São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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4º FÓRUM SOCIAL MUNDIAL

Palestras da "intelligentsia" européia não atraem indianos pobres, mais interessados em debater a pobreza e a discriminação

Multidão de excluídos atropela intelectuais

GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A MUMBAI

As passeatas dançantes e os grupos de discussão promovidos por milhares de excluídos asiáticos atropelaram as conferências dos intelectuais de esquerda. Esse tipo de palestra foi a marca dos três Fóruns Sociais Mundiais, ocorridos em Porto Alegre.
A "intelligentsia" está longe dos holofotes. Ontem, o francês Bernard Cassen, diretor-geral do "Le Monde Diplomatique" e presidente de honra do grupo antiglobalização Attac (Associação pela Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos), levantou-se da mesa durante uma coletiva em que os jornalistas da Ásia só faziam perguntas sobre jornais comunitários a palestrantes de seu continente. "O fórum de Porto Alegre era mais acadêmico", diz Hermílio Santos, professor de sociologia e funcionário do governo do Rio Grande do Sul.
Em Mumbai entraram em cena grupos para os quais a miséria não é um objeto de estudo, mas sim uma condição de vida -como o movimento das prostitutas de Calcutá (a sigla é DMSC), um dos maiores do mundo, e o dos trabalhadores tribais indianos.
Enquanto os seminários oficiais do fórum estão quase às moscas, as reuniões da Campanha Nacional de Direitos Humanos dos chamados "intocáveis" (a casta mais baixa da Índia) são tão concorridas que há pessoas sentadas no chão. Essas discussões ocorrem em hindi e não são traduzidas.
A coordenação do fórum estima a presença de cerca de 30 mil homens e mulheres intocáveis (de 78 mil participantes) no Nesco Ground, onde se realiza o evento.
Sérgio Haddad, presidente da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), diz que a falta de tradução simultânea faz com que os seminários e conferências oficiais, todos em inglês, fiquem esvaziados. "Há militantes brasileiros e de outros países que não conseguem participar das discussões", ressalta Regina Novaes, presidente do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas).

Falta de interesse
Há outros motivos que limitam o interesse dos excluídos pelos debates oficiais do fórum: muitas questões ali tratadas não lhes dizem respeito, e às vezes o enfoque dado aos temas não condiz com a realidade dos indianos pobres. Um exemplo são as privatizações, criticadas pelos intelectuais de esquerda. Na Índia, o problema não existe, pois não há estatais à venda. "O léxico político dessas pessoas é outro", compara Novaes.
Os movimentos de proteção à infância lutam contra o trabalho infantil, uma causa mundial, e, quase na mesma intensidade, contra o casamento de crianças, um problema localizado. Nas aldeias da Índia, onde vive 60% da população, as meninas se casam aos 11 anos. "As famílias não têm como proteger suas filhas contra raptos ou contra a violência sexual. Procuram um marido para elas e passam adiante a responsabilidade", explica John Menachery, diretor da ONG holandesa Child Helplines International. De janeiro a outubro de 2003, a ONG atendeu a 217.442 crianças.
O economista Nelson Delgado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que os excluídos asiáticos discutem temas mundiais do ponto de vista prático e sempre abordando a participação popular (uma tradição entre os indianos), a pobreza (o dia-a-dia de quase todos) e as chamadas questões de gênero, já que as mulheres são o grupo mais forte da sociedade civil organizada.


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