|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Alca não barrará política interna, diz Amorim
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O governo de Luiz Inácio Lula
da Silva vai negociar a Alca com
um olho na política interna. "Nossa disposição é a de buscar vantagens para os produtos de interesse do Brasil, mas sem assumir
obrigações que fechem totalmente o espaço para políticas internas
de desenvolvimento, como políticas industriais ou de saúde", avisa
Celso Luiz Nunes Amorim, 60,
ministro das Relações Exteriores
de Luiz Inácio Lula da Silva.
Traduzindo: o novo governo
não vai aceitar que um acordo como o da Alca impeça estímulos a
determinados setores ou o direcionamento do investimento externo (política industrial) ou iniba
a produção de remédios genéricos (política de saúde). As propostas já apresentadas pelos EUA,
na negociação da Alca, barram
ambos os tipos de política.
Amorim falou à Folha pelo telefone ontem, de seu gabinete na
Embaixada em Londres, onde fica
até dia 27. Reafirmou que a prioridade um da futura administração
é a América do Sul e acenou com a
possibilidade de um "emissário
pessoal" do novo governo para lidar com a crise venezuelana.
A prioridade sul-americana não
é nova para Amorim. Como
chanceler de Itamar Franco, ele
conduziu a tentativa de construir
uma Alcsa (Área de Livre Comércio da América do Sul), uma espécie de contraponto à Alca. Mas
Amorim faz questão de dizer que,
apesar das prioridades óbvias,
"ditadas pela realidade" (EUA e
União Européia), "haverá uma
política para a África e também
uma política para os grandes países em desenvolvimento, como
China, Índia e Rússia":
Folha - Qual será a prioridade um
da nova administração?
Celso Amorim - A América do
Sul, entre outras razões porque é
difícil imaginar um Brasil forte
com uma América do Sul fraca.
Essa relação é importante tanto
do ponto de vista político, como
econômico e até financeiro. É inútil imaginar, por exemplo, que a
crise argentina não tenha repercussão no Brasil, porque, para
uma viúva de Idaho que invista
em fundos de pensão, é tudo a
mesma coisa. Portanto, até de um
ponto de vista egoísta, se se quiser, a América do Sul é fundamental para o Brasil.
Folha - Seria um relançamento da
Alcsa que o senhor mesmo lançou
no governo Itamar Franco?
Amorim - Não cobro paternidade por nomes específicos. Se for
uma Alcsa, o importante é que
existe já uma boa base que é o
Mercosul. Uma base que precisa
ser reforçada, pois tem sérios problemas. Eu não tenho respostas
para todos os problemas do Mercosul, mas sei que haverá um
grande impulso político para reforçá-lo. O importante é a disposição de construir uma base sólida
na América do Sul que reforce a
posição negociadora de seus países nos vários foros internacionais ou regionais.
Folha - O fato de o Chile ter fechado um acordo direto com os EUA
não prejudica essa construção?
Amorim - A realidade é o que é.
Idealmente, de fato, seria preferível uma negociação conjunta [do
Chile com todos os países sul-americanos". Mas, de todo modo,
há uma grande afinidade política
entre o Chile e o Mercosul. Talvez
se possa falar, como na Europa,
em "duas velocidades" [na construção da América do Sul unida".
As pequenas diferenças entre o
Chile e os países do Mercosul não
impedem uma coordenação política. Mas é importante dizer que a
negociação entre o Chile e os Estados Unidos não é um modelo.
Não se trata de uma crítica...
Folha - Na verdade, pode-se falar
de antimodelo, já que há, aparentemente, cláusulas inaceitáveis para qualquer governo brasileiro e
mais ainda para o do PT, não?
Amorim - Antimodelo é você
quem está dizendo.
Folha - Como o PT abandonou a
tese de que a Alca seria a anexação
do Brasil pelos Estados Unidos, como será a negociação agora?
Amorim - A Alca é um espaço de
negociação de vários temas. Há
temas tipicamente comerciais e
temas que vão muito além de comércio, como propriedade intelectual e investimentos. É preciso
ver que vantagens o Brasil pode
conseguir e que concessões pode
fazer. Há uma grande disposição
de entrar a fundo na negociação,
ainda mais que não está nada fechado. Nossa disposição é a de
buscar vantagens para os produtos de interesse do Brasil, mas
sem assumir obrigações que fechem totalmente o espaço para
políticas internas de desenvolvimento, como políticas industriais
ou de saúde.
Folha - Qual a sua avaliação sobre
a proposta européia para a agricultura, anunciada anteontem?
Amorim - Por enquanto, só tomei conhecimento pelos jornais.
Parece bastante decepcionante.
Fala apenas em redução dos subsídios à exportação, por exemplo,
quando queremos a eliminação,
mesmo que seja em prazo a negociar. É uma pena porque o estímulo para convocar a rodada de
Doha era o de ter uma negociação
agrícola profunda. Mas também
não vamos dizer que acabou, que
não vamos negociar mais.
Folha - Que comportamento terá
o governo em relação à Venezuela?
Amorim - É um país vizinho,
muito próximo, com afinidades
com o Brasil, não com este ou
aquele governo. A situação é muito difícil e a solução passa pela via
do diálogo e não pela imposição.
Se se adotar uma solução democrática por imposição deixa de ser
democrática [parece uma crítica à
oposição venezuelana que exige
uma eleição antecipada]. Se for do
desejo deles, se não der a impressão de que estamos nos metendo,
talvez o Brasil possa ter uma emissário pessoal, que aproveite o crédito que o país tem, para buscar
uma solução pelo diálogo.
Folha - E sobre o Iraque?
Amorim - O Brasil prefere uma
solução pacífica e tem muita confiança nos inspetores da ONU. Se
houver, no entanto, uma violação
muito flagrante das resoluções
das Nações Unidas, especialmente das últimas, elas próprias prevêem consequências sérias. Mas,
de todo modo, teria que ser via
Conselho de Segurança.
Folha - Como o próximo governo
vai trabalhar para realizar o sonho
de um posto permanente para o
Brasil no Conselho de Segurança?
Amorim - O presidente eleito
reafirmou, em Washington, a necessidade de o Conselho de Segurança ser democratizado. O mais
é a forma. Não é fácil, pode levar
um ano, dois, três, mas não se pode absolutamente abandonar a
meta. O convite do presidente
Bush ao presidente eleito Lula já é
uma demonstração clara da importância que o Brasil tem, para,
entre outros aspectos, a estabilidade regional e até além dela. Não
deixa de ser curioso que um presidente republicano retome tese de
um presidente democrata [Franklin Roosevelt" de que o Brasil deveria ter lugar permanente no
Conselho de Segurança.
Texto Anterior: PMDB diz que não será governo Próximo Texto: PTB diz que Esportes fica com Mares Guia Índice
|