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MEMÓRIA
Apesar de não ter sido aprovada, emenda Dante de Oliveira levou multidões às ruas há 15 anos e mudou o país
Coalizão das Diretas-Já se desfez rápido
ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília
O Congresso derrotou a emenda
das Diretas-Já em 25 de abril de
1984 por apenas 22 votos, mas as
multidões que foram às ruas mudaram definitivamente os rumos
do país.
O Brasil se cobriu de verde e
amarelo para enterrar os anos cinzentos do regime militar. E nunca
mais foi o mesmo.
Depois de 15 anos e três eleições
diretas para presidente, o balanço
das Diretas-Já mostra que a unidade circunstancial dos palanques
dos maiores comícios da história
se desfez rapidamente.
Os dois lados (pró e contra) sofreram sucessivas derrotas.
Nas projeções que se faziam à
época, com base nos aplausos dos
milhões de pessoas que participavam de comícios no país inteiro, os
candidatos às primeiras eleições
diretas seriam Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), Leonel Brizola (PDT) e
Ulysses Guimarães (PMDB).
Os três tentaram. Nenhum chegou lá.
Hoje, Lula coleciona três derrotas em eleições presidenciais (89,
94 e 98) e Brizola, duas (89 e 94).
Lideram a oposição ao governo
de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), intelectual que virou senador em 83, dividiu os palanques
das Diretas-Já com ambos e foi
eleito (94) e reeleito (98) presidente da República.
Brizola tenta empunhar a bandeira da renúncia de FHC. Lula critica o governo sem chegar a tanto.
Do outro lado, o mais ferrenho
adversário das Diretas-Já era Paulo
Maluf (PDS), que se considerava
imbatível nas eleições indiretas em
85. Errou.
Também amargou sucessivas
derrotas em diretas -para a Presidência da República (89), governo
de São Paulo (86, 90 e 98) e prefeitura paulistana (88). Conseguiu
eleger-se, no máximo, prefeito de
São Paulo (92). Hoje, aos 67 anos,
caminha para seu ocaso político.
O regime militar derrotou as Diretas-Já, mas, no ano seguinte, o
colégio eleitoral criado por esse
mesmo regime derrotou Maluf e
elegeu Tancredo Neves.
Tancredo era um peemedebista
que governara Minas Gerais e participara dos comícios das Diretas-Já sob uma certa desconfiança do
comando do movimento. Morreu
de septicemia (infecção generalizada), sem tomar posse.
Para o autor da emenda, o hoje
governador Dante de Oliveira
(PSDB-MT), Tancredo não só foi a
todos os comícios das diretas como trabalhou efetivamente pela
aprovação da emenda. "É uma inverdade histórica e uma injustiça
política dizer o contrário."
O neto e secretário particular de
Tancredo, Aécio Neves, hoje líder
do PSDB na Câmara, ratifica:
"Quem diz que o Tancredo não
queria as diretas no mínimo desconhece a história dele. Ele foi fundamental para a mobilização".
Dante e Aécio não são apenas tucanos. São "fernandistas".
A morte de Tancredo abriu caminho para que José Sarney assumisse a Presidência, tivesse papel fundamental na Constituinte de 88 e
ficasse por cinco anos.
Ele havia sido justamente presidente do partido antidiretas, o
PDS, durante a campanha das Diretas-Já.
Sua atuação naquele momento
foi tão dúbia como é sua relação
com FHC. Ficou neutro, mas botou seu filho, deputado Zequinha
Sarney (então PDS), para votar a
favor. E se diz a favor de FHC, mas
nem sempre ajuda o governo.
Outra surpresa depois da ascensão de Sarney: o primeiro presidente eleito diretamente em 28
anos e depois da campanha das Diretas-Já, em 89, não foi nenhum
dos líderes daquele momento, nenhum político tradicional e nem
mesmo um líder popular.
Foi o ex-governador de Alagoas
Fernando Collor de Mello, que era
deputado federal em 84 e 85. Votou a favor das diretas sem se envolver com elas e depois votou em
Paulo Maluf para a Presidência,
contra Tancredo.
Seu governo teve um fim melancólico. Acossado por denúncias de
corrupção, sofreu um processo de
"impeachment" e teve seus direitos políticos cassados por oito
anos (até 2000).
Hoje, aguarda em Maceió a hora
e a forma de voltar à política. Contra FHC.
Nas eleições de 89, Collor deixou
para trás líderes e expressivos nomes das Diretas-Já: Lula, com
quem disputou o segundo turno,
Leonel Brizola, que tinha sido governador do Rio, e Mário Covas,
que fora prefeito de São Paulo pelo
PMDB e disputou a Presidência já
pelo PSDB.
Entre eles, porém, o pior resultado de 89 ficou com Ulysses Guimarães.
Aclamado pelas multidões como
"o senhor diretas", seria o candidato natural do PMDB se a emenda tivesse sido aprovada e a eleição, em seguida. Cinco anos depois, acabou em sétimo lugar.
Morreu num acidente de helicóptero sem jamais ter vencido
uma eleição majoritária. Nunca foi
prefeito, senador, governador ou
presidente.
