São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

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"Debandada vai tornar a campanha de Lula muito complicada"

Folha - Esse clima também contamina as relações do cotidiano?
Alencastro
Isso sempre existiu. Está aí em blogs agora... Isso existiu por causa de uma tensão social muito forte no Brasil que extravasa pelo lado da criminalidade, mas que é um fato que faz parte de uma aliança objetiva da classe média com os ricos com medo dos pobres. É um mecanismo que tinha no apartheid na África do Sul e que pode ter nesse proto-apartheid. Você tem medo do cara que está bem próximo e você vira para o outro lado, para quem está dando sarrafada neles. É insuportável. Outro dia me contaram que tem prédios em São Paulo de 20 andares com 40 seguranças. Só cego não vê que essa situação à médio prazo é inviável. A questão de fundo é que a falência do governo Lula pode ter como resultado o medo do pobre, do negro, a distância do empregado.

Folha - A eleição de Lula significava uma tentativa de conciliação?
Alencastro -
Sim. Ele é o grande conciliador. A falência disso é uma coisa grave para a sociedade brasileira. Cada um dos meus amigos, toda a tribo dos decepcionados com o PT e com o governo Lula tem um momento onde houve uma sensação de ruptura. Para uns foi a política econômica, para outros, a política social...

Folha - E para o senhor?
Alencastro -
Uma coisa que me deixou com um mal-estar imediato foi no dia da eleição. Ele discursou na Paulista e agradeceu aos eleitores, ao PT e ao Duda Mendonça. Imediatamente agradeceu ao Duda. Uma coisa inédita em partidos de esquerda. Estarrecedor. Já é uma confusão que vem da origem, a idéia de que se pode fazer um contato com o povo por meio da televisão, que se pode entregar mãos e pés. Depois, caixa dois, paraíso fiscal, isso tudo é um pouco conseqüência. Tenho amigos do Rio Grande do Sul e de São Paulo que acharam esquisito no PT há dez anos ninguém pedia dinheiro para a campanha. A partir do momento que se parou de pedir dinheiro para a militância...

Folha - O sr. fala de ruptura, de falência. Qual tipo de projeto de esquerda é possível ou era possível?
Alencastro -
Tinha que ter uma política social mais ampla, próximo às populações sem assistência. É uma coisa incrível: há lugares no Rio onde a presença do Estado não é mais permitida. Há massacres e chacinas e não se vê o presidente indo ver esses problemas de perto. Isso já não existia no governo FHC. Aqui na Europa, os primeiros-ministros no Natal vão para o hospital ficar perto dos menos favorecidos. Há coisas simbólicas, gestos discretos.
Folha - Qual as perspectivas de Lula em 2006?
Alencastro - A debandada dos aliados do PT nos Estados e dos candidatos fortes do PT vai tornar a campanha de Lula muito mais complicada. Essa é a principal vulnerabilidade do PT. Lula terá sempre um estoque de 30% dos votos, que é o estoque histórico dele. Isso o põe no 2º turno, num pleito em que haja o Garotinho. Nessa circunstância, Lula tende a ter um "handicap" grave, não só porque o PT está desmantelado, mas porque não tem candidatos fortes em nenhum Estado, talvez só em São Paulo. E isso torna a campanha muito cara e complicada. Quem arma palanque nos Estados, quem chama o eleitorado e fornece a logística da campanha são os candidatos locais.

Folha - E o PSDB?
Alencastro -
Como disse antes, a complexidade da política paulista faz com as apostas em São Paulo sejam muito altas. Isso desestabiliza todo o sistema partidário brasileiro e também acontece do lado dos tucanos. São Paulo tem três candidatos tucanos à presidência.

Folha - O sr. inclui FHC?
Alencastro -
Ih... Ah, sim. Conheço um pouco, o vi em vários lugares no Brasil. Não me enganei um dia. Evidente que ele não vai pôr a cara para bater, mas nessa situação de crise, só pensa nisso.

Folha - Como o governo tem enfrentado a crise?
Alencastro -
O governo Lula já mostrou mais maturidade que seus inimigos lhe atribuem. Em dois momentos. Primeiro, apesar de ter havido um ensaio aqui e ali, não houve uma mobilização de tipo chavista para intimidar a imprensa e o Congresso. Não faltou gente que pensou nisso, que tentou montar, mas não foi adiante. Essa estratégia não está no horizonte. Foi desautorizada pelo presidente. O outro momento foi quando a oposição colocou a proposta de salário mínimo de R$ 384. O governo poderia ter dito: "É assim? Então vamos a R$ 450, arrebenta tudo". O governo corrigiu o tiro no dia seguinte, não praticou uma política de avacalhação orçamentária. Poderia ter tido um populismo orçamentário.


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