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CRISE FEDERAL
Policiais "grampeiam' conversa de diretor do órgão com funcionária que investiga setor de entorpecentes
Espionagem "ronda" o comando da PF
LUCAS FIGUEIREDO
da Sucursal de Brasília
Escuta telefônica em ligações do
diretor da Polícia Federal, Vicente
Chelotti, poderes paralelos no órgão criados a partir de nomeações
políticas e a suspeita de implicação
de policiais que combatem o narcotráfico em assassinato revelam a
verdadeira crise na instituição.
Integrantes da PF "grampearam", no início do ano, telefonemas de Chelotti com uma funcionária do órgão envolvida na apuração de possíveis desvios no setor
de combate ao narcotráfico.
A existência da gravação foi
"vazada" para pessoas de fora e
de dentro do PF com o objetivo de
intimidar Chelotti, que apoiava
investigação interna na DRE (Divisão de Repressão a Entorpecentes), controlada politicamente pelo senador Romeu Tuma
(PFL-SP), diretor da Polícia Federal por sete anos (85-93).
O "grampo", feito cinco meses
antes de estourar a recente crise na
Polícia Federal, revela que a instituição transformou-se numa estrutura de poderes paralelos, com
feudos alimentados por nomeações políticas, não controladas pelo Ministério da Justiça.
Mostra também que a crise na
PF está longe de resumir-se à atual
disputa política entre o órgão e o
Ministério Público. A seguir, a história da divisão na PF, apurada pela Folha nos últimos 15 dias, que
tem como personagens centrais (e
opostos) Chelotti e Tuma.
O "GRAMPO"
A cúpula da PF avalia que a DRE
tornou-se, na última década, uma
estrutura paralela dentro do órgão. Suspeita-se que o excesso de
autonomia da divisão em ações de
combate ao narcotráfico facilita o
desvio de conduta de alguns de
seus integrantes. Dois agentes da
divisão são suspeitos, por exemplo, de terem assassinado o traficante Paulo Sércius, numa operação de "queima de arquivo".
Sércius foi achado morto em seu
apartamento no bairro de Moema,
em São Paulo, com um tiro abaixo
da axila esquerda, em dezembro
de 95, um mês antes de depor.
O traficante recebeu depósitos
de US$ 2 milhões de uma rede de
narcotráfico ligada à máfia italiana
(a mesma que mandou dinheiro
para PC Farias em bancos europeus e da América Latina).
Esperava-se que o depoimento
do traficante pudesse revelar a
participação de policiais federais
no tráfico de entorpecentes, no
crime organizado e na "armação"
de falsos flagrantes de porte de
drogas para extorquir criminosos,
prática conhecida no jargão policial pela expressão "ai, ai, Jesus".
O caso Sércius é investigado pela
DCOIE (Divisão de Crimes Organizados e Inquéritos Especiais) há
mais de um ano. Diante dessa e de
outras suspeitas que recaem sobre
policiais do setor de combate ao
narcotráfico, Chelotti utilizava
dois agentes e uma funcionária
administrativa que trabalhavam
na DRE para checar possíveis desvios na divisão.
Uma das conversas telefônicas
de Chelotti com a funcionária
"infiltrada" na DRE foi gravada
pelo núcleo de inteligência da divisão, que, entre outras funções,
promove escuta de ligações de policiais que atuam na repressão ao
narcotráfico.
O "grampo" acabou revelando
conversas íntimas de Chelotti com
a funcionária e a investigação interna na DRE, que desde 95 é comandada por Marco Antônio Cavaleiro, apadrinhado político do
senador Romeu Tuma.
A existência da gravação e seu
conteúdo foram "vazados" para
policiais de outros setores e pessoas de fora dos quadros da PF que
fazem oposição à gestão de Chelotti. Na avaliação reservada de integrantes da cúpula da PF, o "vazamento" tem o objetivo de intimidar Chelotti, responsável direto
pela investigação interna na DRE.
OS CENTROS DE GRAVAÇÃO
A Polícia Federal já nasceu de um
desvio: o interesse dos militares
em fortalecer a segurança do Estado e a ordem social no início do
regime autoritário (64-85). Assim,
enquanto durou o regime militar,
os chefes da PF foram escolhidos
entre membros da caserna. Somente no início da redemocratização é que um civil assumiu o posto
(Tuma), inaugurando a fase de
poderes paralelos na instituição.
Desde o início de sua gestão, Tuma foi visto em setores militares
como um parceiro ideal. A harmonia com o extinto SNI (Serviço
Nacional de Informações), extinto
em 90, já vinha desde o regime militar, quando Tuma comandava o
Dops (Departamento de Ordem
Política e Social) da Polícia Civil de
São Paulo.
Nomeado diretor da PF em 85,
com o aval de setores militares,
Tuma deslanchou um processo
que culminou com a transformação da Divisão de Repressão a Entorpecentes, baseada em Brasília,
em um poder quase independente
dentro da instituição.
O primeiro passo foi dotar a
DRE de uma estrutura de investigação própria. A divisão passou a
ter escritórios próprios nos Estados, que atuavam de forma independente em relação às delegacias
de repressão a entorpecentes.
Os escritórios regionais da DRE
tinham seus próprios centros de
gravação (salas de onde são feitas
escutas telefônicas), montados
com dinheiro da DEA (sigla em inglês da agência norte-americana
de combate às drogas).
A autonomia chegou a tal nível
que a divisão passou a descumprir
normas da PF que determinam
que todas as atividades sigilosas
sejam planejadas e monitoradas
por órgãos internos.
Ou seja, a DRE passou a controlar, de Brasília, operações sigilosas
em todo o país sem, muitas vezes,
o conhecimento efetivo da direção
da PF ou dos superintendentes regionais. Como símbolo desse poder paralelo, a DRE passou a adotar um emblema próprio, com o
desenho de uma águia.
Por pressão de delegados de outras áreas, depois de uma década
de atuação praticamente independente, a DRE começou a ser enquadrada em 95, no início da gestão de Chelotti, inclusive com a
eliminação paulatina do emblema
da divisão colocado em carros oficiais e impressos.
Um desses delegados contrários
à forma de atuação da DRE era
Marcelo Itagiba, que atualmente
chefia o setor de repressão a entorpecentes em São Paulo.
Um ano depois de participar
junto com Chelotti, em 94, das
discussões para preparação do capítulo sobre segurança pública do
programa "Mãos à Obra", do então candidato a presidente Fernando Henrique Cardoso, Itagiba
recebeu a tarefa de ajudar a desmontar os centros de gravação da
DRE e enquadrar a divisão.
A função lhe valeu uma disputa
com o então recém-nomeado chefe da DRE e apadrinhado de Tuma, Marco Antônio Cavaleiro.
No auge da rixa, Itagiba, que trabalhava no CI (Centro de Inteligência), e Cavaleiro tiveram uma
discussão na garagem da sede do
Departamento de Polícia Federal,
um edifício de vidros escuros no
setor de autarquias de Brasília.
A discussão chegou a ser anotada no livro de ocorrências do
plantão. Resultado: a DRE perdeu
seus centros de gravação -que
funcionam hoje no Centro de Dados Operacionais, um órgão discretíssimo da PF que atua em parceria com a CIA (serviço de inteligência do EUA). Mas Cavaleiro
continua no comando da DRE,
ainda com bastante autonomia,
proporcionada pelo poder de influência de Tuma na instituição.
Autonomia e força, já que, por
interferência de Tuma, Cavaleiro
se livrou de duas tentativas de
Chelotti de tirá-lo da representação da PF no recém-extinto Conselho Federal de Entorpecentes.
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