Em compensação, o outro lado
também fez feio. Maluf ficou em
quinto lugar naquelas eleições de
89, e Aureliano Chaves, vice-presidente da República do governo
João Figueiredo, época das Diretas-Já, chegou em nono.
Maluf e Aureliano disputavam a
indicação do PDS para concorrer
ao colégio eleitoral com o coronel
Mário Andreazza, então ministro
do Interior, e o general Octávio
Medeiros, na época chefe do SNI
(Serviço Nacional de Informações).
O regime militar, o governo Figueiredo e os próprios pré-candidatos do PDS não tinham uma posição consensual em relação às diretas.
Aureliano se posicionou a favor,
abrindo uma fissura no PDS que
seria fundamental, no ano seguinte, para a vitória do peemedebista
Tancredo na eleição indireta. Maluf, Andreazza e Medeiros eram
radicalmente contrários.
Exceto Maluf, que de derrota em
derrota insistiu na vida política e
nas eleições, os demais rumaram
dali mesmo para o ostracismo.
Depois de perder a convenção do
PDS para Maluf, Andreazza abandonou a vida pública e morreu isolado. Medeiros sumiu do mapa político.
Aureliano ainda se expôs à feia
derrota de 89. Depois, passou a
consultor de engenharia e recolheu-se à sua fazenda em Santana
da Várzea, interior de Minas.
Na semana passada, aos 70 anos,
ele manifestou sua opinião sobre a
derrota das Diretas-Já.
"O Figueiredo era favorável à
emenda, mas esse não era o pensamento uniforme no regime. Havia
muito medo do Brizola, medo do
revanchismo."
Seu filho, Antônio Aureliano, foi
candidato a deputado federal pelo
PSDB em Minas, no ano passado,
mas não se elegeu.
O ex-vice-presidente logo esclarece: "Ele é PSDB e pró-Fernando
Henrique Cardoso. Eu não sou
PSDB nem Fernando Henrique
Cardoso".
Outros dissidentes do PDS ficaram contra ou em cima do muro
na campanha das diretas, mas se
tornaram decisivos para a vitória
de Tancredo e a criação do PFL.
Todos eles estão no poder, hoje,
com FHC: os então senadores
Marco Maciel (atual vice-presidente) e Jorge Bornhausen (presidente do PFL) e o baiano Antonio
Carlos Magalhães (presidente do
Senado).
ACM estava circunstancialmente
sem mandato e sem cargo. Encerrara seu segundo governo na Bahia
em março de 83 e só assumiria o
Ministério das Comunicações no
governo Sarney, em março de 85.
Sua posição, entretanto, fica clara pelo voto do seu irmão, o deputado Ângelo Magalhães (PDS),
contra a emenda das diretas.
Entre quem era contra e quem
era a favor das Diretas-Já, havia
um grupo híbrido que tentava negociar um meio-termo.
Do lado do Planalto, destacava-se o então líder do governo na Câmara, Nelson Marchezan (RS). Do
lado da oposição, o então secretário-geral do PMDB, Affonso Camargo (PR).
Marchezan foi um dos principais
articuladores da emenda que Figueiredo enviou ao Congresso no
dia 16 de abril, nove dias antes da
votação da emenda Dante de Oliveira.
Ela encurtava o mandato do presidente eleito pelo colégio eleitoral,
de seis para quatro anos, possibilitando as diretas em 88.
Dez dias atrás, num jantar com
tucanos, no Palácio da Alvorada,
FHC comentou a emenda Figueiredo com Marchezan: "Se ela tivesse sido aprovada, teríamos ganho
um tempo enorme, porque seria o
início da Constituinte".
O relato é do deputado, que foi
derrotado na disputa para o Senado em 86 e para o governo do Rio
Grande do Sul em 90. Voltou à Câmara em 95, pelo PP.
Na fusão PP-PPR, para fundar o
PPB de Paulo Maluf, Marchezan
pulou fora.
"Eu era contra o Maluf nas Diretas-Já e continuo contra até hoje.
Se ficássemos no mesmo partido,
um dos dois seria sem-vergonha",
disse. "Foi assim que acabei no
mesmo partido do Dante de Oliveira." Ambos a favor do mesmo
presidente.
Os dez governadores de oposição
foram fundamentais para a organização dos comícios: Tancredo
(MG) morreu, Brizola (RJ) está em
fim de linha, Franco Montoro (SP)
é deputado e luta pelo parlamentarismo, José Richa (PR) largou a política, e Iris Rezende (GO) convive
com denúncias de corrupção.
Os outros: Jader Barbalho (PR),
Nabor Júnior (AC), Gilberto Mestrinho (AM), Gerson Camata (ES)
e Wilson Barbosa Martins (MS).
A melhor imagem do final do regime militar é a do então comandante militar do Planalto, general
Newton Cruz, chicoteando os carros que participavam do "buzinaço" pró-diretas às vésperas da votação de 25 de abril.
Cruz tentou enveredar pela política e foi derrotado em três eleições: em 86, para deputado federal;
em 94, para o governo do Rio; em
96, para prefeito da capital.
A sua imagem mais contundente
talvez não seja assim tão popular
quanto ele pensa.
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