São Paulo, Segunda-feira, 19 de Abril de 1999
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MEMÓRIA
Apesar de não ter sido aprovada, emenda Dante de Oliveira levou multidões às ruas há 15 anos e mudou o país
Coalizão das Diretas-Já se desfez rápido

ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília

O Congresso derrotou a emenda das Diretas-Já em 25 de abril de 1984 por apenas 22 votos, mas as multidões que foram às ruas mudaram definitivamente os rumos do país.
O Brasil se cobriu de verde e amarelo para enterrar os anos cinzentos do regime militar. E nunca mais foi o mesmo.
Depois de 15 anos e três eleições diretas para presidente, o balanço das Diretas-Já mostra que a unidade circunstancial dos palanques dos maiores comícios da história se desfez rapidamente.
Os dois lados (pró e contra) sofreram sucessivas derrotas.
Nas projeções que se faziam à época, com base nos aplausos dos milhões de pessoas que participavam de comícios no país inteiro, os candidatos às primeiras eleições diretas seriam Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Leonel Brizola (PDT) e Ulysses Guimarães (PMDB).
Os três tentaram. Nenhum chegou lá.
Hoje, Lula coleciona três derrotas em eleições presidenciais (89, 94 e 98) e Brizola, duas (89 e 94).
Lideram a oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), intelectual que virou senador em 83, dividiu os palanques das Diretas-Já com ambos e foi eleito (94) e reeleito (98) presidente da República.
Brizola tenta empunhar a bandeira da renúncia de FHC. Lula critica o governo sem chegar a tanto.
Do outro lado, o mais ferrenho adversário das Diretas-Já era Paulo Maluf (PDS), que se considerava imbatível nas eleições indiretas em 85. Errou.
Também amargou sucessivas derrotas em diretas -para a Presidência da República (89), governo de São Paulo (86, 90 e 98) e prefeitura paulistana (88). Conseguiu eleger-se, no máximo, prefeito de São Paulo (92). Hoje, aos 67 anos, caminha para seu ocaso político.
O regime militar derrotou as Diretas-Já, mas, no ano seguinte, o colégio eleitoral criado por esse mesmo regime derrotou Maluf e elegeu Tancredo Neves.
Tancredo era um peemedebista que governara Minas Gerais e participara dos comícios das Diretas-Já sob uma certa desconfiança do comando do movimento. Morreu de septicemia (infecção generalizada), sem tomar posse.
Para o autor da emenda, o hoje governador Dante de Oliveira (PSDB-MT), Tancredo não só foi a todos os comícios das diretas como trabalhou efetivamente pela aprovação da emenda. "É uma inverdade histórica e uma injustiça política dizer o contrário."
O neto e secretário particular de Tancredo, Aécio Neves, hoje líder do PSDB na Câmara, ratifica: "Quem diz que o Tancredo não queria as diretas no mínimo desconhece a história dele. Ele foi fundamental para a mobilização".
Dante e Aécio não são apenas tucanos. São "fernandistas".
A morte de Tancredo abriu caminho para que José Sarney assumisse a Presidência, tivesse papel fundamental na Constituinte de 88 e ficasse por cinco anos.
Ele havia sido justamente presidente do partido antidiretas, o PDS, durante a campanha das Diretas-Já.
Sua atuação naquele momento foi tão dúbia como é sua relação com FHC. Ficou neutro, mas botou seu filho, deputado Zequinha Sarney (então PDS), para votar a favor. E se diz a favor de FHC, mas nem sempre ajuda o governo.
Outra surpresa depois da ascensão de Sarney: o primeiro presidente eleito diretamente em 28 anos e depois da campanha das Diretas-Já, em 89, não foi nenhum dos líderes daquele momento, nenhum político tradicional e nem mesmo um líder popular.
Foi o ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello, que era deputado federal em 84 e 85. Votou a favor das diretas sem se envolver com elas e depois votou em Paulo Maluf para a Presidência, contra Tancredo.
Seu governo teve um fim melancólico. Acossado por denúncias de corrupção, sofreu um processo de "impeachment" e teve seus direitos políticos cassados por oito anos (até 2000).
Hoje, aguarda em Maceió a hora e a forma de voltar à política. Contra FHC.
Nas eleições de 89, Collor deixou para trás líderes e expressivos nomes das Diretas-Já: Lula, com quem disputou o segundo turno, Leonel Brizola, que tinha sido governador do Rio, e Mário Covas, que fora prefeito de São Paulo pelo PMDB e disputou a Presidência já pelo PSDB.
Entre eles, porém, o pior resultado de 89 ficou com Ulysses Guimarães.
Aclamado pelas multidões como "o senhor diretas", seria o candidato natural do PMDB se a emenda tivesse sido aprovada e a eleição, em seguida. Cinco anos depois, acabou em sétimo lugar.
