|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Debandada vai tornar a campanha de Lula muito complicada"
Folha - Esse clima também contamina as relações do cotidiano?
Alencastro Isso sempre existiu.
Está aí em blogs agora... Isso existiu por causa de uma tensão social
muito forte no Brasil que extravasa pelo lado da criminalidade,
mas que é um fato que faz parte de
uma aliança objetiva da classe
média com os ricos com medo
dos pobres. É um mecanismo que
tinha no apartheid na África do
Sul e que pode ter nesse proto-apartheid. Você tem medo do cara que está bem próximo e você
vira para o outro lado, para quem
está dando sarrafada neles. É insuportável. Outro dia me contaram que tem prédios em São Paulo de 20 andares com 40 seguranças. Só cego não vê que essa situação à médio prazo é inviável. A
questão de fundo é que a falência
do governo Lula pode ter como
resultado o medo do pobre, do
negro, a distância do empregado.
Folha - A eleição de Lula significava uma tentativa de conciliação?
Alencastro - Sim. Ele é o grande
conciliador. A falência disso é
uma coisa grave para a sociedade
brasileira. Cada um dos meus
amigos, toda a tribo dos decepcionados com o PT e com o governo
Lula tem um momento onde houve uma sensação de ruptura. Para
uns foi a política econômica, para
outros, a política social...
Folha - E para o senhor?
Alencastro - Uma coisa que me
deixou com um mal-estar imediato foi no dia da eleição. Ele discursou na Paulista e agradeceu aos
eleitores, ao PT e ao Duda Mendonça. Imediatamente agradeceu
ao Duda. Uma coisa inédita em
partidos de esquerda. Estarrecedor. Já é uma confusão que vem
da origem, a idéia de que se pode
fazer um contato com o povo por
meio da televisão, que se pode entregar mãos e pés. Depois, caixa
dois, paraíso fiscal, isso tudo é um
pouco conseqüência. Tenho amigos do Rio Grande do Sul e de São
Paulo que acharam esquisito no
PT há dez anos ninguém pedia dinheiro para a campanha. A partir
do momento que se parou de pedir dinheiro para a militância...
Folha - O sr. fala de ruptura, de falência. Qual tipo de projeto de esquerda é possível ou era possível?
Alencastro - Tinha que ter uma
política social mais ampla, próximo às populações sem assistência. É uma coisa incrível: há lugares no Rio onde a presença do Estado não é mais permitida. Há
massacres e chacinas e não se vê o
presidente indo ver esses problemas de perto. Isso já não existia
no governo FHC. Aqui na Europa, os primeiros-ministros no Natal vão para o hospital ficar perto
dos menos favorecidos. Há coisas
simbólicas, gestos discretos.
Folha - Qual as perspectivas de
Lula em 2006?
Alencastro - A debandada dos
aliados do PT nos Estados e dos
candidatos fortes do PT vai tornar
a campanha de Lula muito mais
complicada. Essa é a principal
vulnerabilidade do PT. Lula terá
sempre um estoque de 30% dos
votos, que é o estoque histórico
dele. Isso o põe no 2º turno, num
pleito em que haja o Garotinho.
Nessa circunstância, Lula tende a
ter um "handicap" grave, não só
porque o PT está desmantelado,
mas porque não tem candidatos
fortes em nenhum Estado, talvez
só em São Paulo. E isso torna a
campanha muito cara e complicada. Quem arma palanque nos Estados, quem chama o eleitorado e
fornece a logística da campanha
são os candidatos locais.
Folha - E o PSDB?
Alencastro - Como disse antes, a
complexidade da política paulista
faz com as apostas em São Paulo
sejam muito altas. Isso desestabiliza todo o sistema partidário brasileiro e também acontece do lado
dos tucanos. São Paulo tem três
candidatos tucanos à presidência.
Folha - O sr. inclui FHC?
Alencastro - Ih... Ah, sim. Conheço um pouco, o vi em vários
lugares no Brasil. Não me enganei
um dia. Evidente que ele não vai
pôr a cara para bater, mas nessa
situação de crise, só pensa nisso.
Folha - Como o governo tem enfrentado a crise?
Alencastro - O governo Lula já
mostrou mais maturidade que
seus inimigos lhe atribuem. Em
dois momentos. Primeiro, apesar
de ter havido um ensaio aqui e ali,
não houve uma mobilização de tipo chavista para intimidar a imprensa e o Congresso. Não faltou
gente que pensou nisso, que tentou montar, mas não foi adiante.
Essa estratégia não está no horizonte. Foi desautorizada pelo presidente. O outro momento foi
quando a oposição colocou a proposta de salário mínimo de R$
384. O governo poderia ter dito:
"É assim? Então vamos a R$ 450,
arrebenta tudo". O governo corrigiu o tiro no dia seguinte, não praticou uma política de avacalhação
orçamentária. Poderia ter tido um
populismo orçamentário.
Texto Anterior: Entrevista da 2ª - Luiz Felipe de Alencastro: Falência do governo Lula pode trazer uma "onda reacionária" Próximo Texto: Toda mídia - Nelson de Sá: E o inspirador não votou Índice
|