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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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MOHAMED EL-ERIAN

Americano cuida da área de emergentes de empresa dos EUA e direciona recursos para o país

Investidor se diz "feliz" em pôr dinheiro no Brasil

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

O gráfico que rastreia o risco-país decerto virou motivo de comemoração em Brasília, mas o nova-iorquino Mohamed El-Erian tem boas razões para partilhar um bocado da festa.
El-Erian, 44, trabalha na Pimco (Pacific Investment Management Company), a maior gerenciadora de investimentos em títulos do mundo, responsável pelo destino de mais de US$ 300 bilhões.
Na empresa californiana, é ele quem cuida da área de mercados emergentes. Ou seja, olha para países como o Brasil, do qual investidores cobram significativo prêmio de risco para emprestar seu dinheiro e do qual fogem ao menor sinal de problema.
No ano passado, El-Erian desconsiderou um desses sinais de problema -a eleição brasileira.
Enquanto investidores tentavam se livrar dos títulos do país e falavam que investir no Brasil era como apostar num cassino, ele não só segurou seus papéis brasileiros como aproveitou para comprar mais.
"Nós fomos felizes de aumentar nossa exposição [a papéis brasileiros] enquanto outros estavam vendendo", diz El-Erian, um descendente de egípcios que fez carreira de 14 anos no FMI (Fundo Monetário Internacional), de onde saiu em 1997.
Felicidade, no caso, pode ser traduzida por 20,1%, a rentabilidade que os fundos que gerencia tiveram neste ano.
Em suas mãos estão cinco dos dez fundos para emergentes que mais ganharam nos quatro primeiros meses do ano.
Com a mudança de ventos para tais mercados, cada vez mais gente tem aplicado nesses países, e os US$ 927 milhões diretamente sob seu cuidado são mais que o dobro do volume que tinha no ano passado -além desse dinheiro, do qual é o gerente direto, El-Erian também direciona investimentos de outros fundos em emergentes.
O Brasil é o destino mais comum para suas aplicações: 26% de sua carteira de investimentos é usada para comprar dívida do país. México, com 19%, e Rússia, com 18%, vêm a seguir.
Em agosto passado, quando o FMI preparava US$ 30 bilhões para entregar ao Brasil no maior pacote de ajuda de sua história, El-Erian estava com sua mulher no Alasca, aproveitando as férias.
Lá, escreveu em artigo para clientes da Pimco, aprendeu com guardas florestais que intervenções no curso natural da história, embora devam ser mínimas, às vezes se mostram necessárias. Ao voltar, citou a situação de um incêndio causado por um raio numa floresta e o momento vivido pelo Brasil à época para concluir que o pacote era bem-vindo -avaliação contrária à que fizera no caso argentino um ano antes.
Agora, volta a usar a natureza para explicar o que pensa dos mercados emergentes da América Latina. Enquanto gente do peso do vice-presidente do Citigroup, William Rhodes, diz que o otimismo pode estar passando do ponto, El-Erian indica que tal conclusão vale apenas em parte e diz que é chegado o momento de os investidores separarem os países de acordo com seus méritos.
"Pense numa grande maré subindo. Inicialmente, ela levanta todos os botes. Com o tempo, botes com buracos param de subir. Os sólidos continuam subindo", afirma o investidor, que coloca o Brasil no segundo grupo.
Leia os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual é a posição de seus investimentos hoje na América Latina?
Mohamed El-Erian -
Supervisionamos US$ 11 bilhões em títulos de mercados emergentes. Nosso fundo de investimento baseado nos Estados Unidos cresceu de US$ 440 milhões no começo do ano para US$ 1,072 bilhão. Sua versão off-shore também está tendo crescimento firme e agora soma US$ 132 milhões, comparados a US$ 47 milhões no começo do ano. Então, em ambos os casos, houve duplicação do investimento sob nosso gerenciamento.
Em termos de nossa exposição na América Latina, consistentemente com nossa avaliação dos fundamentos, estamos acima da recomendação [corrente no mercado] no Brasil, na Colômbia, no México, no Panamá e no Peru. Estamos abaixo na Argentina, no Uruguai e na Venezuela.

Folha - Em que vocês investem no Brasil?
El-Erian -
Nossas aplicações no Brasil são um tanto diversificadas, refletindo várias considerações como a atratividade dos títulos, possíveis mudanças nas curvas [de rendimento] e as condições técnicas do mercado.
Nós vemos um interesse crescente pelo Brasil depois da saída desordenada -e, na nossa opinião, excessiva- do ano passado. Isso foi ilustrado mais recentemente pelo largo interesse dos investidores pelos novos títulos emitidos, vencendo em 2007.
O Banco Central e o ministério têm feito um trabalho muito bom em disseminar informação para uma base crescente de investidores.
Como resultado, investidores de outros setores estão aumentando sua exposição no Brasil, suplementando o efeito de investidores dedicados a isso.

