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"Movimento está numa sinuca de bico"
DA AGÊNCIA FOLHA
O MST entrou em refluxo a partir de maio de 2000, com a edição
da medida provisória antiinvasão, e hoje não tem força para se
opor ao governo Luiz Inácio Lula
da Silva. "O MST não tem força
para partir para o confronto. Ele é
um movimento fraco", disse o
professor da Unesp Bernardo
Mançano Fernandes, 45, mestre e
doutor em geografia pela USP e
autor de livros sobre o tema.
Para Mançano, um intelectual
respeitado entre os sem-terra, o
discurso de autonomia pregado
pelos líderes do MST está atualmente comprometido: "Como ele
ajudou a eleger este governo, ele
não vai poder agir como nos governos anteriores".
(EDS)
Agência Folha - Quais foram as
conquistas do MST nesses 20 anos?
Bernardo Mançano Fernandes -
Tirando a Contag, que é um movimento sindical, o MST é na história do Brasil o movimento camponês com o período de vida mais
longo. Outros movimentos, do
século passado, foram todos aniquilados. Completar 20 anos é
uma conquista para o movimento
e para o país, que demonstra o
amadurecimento da democracia
brasileira, mesmo desenvolvendo
uma ação que afronta e desafia a
lógica da sociedade capitalista,
que é a propriedade da terra.
Agência Folha - O MST sobreviveu, mas o sr. encara a medida provisória de 2000 que criminalizou as
invasões de terra como um golpe
duríssimo no rumo do movimento?
Mançano - A medida provisória
mudou muito o rumo do movimento. O movimento entrou em
refluxo, voltou para trás e perdeu
espaço político. Diminuíram as
ocupações de terra, aumentou o
número de prisões, o número de
famílias acampadas foi represado.
O governo queria e conseguiu encontrar um obstáculo político para o movimento. E o MST esperava que Lula a revogasse em 1º de
janeiro, o que não aconteceu.
Agência Folha - Quando foi criado, em 1984, o movimento optou
por não se oficializar. O MST acertou ao manter tal característica?
Mançano - A característica do
movimento é enfrentar aquilo
que o capital tem de mais sagrado,
que é a propriedade da terra. Portanto, se fosse uma instituição oficial, com presidente, secretário,
tesoureiro, a cada ocupação iriam
todos presos. Na época -e até
hoje- isso foi muito bem pensado. Ter o caráter informal é uma
forma de defesa.
Agência Folha - Ao mesmo tempo
pode ser visto como uma forma de
fugir da responsabilidade legal.
Mançano - No caso do MST, a
ocupação de terra é uma ação legal: acreditam que estão fazendo a
coisa certa. Vão sempre trabalhar
na informalidade, pois não trabalham nos parâmetros da sociedade capitalista. Caso contrário, o
movimento não teria completado
20 anos: estariam todos presos e
completando 20 anos na cadeia.
Agência Folha - E o momento
atual do movimento?
Mançano - O movimento refluiu
com a medida provisória e está refluindo com o governo Lula. O
MST, a sociedade e até a UDR
achavam que Lula fosse entrar e
fazer a reforma agrária. E de repente a reforma não vem. Não dá
para ir ao enfrentamento como
no governo FHC, pois o movimento ajudou a eleger Lula. O
MST fica numa sinuca de bico: se
atacar, pode perder o pouco que
pode conquistar; se ficar sem fazer nada, pode ver a reforma agrária não sair do papel. Terá agora
de negociar no dia-a-dia.
Agência Folha - E a questão da autonomia? Ela está comprometida?
Mançano - Com certeza. Como
ajudou a eleger este governo, ele
não vai poder agir como nos governos anteriores. O MST não
tem força para partir para o confronto. Ele é um movimento fraco. É importante deixar claro isso.
De vez em quando o Estado prende lideranças do movimento, e o
MST pára. O MST é um movimento que tem uma causa política forte, com apoio da sociedade,
mas é um movimento que envolve 1% da população brasileira. Ou
seja, é um movimento fraco.
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