São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2000


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JANIO DE FREITAS
Maravilha brasileira

A balbúrdia da classe dirigente brasileira não precisa de mais exemplos do que os existentes diante dos olhos de qualquer pessoa, esteja onde estiver, seja qual forem o dia e a hora. Mas, pela comicidade ou pela obtusidade, se não for simplesmente por sua vulgar indecência, às vezes é irresistível mencionar mais um exemplo.
Desta vez é o caso do pessoal necessário ao funcionamento das chamadas agências reguladoras e, em particular, o da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Esta não tem muito a ver com as outras, criadas por causa da privatização de serviços públicos e que deveriam fiscalizar a qualidade dos serviços agora privados.
Agência Nacional do Petróleo - ANP, de Energia Elétrica - Aneel, de Telecomunicações - Anatel são nomes que, coerentemente com o que essas entidades e seus felizes dirigentes têm feito, não sugerem atividade alguma. A de Vigilância Sanitária - ANSV tem a função indicada no nome, incluindo, entre muitas outras, o sério problema dos remédios no Brasil e, contra a ação escorchante dos laboratórios multinacionais, a liberação dos tais medicamentos genéricos. Só essa função já explica a atividade do lobby daqueles laboratórios contra a ANVS.
Com a eficiência inteligente que o caracteriza, o governo criou as agências e não providenciou a legislação com as regras para o seu pleno funcionamento. O Ministério do Planejamento e o Gabinete Civil ficaram três anos vetando, mutuamente, as firulas que um e outro introduziam nos projetos.
A Vigilância Sanitária passou a arranjar pessoal qualificado - ainda que o mínimo de pessoal- com a intermediação, para o pagamento, de divisões da ONU, como Unesco e Pnud. É quase inacreditável que o desleixo do governo leve a esse complicado malabarismo, mas é isso mesmo. As tarefas se acumulando e as cobranças públicas aumentando, a Vigilância decidiu fazer contratações temporárias, para isso publicando os respectivos editais e logo dando início ao processo de seleção dos técnicos e especialistas.
O Ministério Público Federal entrou com ação judicial, contra as contratações. A 7ª Vara do Distrito Federal acatou o pedido e Gonzalo Vecina Neto, diretor da agência, ficou sob determinação judicial de "promover concurso público". A insistir em contratações temporárias, é cassado, preso, multado em R$ 1.000 por dia. E deve agradecer por continuar vivo, embora com a honra posta em questão por esse trecho do juiz substituto:
"Pergunta-se: por que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária não promoveu um concurso público legítimo em vez de contratar mediante processo seletivo (...) cujo procedimento é tão complexo e demorado? Haveria outros interesses na contratação de serviço temporário para o exercício de funções próprias e típicas da autarquia?"
A agência e o réu Vecina, como as demais agências, estão convocados a "promover concurso", concurso que não pode ser promovido porque não há a legislação que, entre outros fins, o autorize e regule.
O mesmo Judiciário de Brasília, porém pela 2ª Vara, deu decisão favorável e autorizativa aos mais de cem contratados temporários pela Agência Nacional do Petróleo. A de Telecomunicações pôde continuar com suas quase 300 contratações. A de Energia Elétrica, com quase 140. E do petróleo é considerada está dedicada a tarefas tão importantes como o desejo do seu diretor, o genro David Zylberstajn, de construir (ah, como eles gostam de contratar empreiteiras e fornecedores) um prédio próprio da ANP na Urca, zona sul no Rio.
Uma trapalhada assim não poderia passar à margem do Congresso. Lá se apresentaram alguns projetos para a atividade das agências. Um deles, sobre contratação de pessoal, seria posto em votação ontem, mesmo sem completar o obrigatório percurso pelas comissões técnicas. Mas não houve parlamentares em número suficiente. A atividade que ia da tarde de terça à manhã de quinta está reduzida, agora, à quarta-feira, e olhe lá.
Então temos esta maravilha brasileira: é obrigatório um concurso que não pode ser realizado e são proibidas, para um lado, contratações que são permitidas ao outro. E a Presidência cuida de solenidades e o Congresso cuida do lazer.


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