São Paulo, segunda, 19 de outubro de 1998

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Para estudioso, economia estável pára desmatamento



DA TEORIA À PRÁTICA "O governo precisa levar para a prática seu plano de desenvolvimento da Amazônia centrado em atividades sustentadas."
ISABEL CLEMENTE
de Londres

No Brasil sempre houve uma relação intrínseca entre períodos de "boom" econômico ou recessão com o ritmo de desmatamento das florestas, diz o professor da London School of Economics Anthony Hall, 51, doutor em seca e irrigação no Nordeste brasileiro. Com oito livros publicados -cinco deles sobre a Amazônia e o último, "Sustaining Amazonia", ainda inédito no Brasil-, Hall diz que a estabilidade é o maior bem para as florestas. Desde 93 como diretor do grupo consultivo internacional do Programa Piloto para Conservação das Florestas Tropicais Brasileiras, do qual o G7 (o grupo dos sete países mais industrializados do mundo) é o patrocinador, Hall critica o fato de o "Brasil em Ação" não trazer em seu bojo programas para o desenvolvimento sustentável. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. Folha - Como o ambiente macroeconômico influencia os índices de desmatamento?
Anthony Hall -
Todas as pesquisas indicam que as tentativas oficiais de impor controle ambiental via leis, sanções e vigilância -o que é certamente necessário- só são eficazes em áreas onde são implementadas com rigor. A maioria das agências reguladoras do meio ambiente consegue fazer isso em áreas limitadas. Mas são ações de curto prazo. No longo prazo, os índices de desflorestamento têm reagido com muito mais sensibilidade ao ambiente macroeconômico.
Folha - O que houve no Brasil?
Hall -
Durante o processo de colonização das fronteiras, na década de 70 e no início de 80, o ritmo do desflorestamento se dava a 21 mil km2 por ano, incentivado pelo próprio governo. Havia um "boom" econômico. O governo patrocinava assentamentos, a Transamazônica estava sendo construída e pequenos fazendeiros eram incentivados a migrar para a região. Em 91, o índice caiu para 14 mil km2. Havia então pouco dinheiro disponível para investimentos em terra.
Com o sucesso da implementação do real, a confiança do mercado foi restaurada, a inflação caiu e, de uma hora para outra, havia mais dinheiro disponível no mercado. A terra se mostrou um investimento atraente, o que explica o pico de desmatamento em 95, quando se perdeu 29 mil km2 em mata.
Conforme a estabilidade foi se firmando e a inflação foi caindo, a terra perdeu seu apelo como investimento e os preços caíram quase à metade, segundo pesquisas do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
Folha - O que pode acontecer agora que é esperada uma freada forte na economia do país, com corte nos gastos públicos e possibilidades de recessão?
Hall -
Uma das melhores coisas que o governo pode fazer em termos de política ambiental é manter a estabilidade da economia, o que não significa que não haja problemas localizados que precisam ser enfrentados.
Folha - Qual seria o papel da política ambiental?
Hall -
Estabilidade é o principal pré-requisito, mas não é o único, porque até numa situação de estabilidade há especulação, concentração de terras e desmatamento. Medidas voltadas para uma política ambiental também são necessárias para garantir a redução do desmatamento nas áreas mais vulneráveis, como aquelas sujeitas a ação de madeireiras na Amazônia. Hoje, o Brasil é uma atraente fonte de suprimento para madeireiras.
Folha - Mas é fato...
Hall -
É fato, é uma atividade que está crescendo, e aí entra o papel do governo para garantir que a extração de madeira seja feita de forma sustentável. No entanto, é quase impossível controlar essa extração, feita, em grande parte, de forma irregular e informal.
Folha - Além de garantir o ambiente favorável à política ambiental eficaz, o que esse governo fez nos quatro primeiros anos em relação à extração de madeira e a outras atividades sustentáveis?
Hall -
Não muito. Uma avaliação recente do próprio Ibama mostra claramente que mais de 80% das licenças para extração de madeira foram falsificadas. Até recentemente o Ibama não tinha poderes legais para levar adiante as fiscalizações. Impunha as multas, mas não as coletava. A Lei de Crimes Ambientais, aprovada este ano, mudou isso.
Mas ainda há dois fatores trabalhando contra a lei. Primeiro: a capacidade de monitoramento do Ibama está ficando cada vez mais limitada com o fechamento de alguns escritórios. E, segundo, a MP (medida provisória) 1.710, introduzida em agosto, dá às empresas até dez anos para adequar suas atividades à Lei de Crimes Ambientais. É altamente improvável que as punições sejam impostas.
Folha - A lei brasileira é frouxa?
Hall -
Sim, muito frouxa. As empresas têm muito tempo e muitos danos podem ser feitos. É claro que o setor industrial pesado precisa desses anos para renovar seus equipamentos e introduzir tecnologias avançadas. Mas, para madeireiras e grandes fazendas, trata-se de férias prolongadas para fazerem o que quiserem antes de ter que obedecer à lei.
Folha - Nesse ambiente onde a estabilidade é favorável, mas as políticas ambientais não, o que é preciso ser feito?
Hall -
Além de adequadas agências de fiscalização ambiental, o governo precisa levar para a prática seu plano de desenvolvimento da Amazônia centrado em atividades sustentadas. Nos anos 70 e 80, o governo gastou US$ 5 bilhões para incentivar a extração da borracha na Amazônia -quantia que causou muito dano com pouquíssimo retorno econômico.
Agora, que há menos dinheiro disponível para subsídios, o governo precisa investir sistematicamente em atividades agroflorestais, extrativas, pesca e pesquisas.
O maior obstáculo é a falta de coordenação entre os ministérios em relação a assuntos do meio ambiente. E iniciativas como o "Brasil em Ação" não contemplam nada relacionado ao desenvolvimento sustentável.




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