São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002

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CELSO PINTO

O choque dos preços públicos

Em sete anos, do início de 1995 ao final do ano passado, os preços administrados subiram, em média, 178%, mais do que o dobro do aumento da inflação medida pelo IPCA, de 78%. O campeão de aumentos foi o telefone fixo, que subiu 445%, seguido pelo gás de bujão, com 347%, pela gasolina, com 222%, e pela energia elétrica residencial, com 202%.
É um salto impressionante. O peso desses preços administrados no bolso do consumidor dobrou. Eles respondiam por 15% do IPCA, em janeiro de 95, e hoje passaram para 30,5%.
Foram duas as razões principais para esse enorme ajuste de preços relativos na economia. A primeira foram as correções de preços e tarifas antes das privatizações das teles e das distribuidoras de energia. A outra foi o impacto mais recente da desvalorização cambial sobre vários desses preços administrados.
O ajuste recente no câmbio foi sem precedentes. A melhor maneira de medir a competitividade da taxa de câmbio é descontar o impacto inflacionário interno e externo e ponderar as variações pela cesta de moedas dos principais parceiros comerciais do país, chegando à taxa de câmbio efetiva real. Um cálculo do banco CSFB-Garantia mostra que a taxa de câmbio efetiva real, hoje, está 25% mais desvalorizada do que a taxa média dos últimos três anos, ou seja, já depois da desvalorização de 99. Em relação à média dos últimos dez anos, a desvalorização é de 60%.
O levantamento sobre os preços administrados foi feito por um economista do Banco Central, Francisco Marcos Rodrigues Figueiredo, interessado em estudar o impacto que essa mudança de preços relativos teve sobre a política monetária. A pressão dos preços administrados ainda não acabou. O mercado projeta uma inflação de 6,5% neste ano e 5% no próximo. Os preços administrados, pela estimativa do BC, ficarão acima do IPCA: subiriam 8,8% neste ano e 7,6% em 2003. As tarifas de energia devem subir 20,1% neste ano e 20,7% no próximo. E as projeções para os preços dos derivados podem ser revistas para cima, pela pressão dos preços internacionais do petróleo.
Na verdade, desde 1995, os preços administrados subiram, todos os anos, mais do que o IPCA. O que se fez, nos anos FHC, foi uma gigantesca correção desses preços. No universo dos preços administrados entram, a nível federal, derivados de petróleo, tarifas de energia e telefonia, pedágio, transportes públicos, planos e seguros de saúde, jogos lotéricos e cartório. A níveis estadual e municipal, entram o gás encanado, o IPTU, taxas de emplacamento e de água e esgoto e transporte público. Além disso, entram também óleo para veículos, empregado doméstico, carvão vegetal e álcool combustível.
O ajuste, portanto, não foi apenas federal. As passagens dos ônibus urbanos, por exemplo, subiram 183%, e a taxa de água e esgoto, 151%, entre 95 e 2001, para uma inflação de 78%.
Existem várias leituras possíveis para essas mudanças. A política, sugere que o aumento do peso das tarifas e dos preços públicos no orçamento familiar, ao lado da perda do poder aquisitivo dos salários em dólar, são boas razões para o mau humor do eleitorado.
Do ponto de vista econômico, contudo, existe pelo menos uma leitura positiva. Pode-se argumentar que, em vários casos, preços e tarifas públicas estavam defasados e precisariam de alguma correção. É evidente, também, que o câmbio controlado era insustentável, embora o nível de desvalorização, hoje, seja obviamente exagerado. O banco JP Morgan, por exemplo, calcula o câmbio de equilíbrio do Brasil em R$ 2,20 por dólar. A tendência futura é de queda na cotação do dólar, corrosão da desvalorização real pelo aumento da inflação ou uma mistura de ambas as coisas.
De toda forma, foram dois "choques", o dos preços públicos e o do câmbio, que não devem se repetir, com a mesma intensidade, nos próximos anos, ainda que algumas tarifas, como a da energia, ainda devam sofrer algum aumento real. O que é bom para a inflação.
Os juros altos e o baixo crescimento impediram as empresas de repassar em seus preços, inteiramente, o impacto do dólar. É claro que, se a economia melhorar, deve haver alguma recomposição de margem de lucro via preços. Mas não é uma pressão comparável à do choque dos preços administrados.
A variação em 12 meses dos preços livres, que chegou a 30% no final do primeiro ano do Plano Real, em julho de 95, caiu sem parar até próximo de zero, antes da desvalorização de 99. Mesmo depois da desvalorização, o índice acomodou-se em torno de 5%, desde outubro de 99. No IPCA de 12 meses encerrados em julho último, de 7,46%, a contribuição dos preços livres ficou em 4,36%.

O Scheinkman do PT
Dois economistas ilustres ouviram de gente graúda do PT, em momentos distintos, a mesma resposta intrigante, quando indagaram sobre quem será o presidente do BC num governo Lula. "Vai ser uma surpresa", foi dito. "Nós temos o nosso Scheinkman." A referência é a José Alexandre Scheinkman, economista liberal, ex-chefe do Departamento de Economia de Chicago, que Ciro Gomes trouxe para ajudá-lo, para surpresa da esquerda de seu partido e de sua campanha.
Parte do mercado continua sonhando com a permanência, ainda que temporária, de Armínio Fraga. O diretor de um grande banco diz que essa saída teria três simpatizantes de peso no PT: José Dirceu, Aloizio Mercadante e Cristóvam Buarque.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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