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JANIO DE FREITAS
Maravilha brasileira
A balbúrdia da classe dirigente
brasileira não precisa de mais
exemplos do que os existentes
diante dos olhos de qualquer pessoa, esteja onde estiver, seja qual
forem o dia e a hora. Mas, pela comicidade ou pela obtusidade, se
não for simplesmente por sua vulgar indecência, às vezes é irresistível mencionar mais um exemplo.
Desta vez é o caso do pessoal necessário ao funcionamento das
chamadas agências reguladoras
e, em particular, o da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária.
Esta não tem muito a ver com as
outras, criadas por causa da privatização de serviços públicos e
que deveriam fiscalizar a qualidade dos serviços agora privados.
Agência Nacional do Petróleo -
ANP, de Energia Elétrica - Aneel,
de Telecomunicações - Anatel são
nomes que, coerentemente com o
que essas entidades e seus felizes
dirigentes têm feito, não sugerem
atividade alguma. A de Vigilância Sanitária - ANSV tem a função indicada no nome, incluindo,
entre muitas outras, o sério problema dos remédios no Brasil e,
contra a ação escorchante dos laboratórios multinacionais, a liberação dos tais medicamentos genéricos. Só essa função já explica
a atividade do lobby daqueles laboratórios contra a ANVS.
Com a eficiência inteligente que
o caracteriza, o governo criou as
agências e não providenciou a legislação com as regras para o seu
pleno funcionamento. O Ministério do Planejamento e o Gabinete
Civil ficaram três anos vetando,
mutuamente, as firulas que um e
outro introduziam nos projetos.
A Vigilância Sanitária passou a
arranjar pessoal qualificado -
ainda que o mínimo de pessoal-
com a intermediação, para o pagamento, de divisões da ONU, como Unesco e Pnud. É quase inacreditável que o desleixo do governo leve a esse complicado malabarismo, mas é isso mesmo. As
tarefas se acumulando e as cobranças públicas aumentando, a
Vigilância decidiu fazer contratações temporárias, para isso publicando os respectivos editais e logo
dando início ao processo de seleção dos técnicos e especialistas.
O Ministério Público Federal
entrou com ação judicial, contra
as contratações. A 7ª Vara do Distrito Federal acatou o pedido e
Gonzalo Vecina Neto, diretor da
agência, ficou sob determinação
judicial de "promover concurso
público". A insistir em contratações temporárias, é cassado, preso, multado em R$ 1.000 por dia.
E deve agradecer por continuar
vivo, embora com a honra posta
em questão por esse trecho do juiz
substituto:
"Pergunta-se: por que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária não promoveu um concurso
público legítimo em vez de contratar mediante processo seletivo
(...) cujo procedimento é tão complexo e demorado? Haveria outros interesses na contratação de
serviço temporário para o exercício de funções próprias e típicas
da autarquia?"
A agência e o réu Vecina, como
as demais agências, estão convocados a "promover concurso",
concurso que não pode ser promovido porque não há a legislação que, entre outros fins, o autorize e regule.
O mesmo Judiciário de Brasília,
porém pela 2ª Vara, deu decisão
favorável e autorizativa aos mais
de cem contratados temporários
pela Agência Nacional do Petróleo. A de Telecomunicações pôde
continuar com suas quase 300
contratações. A de Energia Elétrica, com quase 140. E do petróleo é
considerada está dedicada a tarefas tão importantes como o desejo
do seu diretor, o genro David
Zylberstajn, de construir (ah, como eles gostam de contratar empreiteiras e fornecedores) um prédio próprio da ANP na Urca, zona sul no Rio.
Uma trapalhada assim não poderia passar à margem do Congresso. Lá se apresentaram alguns
projetos para a atividade das
agências. Um deles, sobre contratação de pessoal, seria posto em
votação ontem, mesmo sem completar o obrigatório percurso pelas comissões técnicas. Mas não
houve parlamentares em número
suficiente. A atividade que ia da
tarde de terça à manhã de quinta
está reduzida, agora, à quarta-feira, e olhe lá.
Então temos esta maravilha
brasileira: é obrigatório um concurso que não pode ser realizado
e são proibidas, para um lado,
contratações que são permitidas
ao outro. E a Presidência cuida de
solenidades e o Congresso cuida
do lazer.
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