Morreu num acidente de helicóptero sem jamais ter vencido uma eleição majoritária. Nunca foi prefeito, senador, governador ou presidente.
Em compensação, o outro lado também fez feio. Maluf ficou em quinto lugar naquelas eleições de 89, e Aureliano Chaves, vice-presidente da República do governo João Figueiredo, época das Diretas-Já, chegou em nono.
Maluf e Aureliano disputavam a indicação do PDS para concorrer ao colégio eleitoral com o coronel Mário Andreazza, então ministro do Interior, e o general Octávio Medeiros, na época chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações).
O regime militar, o governo Figueiredo e os próprios pré-candidatos do PDS não tinham uma posição consensual em relação às diretas.
Aureliano se posicionou a favor, abrindo uma fissura no PDS que seria fundamental, no ano seguinte, para a vitória do peemedebista Tancredo na eleição indireta. Maluf, Andreazza e Medeiros eram radicalmente contrários.
Exceto Maluf, que de derrota em derrota insistiu na vida política e nas eleições, os demais rumaram dali mesmo para o ostracismo.
Depois de perder a convenção do PDS para Maluf, Andreazza abandonou a vida pública e morreu isolado. Medeiros sumiu do mapa político.
Aureliano ainda se expôs à feia derrota de 89. Depois, passou a consultor de engenharia e recolheu-se à sua fazenda em Santana da Várzea, interior de Minas.
Na semana passada, aos 70 anos, ele manifestou sua opinião sobre a derrota das Diretas-Já.
"O Figueiredo era favorável à emenda, mas esse não era o pensamento uniforme no regime. Havia muito medo do Brizola, medo do revanchismo."
Seu filho, Antônio Aureliano, foi candidato a deputado federal pelo PSDB em Minas, no ano passado, mas não se elegeu.
O ex-vice-presidente logo esclarece: "Ele é PSDB e pró-Fernando Henrique Cardoso. Eu não sou PSDB nem Fernando Henrique Cardoso".
Outros dissidentes do PDS ficaram contra ou em cima do muro na campanha das diretas, mas se tornaram decisivos para a vitória de Tancredo e a criação do PFL.
Todos eles estão no poder, hoje, com FHC: os então senadores Marco Maciel (atual vice-presidente) e Jorge Bornhausen (presidente do PFL) e o baiano Antonio Carlos Magalhães (presidente do Senado).
ACM estava circunstancialmente sem mandato e sem cargo. Encerrara seu segundo governo na Bahia em março de 83 e só assumiria o Ministério das Comunicações no governo Sarney, em março de 85.
Sua posição, entretanto, fica clara pelo voto do seu irmão, o deputado Ângelo Magalhães (PDS), contra a emenda das diretas.
Entre quem era contra e quem era a favor das Diretas-Já, havia um grupo híbrido que tentava negociar um meio-termo.
Do lado do Planalto, destacava-se o então líder do governo na Câmara, Nelson Marchezan (RS). Do lado da oposição, o então secretário-geral do PMDB, Affonso Camargo (PR).
Marchezan foi um dos principais articuladores da emenda que Figueiredo enviou ao Congresso no dia 16 de abril, nove dias antes da votação da emenda Dante de Oliveira.
Ela encurtava o mandato do presidente eleito pelo colégio eleitoral, de seis para quatro anos, possibilitando as diretas em 88.
Dez dias atrás, num jantar com tucanos, no Palácio da Alvorada, FHC comentou a emenda Figueiredo com Marchezan: "Se ela tivesse sido aprovada, teríamos ganho um tempo enorme, porque seria o início da Constituinte".
O relato é do deputado, que foi derrotado na disputa para o Senado em 86 e para o governo do Rio Grande do Sul em 90. Voltou à Câmara em 95, pelo PP.
Na fusão PP-PPR, para fundar o PPB de Paulo Maluf, Marchezan pulou fora.
"Eu era contra o Maluf nas Diretas-Já e continuo contra até hoje. Se ficássemos no mesmo partido, um dos dois seria sem-vergonha", disse. "Foi assim que acabei no mesmo partido do Dante de Oliveira." Ambos a favor do mesmo presidente.
Os dez governadores de oposição foram fundamentais para a organização dos comícios: Tancredo (MG) morreu, Brizola (RJ) está em fim de linha, Franco Montoro (SP) é deputado e luta pelo parlamentarismo, José Richa (PR) largou a política, e Iris Rezende (GO) convive com denúncias de corrupção.
Os outros: Jader Barbalho (PR), Nabor Júnior (AC), Gilberto Mestrinho (AM), Gerson Camata (ES) e Wilson Barbosa Martins (MS).
A melhor imagem do final do regime militar é a do então comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, chicoteando os carros que participavam do "buzinaço" pró-diretas às vésperas da votação de 25 de abril.
Cruz tentou enveredar pela política e foi derrotado em três eleições: em 86, para deputado federal; em 94, para o governo do Rio; em 96, para prefeito da capital.
A sua imagem mais contundente talvez não seja assim tão popular quanto ele pensa.


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