São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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ALOIZIO MERCADANTE

Líder critica meta de inflação de 2005, mas diz que superávits permitem modelo próprio de desenvolvimento

Governo Lula reverte lógica da receita neoliberal, diz senador

MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO

É curiosa a natureza da relação do senador e economista Aloizio Mercadante com o poder.
Por pertencer ao núcleo histórico do PT e ser líder do governo no Senado, divide com ele o ônus de administrar o país.
No entanto, como parlamentar, não influi diretamente na orientação econômica do ministro Antonio Palocci (Fazenda), da qual discorda em vários aspectos.
Em entrevista à Folha, Mercadante, 50, reforçou os dois aspectos de seu cargo. Disse que há uma forte retomada econômica e que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva já "conseguiu reverter a lógica do modelo neoliberal" ao virar a balança comercial e reduzir a dependência externa do país de capitais externos. No entanto, criticou a decisão do CMN de manter a meta de inflação de 4,5% para 2005 e, contrariando entrevista recente de Palocci ao "Financial Times", negou que o governo estude encaminhar projeto de autonomia do BC no ano que vem.

 

Folha - O sr. defendia, desde o começo do ano, a flexibilização da meta de inflação de 2005. O Conselho Monetário Nacional rejeitou sua proposta. E agora?
Aloizio Mercadante
- Torço para estar errado, mas a decisão pode prejudicar a sustentação do crescimento para o ano que vem. Já não cumprimos a meta neste ano, não faz sentido tornar a do próximo ano ainda mais rígida. O mercado já projeta uma inflação de 6,5% para os próximos 12 meses. O limite da banda é de 7% [para 2005], e já estamos muito próximos disso. Já há um choque de oferta em virtude da cotação do petróleo, o Fed [o banco central dos EUA] deve começar a elevar os juros, e o crescimento chinês deve desacelerar. Seria muito ruim se tivermos que voltar a elevar os juros em 2005.

Folha - A economia dá sinais de recuperação, mas ainda há dúvidas sobre os custos do remédio adotado, sobre a abrangência e sobre o fôlego da retomada.
Mercadante
- Assumimos o governo num cenário macroeconômico extremamente adverso. Tínhamos uma desvalorização muito brusca do real, o país estava sem crédito e a taxa de risco-país praticamente inviabilizava o financiamento externo. A dívida pública atingia um patamar que dificultava muito qualquer margem de manobra na política monetária, na taxa de juros. O perfil da dívida era muito ruim. Havia um volume muito grande da dívida indexada ao dólar e, evidentemente, não havia muita margem de manobra para construir uma política econômica que não fosse a de fazer um ajuste severo, com elevado custo social, econômico e político. No entanto, o custo foi menor do que o de qualquer outra aventura que pudesse ser tentada naquele cenário.
Nós estamos conseguindo reverter a lógica do modelo neoliberal. O Consenso de Washington estava baseado na idéia da privatização, da desregulamentação, do Estado mínimo e num processo de inserção passiva do país na economia globalizada, que se dava por meio de um déficit na conta de transações correntes extremamente elevado, que gerava privatização e desnacionalização da economia. Você era obrigado a vender patrimônio público e gerava um passivo externo dolarizado que, em oito anos, aumentou em mais de US$ 200 bilhões.

Folha - O economista João Sayad diz que a recuperação econômica está e ficará concentrada no setor exportador enquanto os juros internos continuarem altos. O sr. concorda?
Mercadante
- Não. A retomada começou pelo setor exportador, mas agora você tem uma reação forte do conjunto da economia. A recuperação está se espalhando agora para praticamente todas as regiões do país e para praticamente todos os setores da indústria. É preciso entender que o ponto fundamental desse processo foi a superação da vulnerabilidade externa. Estamos batendo recordes de exportação e de superávit comercial, mesmo com as importações crescendo.

Folha - Quais são os sinais de que esse dinamismo está contaminando o resto da economia?
Mercadante
- Os bens de consumo durável tiveram um crescimento de 21,5% no primeiro semestre. As vendas internas de veículos nesses seis meses foram 35% superiores às de igual período do ano passado. Os setores de semiduráveis e de não-duráveis tiveram um crescimento de 1,3% nos cinco meses. Esses setores historicamente entram de forma tardia no processo de recuperação. Mas entram, como resultado do aumento do nível de emprego e da massa salarial. O crescimento do emprego também é inequívoco. As vendas internas cresceram agora 10% neste mês, mostrando que continuam fortes. O avanço também resulta de programas do governo como o de empréstimos vinculados à folha de pagamento, que já atinge R$ 2,5 bilhões.

