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MUDANÇA E CONFLITO
Fundação Perseu Abramo trata ortodoxia liberal da Fazenda como definitiva e ideológica, e não transitória
Palocci aprofunda Malan, diz centro petista
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As diretrizes de política econômica apresentadas pelo ministro
Antonio Palocci Filho (Fazenda)
significam mais que um "mero
continuísmo" -trata-se, na verdade, de um "aprofundamento"
da linha seguida por seu antecessor, Pedro Malan.
A análise, em tom que nada tem
de raivoso ou panfletário, é do boletim de maio da Fundação Perseu Abramo, centro de estudos
políticos mantido pelo PT. Com
um apelo por mais debate, o texto
aborda premissas e consequências das opções abraçadas pelo
"companheiro Palocci".
O tema principal é o já célebre
documento "Política Econômica
e Reformas Estruturais", calhamaço de 95 páginas divulgado pela Fazenda no mês passado que,
contrariando a visão histórica do
PT, traça o caminho do desenvolvimento pelo "ajuste definitivo
das contas públicas".
"É simplificador classificar de
mero continuísmo a estratégia
apresentada em relação à política
econômica do governo anterior.
O mais rigoroso é dizer, como o
próprio ministro Palocci tem indicado, que se trata de um aprofundamento e mudanças no interior de uma mesma racionalidade", diz o boletim petista.
Por "mesma racionalidade",
leia-se a política do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, em que o objetivo principal
foi deter o crescimento da dívida
pública por meio de sucessivos
superávits fiscais primários (sobras de caixa para o pagamento
de juros).
Palocci, de fato, se comprometeu a manter os superávits em nível ainda mais elevado (de 4,25%
do PIB, contra 3,75% no final do
período FHC) até o final do mandato do presidente Lula.
Ortodoxia definitiva
Mesmo com a ressalva de que
Palocci, ao contrário de Malan,
não rejeita iniciativas como uma
política industrial mais intervencionista, o texto evidencia algo
que é tratado a meias palavras no
governo: mais do que uma estratégia transitória ou emergencial, a
ortodoxia de Palocci parece definitiva -e ideológica.
O ideário liberal, aponta-se, embasa o documento da Fazenda, seja no "teor argumentativo", seja
na "bibliografia utilizada e citada": "Ele passa por alto pelos
grandes diálogos críticos, pelas
grandes tradições interpretativas
do Brasil, clássicas e recentes, por
escolas as mais variadas do pensamento econômico internacional e
nacional".
"O seu grande diálogo é, na verdade, consigo mesmo", conclui o
boletim, que cobra um debate
mais aberto por alternativas. "Os
primeiros meses do governo Lula
mostraram algumas atitudes, felizmente não dominantes no debate partidário, que negam a própria possibilidade do debate."
Critica-se a omissão da Fazenda
em relação a compromissos de
campanha de Lula, como dobrar
o salário mínimo, melhorar saúde
e educação, ampliar a reforma
agrária. "O documento deveria
deixar claro que tais objetivos não
seriam alcançados no período
abarcado ou teriam suas metas
fortemente reduzidas."
Conclui-se que o governo busca
"um caminho de baixa intensidade de conflito com as forças políticas e econômicas que sustentaram o governo FHC". Em tom de
advertência, aponta-se que foi comum, nas últimas décadas, "o
fracasso de governos eleitos com
promessas de mudanças profundas e que foram progressivamente imobilizados por racionalidades continuístas".
O texto não retrata a visão oficial do PT, nem esse é o papel da
Fundação Perseu Abramo, apesar
de sua importância no partido
-basta dizer que até março a entidade era presidida pelo ministro
Luiz Dulci (Secretaria Geral da
Presidência), substituído pelo deputado estadual paulista Hamilton Pereira.
Mas o estudo explicita que o
mal-estar em relação à política de
Palocci não atinge apenas um
grupelho de radicais: "Há uma
polêmica pública na sociedade,
nas bases do governo e no próprio PT", diz o boletim mensal,
elaborado pelo cientista político
Juarez Guimarães, companheiro
de Dulci no PT mineiro.
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