São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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JANIO DE FREITAS

Sem resposta

Desde os velhos gregos, há problemas de matemática e de geometria que desafiam, invencíveis, o saber dos séculos. Alguns, de tão fascinantes, levam facilmente da distração à obsessão. Aquele dos três poços e três casas - não, não posso capitular outra vez. Só falei nisso porque desejava dar notícia de um feito relevante: solução, por aqui não se vê nem para os problemas governamentais mais primários, mas os brasileiros podemos orgulhar-nos de uma contribuição para os problemas sem resposta.
Eis a incógnita criada pelo talento autenticamente brasileiro: quantas horas - por dia ou por semana, tanto faz - presidente brasileiro trabalha?
Receber misses, visitar feira de carros, receber atletas, ir à feira de agronegócios, encontrar um grupo de sem-terra, visitar uma reunião de com-muitos-tetos, inaugurar alguma coisa em alguma empresa, dar um pulo no Sul e outro no Oeste, e discursar, discursar, discursar sempre o mesmo discurso. Pronto, a cada dia o seu uso, e lá se foi a semana, e logo o mês.
Se não houver convites para preencher os dias todos, marqueteiros e assessores criam eventos sociais e político-sociais (o lado social é indispensável) para preencher toda a semana.
Semana cujos dias não começam pela manhã, como consta de um uso vulgarmente conhecido por expediente de trabalho. Fernando Henrique Cardoso fez da cozinha do Alvorada a instituição relativamente mais cara do Estado, sem falar na riqueza da adega à francesa. Ao menos uma vez por semana uma quituteira viajava a Brasília, com passagens e despesas pagas pelo Tesouro, para determinar o menu de Fernando Henrique e, no fim do mês, receber o equivalente ao pago a três a quatro médicos do serviço público). Assim estavam dadas boas razões para distrair a manhã e aguardar o longo almoço, de preferência seguido da sesta saudável. À tarde, ou eventos para a TV ou os agradáveis papos de política e variações. Houve ministros que entraram e saíram do governo sem a experiência de um só despacho com o presidente.
É de justiça reconhecer o papel de Fernando Collor. Sarney antes dele e Itamar sucedendo-o foram, ambos, presidentes que trabalharam com muito empenho, os dois, por sinal, encarando períodos de especial gravidade. Collor restaurou o estilo Figueiredo, que era o estilo-"laranja" de Médici com o acréscimo de um toque falsamente atlético. O segundo Fernando, portanto, aprimorou o primeiro.
Lula veio para mudar. À falta das mudanças esperadas, mudou vários ministros, por exemplo. Entre eles sobrevivem, porém, relatos interessantes sobre a impossibilidade de obter um despacho com o presidente, mesmo para assuntos dependentes de orientação presidencial. O tempo é para os eventos, o trabalho é uma eventualidade.
Admito, no entanto, que o expediente presidencial é um tema sugerido pela impertinência. O governo não tem problemas que exijam e ocupem uma presidência de trabalho. Quem tem tais problemas somos nós, é o país.


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