Folha- Qual é o fôlego desse crescimento?
Mercadante
- Essa é a grande questão. O desafio é a sustentabilidade desse crescimento. Os índices de ocupação da capacidade produtiva da indústria estão atingindo 83%. Alguns setores, como os de papel e papelão e o de siderurgia, já bateram no teto da capacidade instalada. É muito importante que os investimentos venham logo para que haja oferta de produtos. Caso contrário, haverá pressão inflacionária, o que exigiria a desaceleração do processo de recuperação, o que não é bom para o país. Daí a importância que eu dava à mudança da meta de inflação em 2005. O grande debate que o Brasil precisa fazer é como crescer e como sustentar o crescimento. Essa é a nova agenda. Alguns outros pontos têm que entrar no debate. O país tem registrado no Banco Central US$ 86 bilhões de dinheiro de brasileiros no exterior, que saíram contabilizados e comunicados ao Banco Central. E estudos de bancos privados mostram que pelo menos um volume igual foi transferido sem registro. Então, estamos falando de algo em torno de US$ 180 bilhões a US$ 200 bilhões de brasileiros no exterior. Precisamos pensar em estímulos para trazer ao menos parte desses recursos de volta, como o México e a Itália já fizeram. Uma outra questão: temos hoje mais ou menos uns R$ 80 bilhões no "overnight". É um dinheiro praticamente sem risco, com uma taxa de juros muito alta, para um prazo muito curto. Precisamos dar algum tipo de estímulo fiscal para alongar essas aplicações.

Folha - Segundo os críticos das PPPs (Parcerias Público-Privadas), o projeto elaborado pelo governo conflita com as leis de Responsabilidade Fiscal e de Licitações.
Mercadante
- As PPPs são indispensáveis porque a logística nacional é insuficiente para acompanhar o ritmo do aumento da produção agrícola industrial, sobretudo à voltada às exportações. Estamos com o saldo comercial crescendo 24% neste ano, enquanto o comércio mundial cresce 2,5%. Precisamos de infra-estrutura e de investimento de longo prazo. O setor privado não os faz e o setor público não tem condições de fazê-los.

Folha - O problema é definir quem vai pagar a conta.
Mercadante
- A PPP permite que o Estado dê garantias ao setor privado, mas respeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Estamos falando de investimentos de 35 anos, de 40 anos num patrimônio que é público e que vai voltar para o Estado depois desses prazos. Durante esse período, a remuneração do investimento é insuficiente se for feita simplesmente pelos consumidores. Então, o Estado tem que suprir, complementar essa remuneração. Essa é a idéia do Fundo Garantidor, que seria administrado pelo BNDESPar. Esse Fundo Garantidor seria composto por ativos que o Estado antecipa. Portanto, é compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal porque estaríamos colocando agora os ativos que vão dar garantia para aquele compromisso futuro.

Folha - Consta que o ministro Antonio Palocci defende a exigência de unanimidade para aprovação dos projetos dentro do conselho encarregado de selecionar as obras das PPPs. Palocci estaria buscando o poder de veto.
Mercadante
- Estamos fazendo um Conselho Gestor para uma lei que vai acompanhar os investimentos por 30 ou 40 anos. Acho saudável esse tipo de preocupação, mas não há nenhuma instância do Estado brasileiro na qual a unanimidade seja pré-condição. Nenhuma instância, nenhuma, nenhuma. Todas as câmaras, todos os conselhos, todos os processos de definição são feitos por maioria. As PPPs são um investimento privado e, como todo investimento privado, têm um risco. Agora, é um risco com responsabilidade pública, para viabilizar o investimento e dar equilíbrio contratual. Não é possível transferir todo o risco do investimento para o Estado. Se fosse assim, o Estado faria o investimento. Ele não o faz porque não tem condições.

Folha - Em entrevista ao "Financial Times", o ministro Palocci disse que o governo encaminharia em 2005 o projeto de autonomia do BC.
Mercadante
- Não há nenhuma discussão sobre esse tema no momento. Dentro do parlamento não existe, e não conheço essa discussão dentro do governo. Não tenho informação sobre isso.


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