São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/LIGAÇÕES PERIGOSAS

Deputado falou com o ex-tesoureiro no dia de seu depoimento à Procuradoria e com o ministro quando foi a vez de Valério depor

Dirceu ligou para Bastos e Delúbio na crise

RUBENS VALENTE
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A quebra do sigilo telefônico das empresas e pessoas investigadas pela CPI dos Correios revela que alguns dos principais personagens trocaram telefonemas em datas-chave da história do escândalo e mesmo depois das denúncias do suposto "mensalão" feitas pelo deputado federal cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ).
"A apuração vai ter condições de avaliar os contatos telefônicos entre os investigados, se ocorreram próximos a depoimentos ou outras datas importantes", disse o presidente da CPI, Delcídio Amaral (PT-MS). Os registros em poder da comissão mostram duas ligações do telefone celular do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu para um celular de Goiás registrado em nome do pai do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
As chamadas ocorreram em 8 de julho, no mesmo dia em que Delúbio prestou seu primeiro depoimento à Polícia Federal de São Paulo. O registro não traz a hora da ligação, se ocorreu antes ou depois do depoimento. As ligações ocorreram também uma semana antes de Delúbio apresentar à PGR (Procuradoria Geral da República) a versão de que o mensalão na verdade tratava-se de um esquema de caixa dois para pagar dívidas de campanhas eleitorais do PT e dos partidos aliados.
Dirceu fez ainda quatro ligações para o celular pessoal do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) na mesma semana do depoimento de Delúbio à Procuradoria. As conversas com o ministro duraram ao todo dez minutos.
Há um telefonema de Dirceu para Bastos no dia em que o ministro da Justiça teve um encontro, em São Paulo, com o advogado de Delúbio, Arnaldo Malheiros. E na mesma data, 14 de julho, em que o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza prestou depoimento ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros, em que disse haver feito empréstimos de cerca de R$ 40 milhões em benefício do PT (depois corrigiria o valor para R$ 55,9 milhões).

Palocci
Também na mesma época, entre os dias 7 e 13 de julho, José Dirceu telefonou sete vezes de seu celular para o celular do mais próximo assessor do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, Ademirson Ariovaldo da Silva. E recebeu duas chamadas de volta. Foram sempre conversas curtas, de no máximo um minuto.
Palocci costuma usar o mesmo aparelho. Foi para esse número que também a CPI dos Bingos detectou chamadas do advogado Rogério Tadeu Buratti, implicado em outro escândalo, o da suposta propina para renovação do contrato da multinacional GTech com a Caixa Econômica Federal.
Um dia depois de a Folha apresentar os dados das chamadas à sua assessoria na última quinta-feira, o deputado José Dirceu entrou com uma representação na CPI dos Correios para pedir punição aos parlamentares que teriam vazado os documentos. A assessoria do Ministério da Justiça disse que Dirceu e Bastos são "amigos" e considera "natural" a troca de telefonemas.

Presidência
Os registros também mostram que José Dirceu continuou, mesmo depois de deixar o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, em junho, a manter contatos freqüentes com ramais da Presidência da República. Foram mais de cem chamadas durante apenas 16 dias de julho último.
A CPI também detectou mais de 240 ligações, de setembro de 2004 a junho de 2005, entre a sede nacional do PT e a SMPB Comunicação, de Belo Horizonte (MG), empresa de Marcos Valério responsável pela maioria dos saques no esquema do caixa dois.
Essa seqüência prejudica a versão apresentada até aqui por Delúbio e Marcos Valério. Segundo ambos, o último repasse de dinheiro do caixa dois do PT ocorreu em setembro de 2004.
As listas de telefonemas em poder da CPI revelam que os contatos entre a SMPB, Delúbio Soares e ramais da sede nacional do PT, em São Paulo, eram feitos algumas vezes por meio de telefones celulares registrado em nome de Orlando Martins, chefe dos office-boys da SMPB. Entre 5 de maio e 29 de junho de 2004, de um celular em nome de Martins partiram 15 chamadas para o celular de Delúbio, num tempo total de oito minutos de conversação.
Em depoimento à CPI dos Correios no dia 3 de agosto, a diretora financeira da empresa SMPB, Simone Reis Lobo Vasconcelos, reconheceu que o nome de Orlando foi usado para a compra de pelo menos três telefones celulares. Por telefones assim, segundo reconheceu, Simone operava o esquema de saques na agência do Rural no Shopping Brasília.
O ex-presidente nacional do PT José Genoino deu e recebeu chamadas para Silvio Pereira, ex-secretário-geral do partido, mesmo depois de ambos terem deixado seus cargos no PT. Genoino disse considerar "absolutamente normal" conversar com o ex-secretário do partido. Informado de que, contudo, não há nenhuma ligação para o ex-tesoureiro nacional do PT Delúbio Soares, Genoino disse que a listagem em poder da CPI dos Correios "não está completa".
Genoino contou que costuma falar ainda hoje com Delúbio Soares sobre assuntos "pessoais", entre outros temas.


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