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PREVIDÊNCIA
Servidor não quer privilégio, mas respeito a direitos, afirma Paulo Gil, para quem prioridade deveria ser reforma tributária
Reforma agrada a mercado, diz sindicalista
PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, Paulo Gil critica a
maneira como a reforma da Previdência vem sendo discutida pelo governo de Luiz Inácio Lula da
Silva e diz que o debate, em grande parte, tem sido dominado, assim como ocorreu no mandato de
Fernando Henrique Cardoso, pela lógica do capital financeiro.
""A correlação de forças na sociedade se altera pouco [com o
novo governo". Claro que se altera
um pouco, mas o poder do capital
financeiro ainda é muito grande, é
o que chamam de mercado", afirma o presidente do sindicato.
Representante de 16 mil sindicalizados, entre ativos, aposentados e pensionistas, Gil argumenta
que a prioridade do governo deveria ser a reforma tributária e
afirma que hoje não existe déficit
na Previdência.
"O debate [sobre a reforma previdenciária" está sendo feito por
uma lógica atravessada, e a gente
não esperava isso do novo governo", declara o presidente do sindicato. Leia trechos da entrevista.
Folha - Qual o regime previdenciário dos fiscais da Receita?
Paulo Gil - Nossa contribuição é
de 11% sobre o salário integral,
uma diferença fundamental e que
não temos visto no debate. Nem o
governo tem levantado essa questão. Outra diferença que temos
em relação à iniciativa privada é
que o empregador contribui com
uma parte. No serviço público está faltando essa contribuição do
empregador, que é a União.
Quando se calcula que tem déficit, estão esquecendo que está faltando essa parcela da União. O
debate está sendo feito por uma
lógica atravessada e a gente não
esperava isso do novo governo.
Porque o governo antigo queria
entregar à iniciativa privada a
Previdência. Havia também o
fundamentalismo do superávit
primário. A Previdência acabava
sendo um item a mais do Orçamento e, como tem de reservar o
montante para pagar a meta de
juros, tem de arrumar mais dinheiro e reduzir as despesas. É a
lógica fiscal.
Folha - A lógica do novo governo
é a mesma?
Gil - Não exclusivamente, mas
acho que tem um grande peso
ainda. Fala-se que tem de resolver
o déficit da Previdência. Não existe déficit, porque tem de computar nas receitas as contribuições
que foram criadas para isso. Se
computar R$ 45 bilhões de Cofins, quase R$ 9 bilhões de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, já não há déficit. Em 2001, teria tido um superávit de R$ 34 bilhões na Previdência. Se computar ainda a contribuição da União
que não é feita, aí é que não tem
déficit mesmo. Tem que apurar
isso. Se pegarem os desvios, dinheiro que foi para obras...
Folha - O que deveria ser feito?
Gil - Tem de haver gestão democrática, em que os trabalhadores
participem. Foi uma opção da sociedade dar alguma garantia, alguma estabilidade para o servidor
que opta pelo serviço público, que
vai passar uma vida ali, que só pode ter aquela atividade. Ele não
tem Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço, diferentemente da iniciativa privada, por exemplo.
Folha - Mas tem estabilidade.
Gil - É importante o servidor público ter a estabilidade, que se
completa com a aposentadoria
tranquila, que todo mundo deveria ter, para que ele não seja sujeito a pressões políticas. A estabilidade não teve como inspiração
ser um direito do servidor. Acaba
sendo, mas a inspiração foi ser
uma garantia para o Estado.
Folha - Com a reforma essa independência estaria comprometida?
Gil - Vai haver uma desmotivação muito grande.
Folha - Estimularia a corrupção?
Gil - Não dá para fazer essa ligação direta. Você pode não exercer
com plenitude aquilo que se espera de sua função. No caso da Receita, pode não conseguir fazer
uma investigação a contento. Mas
pode ter esse componente. Algumas garantias especiais se justificam não por serem privilégios,
mas por conta de o servidor ser
quem exercita o interesse público.
Folha - Mas isso vale também para o Ministério Público, juízes...
Gil - Claro, para todos.
Folha - Mas, se tudo isso for mantido, fica inviabilizada a reforma.
Gil - Algumas coisas da reforma
podem ser feitas.
Folha - Por exemplo?
Gil - Se há, [alterar" algumas
pensões injustificáveis. Mas não é
feliz colocar a reforma da Previdência como prioridade. Isso é
muito bom para render uma homenagem ao tal do mercado, que
pressiona. Mas dizer que isso vai
alavancar as mudanças sociais...
O alavancador vai ser a reforma
tributária, o sistema tributário
deixar de ser concentrador de
renda. Deveria começar por aí.
Folha - O sr. acha que isso é mais
uma questão política então?
Gil - O governo corre o risco de
estar fazendo uma concessão à
vontade do mercado.
Folha - O que a sua categoria estaria disposta a negociar?
Gil - Ainda não fomos chamados
para a discussão, então fica difícil
dizer. Pedimos uma audiência
com o ministro Ricardo Berzoini
[Previdência". Posso dizer o que a
categoria não está disposta a negociar: o princípio constitucional
da paridade de remuneração. Se o
ativo tiver um reajuste, o aposentado recebe também. Isso dá uma
garantia para o pleno exercício da
função para que o servidor público opte por ficar no serviço público até se aposentar. Há também a
integralidade [do último salário
como base para o pagamento".
Folha - E os direitos adquiridos?
Gil - A posição do presidente do
Supremo Tribunal Federal [Marco Aurélio de Mello" é a de que há
quebra de contrato se mudar. Nós
nos alinhamos a isso.
Folha - As pessoas optam pelo
serviço público pela aposentadoria
e pela estabilidade?
Gil - Acho que um dos atrativos
é a aposentadoria, uma remuneração razoável e a estabilidade.
Folha - A reforma pode prejudicar
o interesse pelo serviço público?
Gil - Sem dúvida. Há um esvaziamento de quadros sempre. A
receita perdeu talvez seus melhores quadros por causa dos anúncios de reforma da Previdência.
Folha - O sr. acha que o começo do
governo, com essa discussão sobre
a Previdência, está sendo bom?
Gil - Não. Está surgindo um ruído enorme. E a gente sente com
isso, porque o servidor não quer
privilégios. Queremos respeito
aos direitos e vai ficar muito ruim
se o governo estragar a relação
com os servidores logo no começo. É um equívoco tratar a reforma como está sendo tratada.
Folha - Por que a discussão está
ocorrendo dessa forma?
Gil - Acho que a correlação de
forças sociais ainda não é favorável aos trabalhadores.
Folha - Que forças estão dominando o governo agora?
Gil - Não acho que está dominado, mas o fato de Lula subir ao poder não significa que os trabalhadores subiram ao poder. Significa
que a esquerda passou a ocupar
um espaço importante no Estado.
É um governo de coalizão que não
é do PT. A correlação de forças na
sociedade se altera pouco. Claro
que se altera um pouco, mas o poder do capital financeiro ainda é
muito grande, o que chamam de
mercado.
Folha - É o capital que domina?
Gil - Ele ainda está conseguindo
assustar um pouco o governo.
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