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São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2003

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RORAIMA

Cimi suspeita que demarcação foi "moeda de troca" em ida de governador para PT

Indigenista vê barganha em filiação

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A filiação do governador de Roraima, Flamarion Portela (ex-PSL), ao PT, assinada ontem em Brasília na presença do ministro José Dirceu (Casa Civil), acentuou crise entre entidades indigenistas e o governo, alimentada por críticas à política indigenista nos primeiros meses da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), dom Gianfranco Masserdotti, 61, disse ontem à Folha que há "suspeitas" de que a não-homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, no nordeste de Roraima, tenha sido usada como "moeda de troca" pelo governo Lula para a filiação de Portela -adversário declarado da homologação na forma pretendida pelos indígenas.
De acordo com o Cimi, o PT teria garantido ao governo de Roraima que, antes da assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a homologação será "discutida" com o governo roraimense.
Pela lei, Lula pode assinar a medida a qualquer momento. Uma liminar que impedia o ato, parte de ação aberta pelo governo de Roraima, foi derrubada em 2002 no Superior Tribunal de Justiça.
"Agora é uma questão política, não é jurídica", confirmou o procurador da República em Boa Vista (RR) Rômulo Moreira.
Na fronteira com a Venezuela, a Raposa/Serra do Sol tem 1,6 milhão de hectares, onde vivem 12 mil índios macuxis, ingaricós e taurepangues. Há cerca de 30 anos a área é foco de disputas.
Pequenos produtores rurais que vivem na área em número de mil, segundo os índios, ou de 15 mil, de acordo com o governo de Roraima, reivindicam a demarcação "em ilhas", que representaria uma perda de 300 mil hectares para os índios, além de cidades e estradas continuarem cortando as terras. O Cimi e os índios não abrem mão da demarcação "contínua", apoiada por decretos e portarias governamentais baixados desde 1993.

Última etapa
A homologação é a última etapa do processo que garantiria as terras aos índios. A partir da publicação da medida no "Diário Oficial", todos os não indígenas deverão deixar a área.
A demora na decisão de Lula e a filiação do governador ao PT acentuaram uma crise iniciada em janeiro entre o governo Lula e as organização não governamentais. No dia 13 daquele mês, as ONGs enviaram ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a proposta de criação de um conselho de política indigenista, a ser formado por nove ministros de áreas diversas, ONGs e 12 representantes de povos indígenas.
Mal começou, a discussão sobre o conselho já acabou, por desinteresse do próprio governo federal, segundo alega o Cimi.
A entidade e outras 12 organizações não governamentais, entre as quais a Associação Brasileira de Antropologia, decidiram então convocar um seminário realizado ontem em Brasília, que levou o sugestivo nome de "Respeito aos Direitos dos Povos Indígenas". De acordo com texto de divulgação do evento, "nesses três primeiros meses de governo [os indígenas] têm sofrido com pressões, atentados e desrespeito".

Perplexidade
Em informe divulgado no último dia 13, o Cimi disse que o desempenho do governo Lula no setor causa "certa perplexidade".
O principal entusiasta da filiação de Portela foi o ministro da Casa Civil, José Dirceu.
Ainda na campanha, sem se constranger com denúncias que atingiam Portela, Dirceu foi ao horário eleitoral da televisão pedir votos ao governador.
Durante as eleições, Portela foi acusado de compactuar com a chamada "folha gafanhoto" que, segundo o Ministério Público, pode ter desviado cerca de R$ 7 milhões dos cofres públicos.
Um grupo de 20 pessoas recebeu, entre janeiro e julho, por meio de procuração, o salário que o Estado pagou a 319 servidores públicos estaduais.


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