Folha - Como o sr. procedeu durante o período da eleição?
El-Erian -
Nós fomos felizes em aumentar nossa exposição no Brasil no verão passado [meados de 2002] enquanto outros estavam vendendo. A decisão refletiu a visão de que as instituições brasileiras e o processo de tomada de decisões eram fortes o suficiente para aguentar a pressão do barulho político e a saída dos bancos do mercado de crédito -essa última em reação também às perdas que tiveram com a Enron, a WorldCom e a Argentina. Temos continuado a comprar Brasil de acordo com os influxos que recebemos em nossos fundos.

Folha - Há discussão no Brasil sobre os efeitos da valorização do real para o ajuste das contas externas e, claro, o efeito que isso pode ter na visão dos investidores. É possível que isso se torne um buraco para o Brasil?
El-Erian -
Animadoramente, o debate no Brasil mudou de questões sobre sustentabilidade do débito para desafios de gerenciar sucessos. Um elemento aqui é valorização da moeda.
Nos níveis atuais, o real não ameaça de maneira significativa as contas externas, especialmente se o governo progredir em reformas estruturais que tenham o objetivo de melhorar a poupança doméstica e melhorar a competitividade. Enquanto isso, ajuda no front da inflação e facilita um corte nas taxas de juros consistente com as expectativas de inflação e de novos fluxos de capital.

Folha - Os ganhos de fundos que investem na América Latina podem estar chegando ao fim?
El-Erian -
Os ganhos têm sido dirigidos por dois fatores.
Primeiro, e mais importante, melhoras significativas na avaliação de crédito devido a políticas adequadas; esse é particularmente o caso do Brasil.
O segundo fator, que também agiu para generalizar a corrida para virtualmente todos os países da América Latina, é o forte fluxo de fundos com novos investidores para os mercados emergentes. Esse fluxo reflete fatores tanto de repulsão quanto de atração: as melhoras políticas têm puxado grandes investidores, enquanto as baixas taxas de juros no países industrializados têm empurrado os fundos a procurar os retornos mais altos da América Latina.
Acreditamos que ambos os fatores seguem em vigor, resultando em mais ganhos. Dito isso, também acreditamos que haverá grande diferenciação, com países como a Venezuela sendo incapazes de seguir participando dos ganhos por causa de suas fraquezas.
Pense numa grande maré subindo. Inicialmente, ela levanta todos os botes. Com o tempo, botes com buracos -países com problemas em seus fundamentos como a Argentina e a Venezuela- param de subir. Os botes sólidos -como Brasil e México- continuam subindo com a maré.

Folha - Quanto tempo vai durar esta maré?
El-Erian -
Há dois componentes. O primeiro é sustentável e reflete uma realocação estrutural de renda variável para renda fixa e, dentro da renda fixa, para os títulos de mercados emergentes. O segundo vai ser invertido em algum momento e é dirigido pelos fundos de "hedge", aproveitando o que é conhecido como "momentum trade" -pode ser facilmente mudado. No final, o primeiro efeito é muito mais importante do que o segundo, resultando num aumento da base de investidores em dívida latino-americana.

Folha - Como os mercados vão ser separados?
El-Erian -
Os barcos sólidos na América Latina se dividem em dois grupos. O primeiro tem volatilidade relativamente baixa e créditos de mais baixa rentabilidade como México e Panamá. O segundo grupo inclui os mais voláteis, mas de maior rentabilidade, como Brasil, Colômbia e Peru. Há um terceiro grupo no qual os investidores enfrentam um risco significativo de colapso nos valores. Inclui Argentina e Venezuela.

Folha - Quais os problemas dos países com "buracos"?
El-Erian -
O valor dos investimentos venezuelanos tem risco significativo de queda por causa das fracas instituições, do déficit fiscal persistente, o impacto negativo do controle de capitais, a contração da economia não-petrolífera e a fraca situação do sistema bancário. Todas essas fraquezas estão agora sendo mascaradas por preços relativamente altos do petróleo e um foco excessivo dos investidores em possíveis transições políticas.

Folha - O sr. diz que a Argentina é um dos países com "buracos" e não investe lá. Mas algumas pessoas acham que o país já está no pós-crise. Por que seria tão arriscado ter investimentos por lá atualmente?
El-Erian -
A Argentina está no começo de um processo muito delicado de recuperação. Para o processo continuar e construir o "momentum" necessário, o novo governo precisará tomar ações políticas sustentadas e fortes. Também vai precisar começar a normalizar suas relações com investidores. São passos importantes, com o foco inicial sendo melhorar as condições domésticas. Estamos avaliando se o novo governo quer e pode embarcar e continuar no que será uma viagem desafiadora.


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