São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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PONTOS DE VISTA

"O MST está numa situação muito boa"

DA AGÊNCIA FOLHA

Ao admitir que o MST se tornou "mais político e social" e "menos corporativo e camponês" ao longo dos últimos 20 anos, o economista gaúcho e principal líder dos sem-terra, João Pedro Stedile, 50, insinua a participação do movimento no governo federal.
"Nos orgulhamos de ter entre nossos militantes muitos companheiros que hoje são ministros, prefeitos, deputados", disse, em entrevista por e-mail à Agência Folha. Ele não citou os nomes dos supostos simpatizantes ou dirigentes do MST que integram cargos no Executivo e no Legislativo.
Leia a seguir trechos da entrevista que foi concedida à Agência Folha. (EDS)
 

Agência Folha - Quando realizaram o primeiro encontro nacional, em 1984, tinham a idéia de que o movimento chegaria aos 20 anos?
João Pedro Stedile -
Quando realizamos o primeiro encontro nacional, nem um nome havia. Era apenas um encontro, para tentar dar unidade nacional a um processo de lutas localizadas e estaduais dos movimentos camponeses. A importância do encontro é que ele conseguiu mostrar que tínhamos que criar um movimento nacional, com objetivos unificados, com plataforma única. E que fosse autônomo das igrejas, dos partidos, do governo e do Estado.

Agência Folha - Entre os objetivos gerais do MST, sempre esteve o combate ao capitalismo como uma forma de enaltecer os valores socialistas. Daí que talvez venha a idéia de alguns de que o MST não quer terra, e sim a revolução. Como vocês lidam com isso?
Stedile -
Nossa base doutrinária não é sectária nem dogmática. Nós nunca nos expressamos contra o capitalismo porque alguém nos deu uma aula de que o capitalismo é perverso. O movimento sempre se expressou contra a exploração do trabalho dos camponeses. E debatemos a idéia de que a reforma agrária pode ser uma forma de eliminar a exploração.

Agência Folha - Especialistas na questão agrária dizem que o MST está hoje numa situação muito delicada, talvez a mais problemática de sua história. Isso porque, em pleno governo Lula, está sendo obrigado a recuar, não tendo força para ser oposição...
Stedile -
Ao contrário. O MST está numa situação muito boa, acho que a melhor em todos os seus 20 anos. Por quê? Porque existe uma consciência maior na sociedade da necessidade de se eliminar o latifúndio como combate à pobreza e ao desemprego. Porque já temos muita experiência e capacidade organizativa. [...]
Nunca na história do Brasil tivemos tantas famílias de pobres do campo mobilizadas como agora. Já somos quase 200 mil famílias.

Agência Folha - Quais foram as conquistas dos trabalhadores rurais sem terra nos últimos 20 anos que o sr. destaca por causa do MST?
Stedile -
Construir um movimento social organizado, autônomo, com a capacidade que tem o MST, em nível nacional, por si só é uma conquista enorme para a classe trabalhadora brasileira.
Mas evoluímos também nesses 20 anos ao compreendermos que a solução para a pobreza e para a desigualdade social que existem no meio rural não é apenas a distribuição de terras.
Precisamos democratizar o capital, organizando as agroindústrias de forma cooperativada nas mãos dos agricultores. Precisamos democratizar a educação como uma forma de levar a cidadania para a população do campo.
O MST se transformou mais social, mais político e menos corporativo, menos camponês não porque planejamos. Porque a sociedade moderna é assim.
Nos orgulhamos de ter entre nossos militantes muitos companheiros que hoje são ministros, prefeitos, deputados. Mas também nos orgulhamos de ter mais de 80 militantes em mestrado e doutorado, e centenas estudando nas universidades, alguns no exterior. É isso que preocupa as elites, elas sim, cada vez mais ignorantes, estúpidas e colonizadas.


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