São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Militares podem omitir papéis

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As Forças Armadas vão usar o mesmo artifício de que se valeram no governo Itamar Franco (1992-94) para não abrir os arquivos do regime militar e entregar documentos que consideram sigilosos.
A Justiça argentina encaminhou ao STF (Supremo Tribunal Federal) um pedido de informações, em forma de questionário, sobre a existência da Operação Condor no Brasil. A primeira pergunta do juiz argentino Cláudio Bonadio é bem específica: se efetivamente existiu o "Plano Condor". A Folha apurou junto a oficiais das três Forças que, no Brasil, "só por acidente" deve aparecer algum documento com essa denominação.
A expressão foi criada no Chile e era de uso comum naquele país e na Argentina. No Brasil, os documentos sigilosos sobre as ações conjuntas com outros países não citavam a expressão "Condor".
Por isso, a resposta dos centros de informação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ao juiz Bonadio deve ser que "nada consta". Ficando sem resposta a primeira pergunta, outras três ficariam, como se diz no jargão jurídico, automaticamente "prejudicadas". Elas foram feitas como sequência lógica da primeira.
Para obter resposta não evasiva, o juiz argentino teria de refazer as perguntas -sem usar a expressão "Condor"- e recomeçar todo o processo da carta rogatória: encaminhá-la ao governo argentino e dali à embaixada em Brasília, desta ao Itamaraty, depois ao STF, que pede parecer à Procuradoria Geral da República.
Em caso de decisão positiva do Supremo, as perguntas seriam repassadas à AGU (Advocacia Geral da União) para nova pesquisa junto à Abin (Agência Brasileira de Inteligência), à Polícia Federal e às Forças Armadas.
No governo Itamar, o então ministro Maurício Corrêa (Justiça) foi instruído a iniciar um processo de coleta de informações para que uma comissão especial indenizasse as famílias dos mortos e desaparecidos políticos.
Corrêa solicitou informações às três Forças. Os militares interpretaram que o pedido não incluía documentos sigilosos e despejaram sobre a mesa do ex-ministro dezenas de cópias de reportagens sobre operações realizadas no regime militar (1964-85), mas nada sobre o paradeiro das vítimas.
"Elas (Forças Armadas) não mandaram nada. Não pedimos novamente porque o presidente Itamar depois desistiu de levar o assunto adiante", disse Corrêa, hoje ministro do STF. As indenizações foram efetivadas no governo Fernando Henrique Cardoso.
A Folha apurou que até terça a PF não tinha recebido nenhum ofício ou requerimento para que levantasse em seus arquivos os indícios da Operação Condor.
O ministro da Justiça, José Gregori, atribuiu o problema à burocracia interna, segundo sua assessoria, e ficou de mandar anteontem o pedido de informações.
O advogado-geral da União, Gilmar Ferreira Mendes, deu prazo até o dia 25 para que a PF, a Abin e as Forças Armadas respondam sobre a existência ou não de documentos sobre o caso.
O Exército afirmou que seus arquivos são descentralizados e que não sabe ainda como poderia identificar possíveis documentos em tão pouco tempo. Também se vale da lei 8.159/91, que trata da política nacional de arquivos públicos, e que limita a divulgação de documentos sigilosos.
(RUI NOGUEIRA e WILLIAM FRANÇA)


Texto Anterior: Presidente sente indisposição
Próximo Texto: Entenda a polêmica
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.