São Paulo, quarta-feira, 18 de dezembro de 2002

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ELIO GASPARI

Lula virtualizou a Cultura

Levando Gilberto Gil para o seu ministério, Lula deu um toque de virtualidade à administração da cultura nacional. Num governo que fala em Fome Zero, com um presidente que vive repetindo que há no Brasil 50 milhões de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia, o doce baiano saiu-se com essa:
- Não tenho uma poupança que me permita passar quatro anos ganhando R$ 8.000 por mês.
Foi absolutamente sincero. No seu padrão de vida, quebra a pessoa física. Mais: se abandonasse a infra-estrutura que sua atividade exige, quebraria a pessoa jurídica. Quando ministério não dá fortuna, é coisa que custa caro. O advogado Márcio Thomaz Bastos sabe que vai torrar uma parte do seu patrimônio para servir à Viúva no Ministério da Justiça. Já a senadora Marina Silva, futura ministra do Meio Ambiente, vive com R$ 8.000, dá uma parte ao PT e ainda lhe sobra mais do que ganhava em um ano na seringa. O doutor Henrique Meirelles teve um salário de uns R$ 500 mil por mês e gastou cerca de R$ 5 por cada um dos 183 mil votos que o elegeram deputado federal pelo PSDB goiano. Com o salário de presidente do Banco Central não conseguiria pagar nem sequer a espalhafatosa coreografia de guarda-costas que carrega consigo.
O artista informou que Lula liberou-o para fazer algo como 25 shows por ano. De certa forma, esse arranjo replica um acordo feito no primeiro governo de FFHH com Pelé. Deu errado, muito errado. Não é coisa tão esquisita quanto parece. Há ministros que, no exercício do cargo, lançam livros. Se ministros escritores podem escrever, ministros cantores podem querer cantar.
Lula foi mal porque antes de oferecer o lugar a Gil deixou que ele caísse na bacia das almas. Até pelo balcão passou. A cultura é um dos ramos da atividade nacional onde o PT e Lula sempre tiveram as mais imediatas, destacadas e gratuitas adesões. Hoje isso parece passado diante das conversões notáveis, prósperas e tardias. Houve uma época em que, além do palanque com os candidatos, o PT só tinha seus artistas. É nessa área que a nação petista reúne as mais destacadas unanimidades.
Verdadeira crocrodilagem que o nome de Gilberto Gil tenha aparecido por conta das artes da marquetagem. Ofende aquele pedaço d'alma petista que a campanha de Duda Mendonça dizia haver em todo brasileiro.
Lula e seus conselheiros lambaram numa área onde dispõem de um crédito do tamanho do sentimento do mundo. A nomeação de Gilberto Gil, mesmo sem regime de dedicação exclusiva, honra o artista, mas coloca duas questões:
1- Lula quer cotas para negros nas universidades públicas, mas, ao colocar Gil no ministério da Cultura, continuou uma escrita iniciada com a nomeação de Pelé, associando a presença negra ao entretenimento, o que é um progresso, mas é também folclore.
2- Lula parece ter levado longe demais a a banda virtual de seus convites. Ele tem dois tipos de ministros. Os que são o que são (Marina Silva e Cristovam Buarque, por exemplo) e aqueles que são aquilo que os adversários do PT gostariam que eles fossem (Antonio Palocci, Henrique Meirelles e Luiz Furlan, por exemplo).
As circunstâncias da política e as necessidades da administração podem determinar que essa seja a melhor conduta, mas não se consegue entender porque se tenha virtualizado a primeira escolha do Ministério da Cultura, logo aquele gabinete onde o PT podia entrar pisando forte. Não se trata de adaptar-se a uma realidade complexa. Tratou-se de dispensar a própria identidade.


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