São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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"Movimento está numa sinuca de bico"

DA AGÊNCIA FOLHA

O MST entrou em refluxo a partir de maio de 2000, com a edição da medida provisória antiinvasão, e hoje não tem força para se opor ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. "O MST não tem força para partir para o confronto. Ele é um movimento fraco", disse o professor da Unesp Bernardo Mançano Fernandes, 45, mestre e doutor em geografia pela USP e autor de livros sobre o tema.
Para Mançano, um intelectual respeitado entre os sem-terra, o discurso de autonomia pregado pelos líderes do MST está atualmente comprometido: "Como ele ajudou a eleger este governo, ele não vai poder agir como nos governos anteriores". (EDS)
 

Agência Folha - Quais foram as conquistas do MST nesses 20 anos?
Bernardo Mançano Fernandes -
Tirando a Contag, que é um movimento sindical, o MST é na história do Brasil o movimento camponês com o período de vida mais longo. Outros movimentos, do século passado, foram todos aniquilados. Completar 20 anos é uma conquista para o movimento e para o país, que demonstra o amadurecimento da democracia brasileira, mesmo desenvolvendo uma ação que afronta e desafia a lógica da sociedade capitalista, que é a propriedade da terra.

Agência Folha - O MST sobreviveu, mas o sr. encara a medida provisória de 2000 que criminalizou as invasões de terra como um golpe duríssimo no rumo do movimento?
Mançano -
A medida provisória mudou muito o rumo do movimento. O movimento entrou em refluxo, voltou para trás e perdeu espaço político. Diminuíram as ocupações de terra, aumentou o número de prisões, o número de famílias acampadas foi represado. O governo queria e conseguiu encontrar um obstáculo político para o movimento. E o MST esperava que Lula a revogasse em 1º de janeiro, o que não aconteceu.

Agência Folha - Quando foi criado, em 1984, o movimento optou por não se oficializar. O MST acertou ao manter tal característica?
Mançano -
A característica do movimento é enfrentar aquilo que o capital tem de mais sagrado, que é a propriedade da terra. Portanto, se fosse uma instituição oficial, com presidente, secretário, tesoureiro, a cada ocupação iriam todos presos. Na época -e até hoje- isso foi muito bem pensado. Ter o caráter informal é uma forma de defesa.

Agência Folha - Ao mesmo tempo pode ser visto como uma forma de fugir da responsabilidade legal.
Mançano -
No caso do MST, a ocupação de terra é uma ação legal: acreditam que estão fazendo a coisa certa. Vão sempre trabalhar na informalidade, pois não trabalham nos parâmetros da sociedade capitalista. Caso contrário, o movimento não teria completado 20 anos: estariam todos presos e completando 20 anos na cadeia.

Agência Folha - E o momento atual do movimento?
Mançano -
O movimento refluiu com a medida provisória e está refluindo com o governo Lula. O MST, a sociedade e até a UDR achavam que Lula fosse entrar e fazer a reforma agrária. E de repente a reforma não vem. Não dá para ir ao enfrentamento como no governo FHC, pois o movimento ajudou a eleger Lula. O MST fica numa sinuca de bico: se atacar, pode perder o pouco que pode conquistar; se ficar sem fazer nada, pode ver a reforma agrária não sair do papel. Terá agora de negociar no dia-a-dia.

Agência Folha - E a questão da autonomia? Ela está comprometida?
Mançano -
Com certeza. Como ajudou a eleger este governo, ele não vai poder agir como nos governos anteriores. O MST não tem força para partir para o confronto. Ele é um movimento fraco. É importante deixar claro isso. De vez em quando o Estado prende lideranças do movimento, e o MST pára. O MST é um movimento que tem uma causa política forte, com apoio da sociedade, mas é um movimento que envolve 1% da população brasileira. Ou seja, é um movimento fraco.


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