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ELIO GASPARI
Lula virtualizou a Cultura
Levando Gilberto Gil para
o seu ministério, Lula deu
um toque de virtualidade à administração da cultura nacional. Num governo que fala em
Fome Zero, com um presidente
que vive repetindo que há no
Brasil 50 milhões de pessoas vivendo com menos de um dólar
por dia, o doce baiano saiu-se
com essa:
- Não tenho uma poupança
que me permita passar quatro
anos ganhando R$ 8.000 por
mês.
Foi absolutamente sincero. No
seu padrão de vida, quebra a
pessoa física. Mais: se abandonasse a infra-estrutura que sua
atividade exige, quebraria a
pessoa jurídica. Quando ministério não dá fortuna, é coisa que
custa caro. O advogado Márcio
Thomaz Bastos sabe que vai torrar uma parte do seu patrimônio para servir à Viúva no Ministério da Justiça. Já a senadora Marina Silva, futura ministra do Meio Ambiente, vive com
R$ 8.000, dá uma parte ao PT e
ainda lhe sobra mais do que ganhava em um ano na seringa. O
doutor Henrique Meirelles teve
um salário de uns R$ 500 mil
por mês e gastou cerca de R$ 5
por cada um dos 183 mil votos
que o elegeram deputado federal pelo PSDB goiano. Com o salário de presidente do Banco
Central não conseguiria pagar
nem sequer a espalhafatosa coreografia de guarda-costas que
carrega consigo.
O artista informou que Lula
liberou-o para fazer algo como
25 shows por ano. De certa forma, esse arranjo replica um
acordo feito no primeiro governo de FFHH com Pelé. Deu errado, muito errado. Não é coisa
tão esquisita quanto parece. Há
ministros que, no exercício do
cargo, lançam livros. Se ministros escritores podem escrever,
ministros cantores podem querer cantar.
Lula foi mal porque antes de
oferecer o lugar a Gil deixou que
ele caísse na bacia das almas.
Até pelo balcão passou. A cultura é um dos ramos da atividade
nacional onde o PT e Lula sempre tiveram as mais imediatas,
destacadas e gratuitas adesões.
Hoje isso parece passado diante
das conversões notáveis, prósperas e tardias. Houve uma época
em que, além do palanque com
os candidatos, o PT só tinha
seus artistas. É nessa área que a
nação petista reúne as mais destacadas unanimidades.
Verdadeira crocrodilagem
que o nome de Gilberto Gil tenha aparecido por conta das artes da marquetagem. Ofende
aquele pedaço d'alma petista
que a campanha de Duda Mendonça dizia haver em todo brasileiro.
Lula e seus conselheiros lambaram numa área onde dispõem de um crédito do tamanho do sentimento do mundo. A
nomeação de Gilberto Gil, mesmo sem regime de dedicação exclusiva, honra o artista, mas coloca duas questões:
1- Lula quer cotas para negros
nas universidades públicas,
mas, ao colocar Gil no ministério da Cultura, continuou uma
escrita iniciada com a nomeação de Pelé, associando a presença negra ao entretenimento,
o que é um progresso, mas é
também folclore.
2- Lula parece ter levado longe
demais a a banda virtual de
seus convites. Ele tem dois tipos
de ministros. Os que são o que
são (Marina Silva e Cristovam
Buarque, por exemplo) e aqueles que são aquilo que os adversários do PT gostariam que eles
fossem (Antonio Palocci, Henrique Meirelles e Luiz Furlan, por
exemplo).
As circunstâncias da política e
as necessidades da administração podem determinar que essa
seja a melhor conduta, mas não
se consegue entender porque se
tenha virtualizado a primeira
escolha do Ministério da Cultura, logo aquele gabinete onde o
PT podia entrar pisando forte.
Não se trata de adaptar-se a
uma realidade complexa. Tratou-se de dispensar a própria
identidade.
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