuste externo que garanta um volume mínimo de reservas. O objetivo é assegurar que o país terá condições de pagar o dinheiro que está tomando do FMI no prazo do programa.
Na história do FMI isso nem sempre aconteceu. O exemplo recente mais notório foi o da Rússia: o FMI liberou recursos que acabaram ajudando a elite (e a máfia) russa a remeter dólares para fora do país, pouco antes da moratória de 98. O descuido gerou fortíssimas críticas contra o FMI.
Saiu do PDR, no início do ano, a famosa previsão de que o Brasil iria fechar o ano com um superávit de US$ 11 bilhões na balança comercial. O número foi considerado irrealista desde o seu anúncio. Hoje, o cálculo mais otimista é de que o ano fechará com déficit comercial de US$ 1 bilhão, ou seja, US$ 12 bilhões distante da projeção inicial.
Os US$ 11 bilhões nasceram como uma conta de chegar. O Brasil havia fechado um pacote de US$ 41 bilhões com o FMI e o G-7, um dinheiro que teria que ser devolvido em 18 meses. Até abril, contudo, o mercado internacional estava virtualmente fechado para o Brasil. Como havia muita amortização a vencer, a projeção era de perda de reservas.
Se a balança conseguisse gerar US$ 11 bilhões de superávit, contudo, as contas fechavam. Como o Ipea (instituto de pesquisa ligado ao governo) previa, na época, um superávit de US$ 10,8 bilhões, e havia vontade política de fechar um acordo com o Brasil, o FMI acabou emplacando a projeção de US$ 11 bilhões, as contas fecharam e o acordo foi assinado.
Na revisão recente do acordo com o FMI, duas discussões foram relevantes. O Brasil queria eliminar as metas quantitativas de moeda (crédito doméstico líquido), que embutem uma meta de reservas líquidas, alegando, com boas razões, que elas são incompatíveis com o regime de metas inflacionárias. O PDR alegava que as metas podiam continuar, desde que fossem realistas.
O FMI acabou topando trocar as metas monetárias pela meta de inflação, uma vitória brasileira, mas manteve o piso (reduzido) de reservas líquidas e, portanto, a garantia de repagamento de seu empréstimo. A objeção contra a ampliação da margem de intervenção do BC no câmbio é que ela embute a possibilidade de um aumento na emissão monetária. O medo, pelo lado ortodoxo, é que o BC aumente a emissão, reduza os juros e isso sirva apenas para alimentar a saída de dólares, com perda de reservas.
A alternativa ortodoxa ao fluxo mais apertado de dólares seria aumentar os juros: além de ajudar no fluxo financeiro, o desaquecimento econômico ajudaria a balança comercial. Quando Fischer aceitou a solução não-ortodoxa, permitindo mais intervenção do BC, o fez supondo que a escassez de dólares é temporária e que, estruturalmente, as contas externas caminham para um maior equilíbrio, num prazo curto.
Essa é a aposta do BC e parece fazer todo sentido. É bom lembrar, contudo, que, quanto mais tempo levar para haver sinais de melhora nas contas externas, maior será a cobrança dos ortodoxos do FMI.



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